Eis aí o Brasil, mais uma vez, sendo violentamente agredido pela direita diante de um passo importante para a retomada de uma configuração equilibrada no governo, com a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ministro da Casa Civil pela presidenta Dilma Rousseff. A reação comanada pela mídia põe o observador atento diante de mais uma situação clara de cinismo e hipocrisia, uma autêntica “casa de caboclo” — termo usado no submundo da marginalidade como sinônimo de armadilha, traição e crocodilagem — para caputar a democracia. A julgar pelo diagnóstico que jorra das páginas, telas e alto-falantes da direita não dá para saber, realmente, como seria possível encontrar outra solução para os impasses criados pelos ultimatos golpistas quando a responsável pelo encontro dessas soluções não pode se mexer.

É a velha história do cidadão que perdeu os óculos no banheiro e procura por eles na cozinha, ou nem sabe que perdeu alguma coisa. Tanto faz: em qualquer dos casos é certo que não vai encontrar nada. Nesse caso, nem há interesse em achar nada, principalmente nexo causal. A escalada golpista, que já há bom tempo se transformou num contubérnio de conspiradores, só vê na sua frente o inimigo a ser impiedosamente abatido, uma operação de cerco e aniquilamento. Para essa conspirata, enquanto não vier o golpe o impasse deve ser permanente. E assim a crise vai sendo rolada, uma tentativa de empurrar o país para um beco sem saída.

O governo, sabiamente, não aceita ser encurralado no beco onde os conspiradores querem enfiá-lo com sua barulheira de panelas e buzinas, batidas e tocadas por mãos desconectadas da racionalidade, produto de cérebros lavados pela estridência fascista da mídia. A ordem unida é não permitir que ninguém do governo abra a boca para desmascarar essa campanha insidiosa e assim apressar o bote e se apossar do poder e das instituições. Criou-se, com essa desfaçatez, a ideia que a mídia tenta solidificar de que essa matilha raivosa está cuidando muito bem de tudo para que o plano golpista siga em frente.

Figura subqualificada

O que dizem é que há uma crise insolúvel, terminal, nascida de entidades sobrenaturais que comandam a corrupção e o desgoverno. Se ninguém sabe qual o sentido da crise, suas causa e feitos, bem, paciência. Para esse contubérnio, há uma crise, a corrupção se espalhou não se sabe como nem porque e vai se repetindo isso, formando bolas de neve, formulando manchetes, gritarias, xingamentos, violência e… o fim, o apocalipse, o penhasco como solução de todos os problemas. Não existe nos registros da ciência terapia conhecida para o tratamento desse tipo de patologia. Quem olha para essa massaroca de cinismo com reservas fica com a sensação de que estão mesmo é querendo criar uma república de bocós, de boca-abertas, de néscios que caminham imobilizados para a ruína.

O ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC), por exemplo, afirmou que “é um erro do ponto de vista da organização do governo” e “escandaloso” a nomeação de Lula. Afora o fato de FHC ser FHC, o que desqualifica qualquer consideração por se tratar de uma figura subqualificada para esse tipo de assunto, é preciso considerar o que ele fala por se tratar de um ícone desse setor apodrecido do Brasil. Basta dizer que sua fala foi ovacionada por gente da oligarquia financeira, especialmente quando se referiu a Lula como “analfabeto”. Quem conhece os dois ex-presidentes sabe que no terreno da moralidade pública FHC precisa lavar a boca três vezes antes de falar de Lula.

Manicômio judiciário

Alguma saída teria de acontecer, mais cedo ou mais tarde, para se contrapor a essa escalada golpista do contubérnio de conspiradores. Mas a nomeação de Lula é apenas o primeiro passo. O desafio é criar uma contra-escalada; já aconteceu antes, como na patética comédia do governo Fernando Collor e no gangsterismo contra Getúlio Vargas. Enquanto isso, o que se tem é o convívio com essa patifaria interminável. O ponto que mais chama a atenção, no momento, não é exatamente o boletim que anota a cada dia as provocações desse clube de golpistas. É sempre mais do mesmo. O fato que realmente incomoda é a falência do equilíbrio emocional desses conspiradores. Para eles, a presidenta Dilma Rousseff deixou de governar o Brasil em algum momento da campanha eleitoral do ano passado, quando decretaram que se ela ganhasse não governaria, e agora começam a apelar para o tudo ou nada.

Essas ações desequilibradas contam com as investigações judiciais atravessadas, um verdadeiro manicômio judicial (o juiz Sérgio Moro, que comanda a maior farsa judicial da história brasileira, chamada “Operação Lava Jato”, chegou ao cúmulo da desfaçatez ao grampear Lula e Dilma), para quem suspeita vira denúncia, que se transforma em delação, que vai para o rol das possibilidades de delitos e que acaba em julgamento sumário. Os responsáveis por essas balelas, que têm a obrigação de defender as causas da população aplicando a lei, estão pouco se lixando para os direitos que estão espalhados ao longo de toda a legislação do país. Estão certos da impunidade porque sabem que contam com apoio de poderosos e até de brechas legais; continua em pleno vigor, por exemplo, a Lei Fleury, concebida para favorecer um policial acusado de torturas nos anos 1970. E assim vão pisoteando o Estado Democrático de Direito e fazendo ameaças à democracia. O ponto é: até quando?