No domingo, a Câmara de Deputados do Brasil garantiu a maioria de dois terços necessária para propor ao Senado o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No Senado, bastará maioria simples, para suspender a presidenta e afastá-la da presidência por até 180 dias. A presidenta brasileira, de tendências de esquerda, está agora a um passo de um despenhadeiro político.

Rousseff está sendo acusada de manipular contas do governo, e muitos a acusam de corrupção e de alterar fraudulentamente números do desempenho econômico do Brasil para ocultar os maus resultados. No fundo, tudo se resume à evidência de que Rousseff não foi capaz de conduzir o país para fora das dificuldades econômicas em que hoje está.

O Brasil conseguiu exportações robustas, entrada massiva de moedas estrangeiras e melhorias acentuadas no bem-estar social, durante os últimos anos, graças ao rápido desenvolvimento de outros países emergentes, como a China. Mas em 2015, o Brasil teve crescimento negativo de 3,8% e a política de bem-estar social foi paralisada.

Com as capacidades para promover benefícios sociais tão reduzidas, governos da esquerda deixaram espaço aberto para que a direita prosperasse na América Latina. O Partido dos Trabalhadores, PT, de Rousseff, não pôde governar senão em aliança, com o apoio de uma dúzia de partidos; e o crescimento negativo logo levou alguns daqueles partidos a separar-se de Rousseff e do partido dela.

Mas o impedimento de Rousseff não significará volta, no Brasil, à situação de antes. Rousseff governou com o apoio dos mais pobres e, se manipulou números do governo ou contas oficiais (a presidenta nega), ela o fez para não ter de cortar os programas sociais e, mais uma vez, num esforço para proteger os mais pobres. Ante a espantosa disparidade de renda que ainda divide o Brasil, os sindicatos se revitalizarão, se Rousseff foi derrubada.

Nesse sentido, o Brasil pode estar caminhando, sem pender nem para a direita nem para a esquerda. Em eleições, os candidatos concorrentes vivem de fazer promessas aos eleitores – as quais nunca, ou quase nunca, conseguem cumprir. O sistema brasileiro estimula políticos profissionais a competir pelo favor temporário da opinião pública; para tanto, vivem de fazer acusações e lançar ‘culpas’ uns sobre os outros.

O Brasil é abençoado por recursos naturais abundantes, vastos territórios habitáveis que não são superpopulosos. Mas está paralisado na armadilha da renda média, além de preso numa situação de instabilidade política e econômica, porque o próprio sistema político nacional é insuficiente para enfrentar a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. Além de Rousseff, o vice-presidente e o presidente do Senado também estão envolvidos em escândalos de corrupção. Dado que o Brasil não tem esquemas de efetiva luta anticorrupção, acusações de um lado para o outro são frequentemente exploradas como armas ‘eleitorais’.

O impedimento de Rousseff abre um novo campo de batalha para a luta política no país. Esse tipo de impeachment pode sempre aparecer novamente no futuro, porque nenhum dos mais de 30 partidos que há no Brasil pode facilmente alcançar metade dos votos necessários para governar sem alianças. E o país sempre tenderá a ser governado por diferentes tipos de coalizões de vários pequenos partidos.

Conclusão disso tudo é que os brasileiros têm direitos democráticos, mas só nominalmente, porque, pelo que se vê hoje, os cidadãos não têm os meios necessários para influenciar o rumo político do próprio país.

Publicado em 19/4/2016, como Editorial no Global Times, Pequim.