Está em curso uma mudança de fase na vida do país: o ciclo dos governo progressistas se esgotou e outro busca nascer, cujos contornos são ainda indefinidos. É preciso ser consequente com essa constatação. O Brasil e as conquistas sociais do povo estão em derrocada acelerada. Há como uma “contrarrevolução” em curso, que avança ferozmente contra tudo que se alcançou em longas décadas de luta, desde tópicos nascidos com o ciclo da modernização brasileira a partir dos anos 1930, e que abate todo o edifício político-social erigido com base na Constituição de 1988 ameaçado de implosão com crescentes violações do Estado democrático de direito.

A maré baixa subtrai perspectivas para a maioria da nação. Sobretudo para a esquerda, o melhor é considerar que se está apenas no fim do começo – o propósito último da ofensiva em curso é garroteá-la, pela tentativa de desmoralização, por processos judiciais facciosos e pela inadimplência.

Nesse quadro, são necessários reposicionamentos na orientação política, nas relações com os trabalhadores e segmentos populares, na interação maior com as forças progressistas e democráticas e até mesmo forjar reconfigurações de caráter frentista e não partidistas para poder se apresentar como alternativa eleitoral.

A luta contra hegemônica que precisa ser travada será dura, difícil e prolongada. Não há atalhos. Novas opções e escolhas políticas precisam ser postas em debate; os caminhos adotados responderão pela acumulação de forças ou não pelos próximos anos.

Para tal enfrentamento não serão suficientes apenas as forças da esquerda política e social. Nenhum partido pode dar conta da grave crise do país hoje. A esquerda brasileira, as forças nacionais e populares, democráticas e progressistas precisam se unir em amplo arco em torno de um programa comum de salvação nacional, pelo desenvolvimento soberano, a democracia e os direitos sociais do povo indispensáveis a um projeto de Nação. Exige-se articular todo esse campo em torno dessas bandeiras comuns para enfrentar, isolar e derrotar o projeto neoliberal no país. Uma Frente Ampla para oferecer novas esperanças ao povo brasileiro.

 

Política de Frente Ampla é a base para a estratégia de construção partidária

Estes são momentos decisivos sobre o papel, força e lucidez política dos comunistas. Momentos de calmaria não testam o partido comunista; a questão é mostrar têmpera e elevar seu protagonismo nos momentos de acirramento da multidimensional da luta política de classes.

O PCdoB, por seu Programa e conduta política, sua força no movimento social e na disputa de ideias, é indispensável. O centro de sua orientação, aprovada pela direção nacional e a ser aprofundada no 14º Congresso, é a constituição da Frente Ampla em defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos do povo. O êxito político do partido se mede pela régua da realização desse propósito.

Entretanto, os comunistas precisam trabalhar duro para dar força à sua política, suas bases sociais de sustentação e sua estruturação, para dar conta desse desafio. Ou seja, a capacidade em levar a cabo essa orientação política na disputa da sociedade é inseparável do empenho em fortalecer a estruturação partidária em todo o país. A estruturação partidária é, assim, tema diretamente político para os comunistas. Por isso deve-se valorizar o debate e aplicação das linhas de estruturação partidária.

Neste artigo trato desse último ponto, o da estruturação partidária, sabendo que é um tema mais “interno”, mas assumindo que é incontornável.

Uma linha para isso foi traçada pela direção nacional, a qual recolhe e dá novos desenvolvimentos a tudo que a inteligência coletiva cristalizou como fundamentos da construção partidária nas últimas décadas, inscritas em seu Programa, Estatutos e Política de Quadros. É uma linha consequente e está sendo debatida pelo partido em todo o país para ensejar uma campanha vigorosa.

A campanha indica como alvo principal a concentração de esforços nas classes trabalhadoras, nas capitais e grandes municípios. Aponta como base para isso planejamento estratégico para alcançar e concatenar as linhas de luta política na esfera institucional, da luta social e das ideias. Persegue direções com unidade política, força de realização e comprometimento maior de cada integrante, bem como atividade de base permanente e sistemática como forma de chegar mais amplamente ao povo, incluindo amplo trabalho de comunicação e formação. Em especial, demonstra clareza sobre o grave gargalo que ameaça agudamente todo o edifício partidário, que é a questão do seu financiamento.

