Afetado pela instabilidade política, o Brasil se vê cada vez mais desprestigiado internacionalmente no que diz respeito ao seu papel de liderança na América Latina, ao mesmo tempo em que a Argentina provoca cada vez mais curiosidade entre líderes de outros países e de órgãos estrangeiros. Poderá esse quadro se tornar uma tendência?

Desde a chegada do presidente Mauricio Macri à Casa Rosada, no final de 2015, a Argentina vem conquistando cada vez mais espaço no exterior, se tornando um destino comum para chefes de Estado e outras autoridade importantes durante suas viagens pela América do Sul ou América Latina. Muitos creditam parte da ascensão argentina à impossibilidade de, hoje, Brasília desempenhar a função de principal interlocutor regional, dados os problemas internos que refletem diretamente na diplomacia brasileira.

Para o professor de Relações Internacionais Rodrigo Stumpf González, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a crise nacional tem, sim, um peso importante na perda do protagonismo brasileiro, mas ele acredita que isso pode ser resultado de um processo um pouco mais antigo. 

Em entrevista à Sputnik Brasil nesta segunda-feira (03/07), González explicou que, embora o Brasil tenha assumido um papel de destaque muito grande durante os mandatos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff, mesmo antes de todos os problemas, já demonstrava uma nova tendência, por ter um perfil diferente dos seus antecessores.

“A presidente Dilma já tinha um perfil um pouco diferente. Embora a participação institucional do Brasil nos espaços internacionais tenha sido mantida, ela viajou muito menos, ela participou pessoalmente de menos atividades. No seu segundo mandato, na medida em que viveu seu um ano e pouco de mandato em crise permanente, ela praticamente abandonou o protagonismo na política externa. E, desde então, o Brasil tem tido um esvaziamento desses espaços”, disse. 

De acordo com o analista, essa tendência iniciada por Dilma foi potencializada pelos impasses que surgiram após sua saída, com a indefinição constante de quem governaria o país, o que dificulta a interlocução no cenário internacional. 

“Antes, o [Michel] Temer era um presidente interino, hoje ele é o presidente que vai cumprir o resto do mandato, mas se sabe publicamente que existe uma ameaça de ele ser afastado ainda antes do final do período”, afirmou, sublinhando que as sucessivas trocas no comando do Itamaraty ao longo dos últimos anos também revelaram uma falta de diretriz nas Relações Exteriores brasileiras.

No caso da Argentina, comenta o especialista, a substituição de Cristina Kirchner por Macri, por meio de uma eleição – ao contrário do aconteceu no Brasil –, foi vista com bons olhos pelos mercados estrangeiros, recolocando o país numa rota de interesse dos organismos financeiros internacionais, muito por conta dos esforços do novo presidente para agradar a certos grupos. 

“Os próprios dirigentes de outros países utilizam sua agenda externa como forma de promoção. O Macri é um desses exemplos”, destacou Gonzáles. “Mesmo ainda tendo algumas dificuldades na economia argentina, ele tenta projetar uma imagem de respeitabilidade externa, com uma ampla agenda de visitas, pra mostrar que ele é um presidente forte. O que ganharia hoje uma autoridade estrangeira visitando o Brasil?”, indagou o professor.