O Partido bem armado politicamente e com objetivos claros estão dados; há energias, forças e fibra para avançar nos desafios postos. Mas sempre se precisa aprofundar também o diagnóstico das dificuldades objetivas, não apenas as subjetivas.

 

Identificar as singularidades da atual fase para firmar estratégias de construção partidária

Se é indubitável que um ciclo se esgotou, não volta atrás, e que estamos em meio ao surgimento caótico de um novo ciclo, ainda indefinido, a consequência é que isso envolve singularidades do momento, a ser identificadas de modo a cumprir os fundamentos e ir além, refletindo sobre reposicionamentos da política de construção partidária sob a injunção do ciclo.

O PCdoB se impulsionou no final da ditadura quando em 1974 fez um giro político estratégico rumo à ampla frente democrática, ciclo que foi até a memorável campanha da FBP em 1989; abriu-se o ciclo neoliberal e o PCdoB seguiu crescendo em condições muito exigentes; enfim, abriu-se o ciclo de governos progressistas 2003-2016, quando nova escala foi alcançada em força política e social, representatividade e estruturação orgânica – chegou-se a 380 mil filiados e 100 mil militantes. Tudo isso impacta a linha de estruturação partidária.

Uso aqui um exemplo que domino melhor, um caso tipo ideal, o da capital de São Paulo, seus ciclos de ascenso e descenso durante esse período. Em 1988 um giro político, pouco compreendido no conjunto do partido naquele momento, foi apoiar a vitoriosa eleição de Erundina prefeita e elegeu-se vereador Aldo Rebelo. Nesse ciclo, abriu-se as portas para a FBP com Lula em 1989; o PCdoB elegeu deputado federal e estadual, vereadores na capital e terminou esse ciclo com a vitória de Marta prefeita e a eleição de 2002: Lula presidente, PCdoB com dois federais, 2 estaduais e 3 vereadores na capital. Com Lula presidente segue essa trajetória, malgrado erros cometidos (como na eleição de 2004) que foram um tropeço na acumulação de forças e custou muito caro. O campo de alianças manteve-se inalterado. Desse apogeu foi-se ao descenso, verificado nos dias atuais: um federal, um estadual e não há vereador na capital; no interior, diminuíram prefeitos e vereadores eleitos.

A derrota sofrida, a correlação de forças e o comportamento social que se instituíram hoje no Brasil são a singularidade maior. Foram possibilitadas pela acelerada perda de bases e apoios sociais e políticos, bem como votos e posições institucionais, aí incluído também o PCdoB. Não apenas em São Paulo, mas em praticamente todas as capitais a votação do PCdoB foi declinante em 2014 e isso se estendeu também aos grandes municípios em 2016 – considero isso resultado concentrado de todo o processo de atuação e inserção social do trabalho partidário. Isso ainda se mantém e propaga,, com exceção do Nordeste..

Por outro lado, complexas mutações estão em curso no povo brasileiro e em todas as relações sociais, o que acentua situações de inserções sociais estagnadas e sem renovações.

Portanto, para um plano de estruturação é necessário passar em revista e reposicionar as próprias linhas de acumulação de forças, com estratégias renovadas para a construção partidária. Com isso, estará em pauta também o debate para encontrar os elos decisivos, poucos para concentrar e não dispersar energias, que se traduzam em movimentos capazes de puxar toda a corrente nos marcos de cada realidade concreta e dos contextos locais de forças acumuladas pelo partido.

 

Ampliar, renovar e aprofundar inserções sociais para a política de Frente Ampla

É cristalino e absolutamente incontornável que os reposicionamentos têm como vetor dominante o projeto político dado, o lugar político a disputar, as alianças políticas a realizar para construir a Frente Ampla; essa é a base da identidade partidária.

Entretanto, partindo disso, colocam-se as opções sobre as próprias bases principais de sustentação social a ser perseguida, com consequências sobre a estratégia de construção partidária. Necessita-se mais empenho e dedicação para investigar a realidade social. Creio que essa problemática está subestimada nos debates e nunca deveria ter saído de pauta.

O êxito do papel do partido em cumprir sua tática de Frente Ampla e disputar a esquerda para constituir-se como núcleo central dela, exige dos comunistas ampliar, alargar e aprofundar inserções sociais. Deve-se focar o tema nos debates e formulações. A força política de um partido será sempre a força da base social que a sustenta, mediada por um projeto político claro e exequível. Todo lugar político não é naturalizado, mas disputado na luta. O fazer político não é mero verniz superestrutural, feito apenas de habilidade e talento no jogo político. É mais que isso: finca suas raízes nas relações sociais à luz dos conflitos e da consciência social dominante; invoca senso de representação de interesses e deve ter capacidade de falar ao sentimento médio dos representados para engendrar com eles patamar de consciência política mais elevado.

Nesse sentido, as opções não aparecem se não se é capaz de fazer as perguntas corretas – e este é momento de indagações. É preciso enxergar a estruturação partidária – tendo por base a intervenção política, social e de ideias – por esse prisma.

Quais os nós decisivos para a inserção que impulsiona a Frente Ampla? Quais principais relações sociais se necessitam junto às forças fundamentais envolvidas nela, mantida a base popular predominante hoje no partido? Creio que se deve debater um foco mais concentrado nos trabalhadores – porque força mais estruturada, indispensável em tempos duros e radicalizados da luta política de classes – incluídos aí a juventude e as mulheres. Têm sido de fato os trabalhadores uma força política autônoma? Quem os representa politicamente e como? Portanto, o próprio tema dos trabalhadores precisa ser revisitado politicamente como base para estruturação do PCdoB.

Tem mais. Para a Frente Ampla é preciso também penetrar mais intensamente nos vários estratos democráticos e progressistas na sociedade, ampliar essas relações, estar presente junto aos seus movimentos, instituições e relações políticas. E, claro, nas capitais e grandes cidades. Estão esses setores reverberando as opiniões do PCdoB sobre frente ampla? Estamos inseridos de fato nas instituições próprias e nas relações desse variado estrato social, inclusive organicamente? Esse deve ser um trabalho apenas dos parlamentares? E nas universidades, que inserção têm os comunistas?

Uma pergunta correlata nesse mesmo rumo: até que ponto, na atual quadra, deve-se dar mais ênfase à intervenção política e social com base nos desafios nacionais, em novo equilíbrio com o eixo de intervenção assentado principalmente nos temas municipais? É claro que a luta reivindicativa sobre governos estaduais e municipais é irrecusável, porque traduzem para a concretude a linha política em cada contexto; mas o tema das políticas públicas caracterizou largamente a fase anterior e teve elevado sentido utilitário voltado para eleições – o equilíbrio deve ser o mesmo hoje?

 

Quadros no lugar certo para impulsionar os novos desafios

A orientação dada pela Campanha de Estruturação Partidária comporta esses debates e desenvolvimentos. E, se houver razão nos argumentos apresentados, uma questão absolutamente nodal à luz de toda a evidência, é a de que movimentos tão exigentes põe como fator mais decisivo e dinâmico para os impulsos necessários a política de quadros, decididamente.

Por que? Em primeiro, porque é indispensável um ambiente mais propício à investigação (e até especulação), que aponta para existir um núcleo de quadros mais experimentados em definir estratégias para a construção partidária, formulando propostas ao debate das direções. É claro que as perguntas e respostas necessárias para novas estratégias para a construção partidária sem dúvida carecem de trabalho coletivo de direção. Mas convenhamos: não é no atual formato de pautas políticas das reuniões de direção, onde se fala cinco ou dez minutos, que elas poderão frutificar.

Em segundo lugar porque, definidas as formulações, o motor dos reposicionamentos é a alocação de quadros certos nos focos decisivos que puxam toda a corrente de realização pretendida. De certo modo, é ainda subestimada a compreensão de ser essa uma ferramenta essencial, ainda mais em momentos de viragem (a experiência é pródiga em demonstrar isso).

O fato de haver Congresso este ano, com eleição de novas direções, serve de estímulo a investigar, responder a tais indagações, formular outras e adotar as medidas consequentes. Deve-se manter a mente aberta para isso porque as opções adotadas agora responderão pelos próximos anos de resistência e perspectivas para o Brasil e o povo brasileiro, bem como de construção e revigoramento do partido.

Walter Sorrentino é vice-presidente do PCdoB 

Publicado no blog do Walter Sorrentino.