As eleições gerais no Brasil, cujo 1º turno ocorrerá no próximo domingo, decorrerão num clima de crispação que há muito não se via. Esse ambiente “de chumbo” resulta do golpe palaciano levado a efeito pela direita brasileira, que depôs a presidente eleita, Dilma Rousseff, e levou à prisão o antigo presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, a coberto de uma campanha judicial e mediática contra o Partido dos Trabalhadores (PT), de que este último foi fundador e de aquela é membro.

Apesar dos laços históricos que ligam os dois países, para muitos portugueses, o Brasil é ainda um ilustre desconhecido. Para conhecermos os diferentes contornos da sua situação política, para além do que vemos, ouvimos e lemos nos órgãos de comunicação social e nas chamadas redes sociais, vou elaborar três textos: no primeiro, farei um pequeno esboço do sistema político-institucional do país, vertido na Constituição de 1988; no segundo, farei uma resenha histórico-política do Brasil, desde o início da colonização portuguesa, com auxílio de informação (de excelente qualidade, diga-se desde já) contida no portal da Câmara dos Deputados; no terceiro, analisarei as diferentes candidaturas presidenciais e as perspetivas eleitorais para o próximo domingo e um mais que provável 2º turno.

Uma república federal e presidencialista

O Brasil é uma república federal, constituída por 26 estados federados e o Distrito Federal (DF) de Brasília.

Tal como os restantes países latino-americanos, rege-se por um sistema presidencialista, em que o Presidente da República é, simultaneamente, chefe do governo e, como tal, detentor do poder executivo. É eleito para um mandato de quatro anos, por sufrágio universal, direto e secreto, através de um sistema maioritário a duas voltas. A primeira realiza-se, obrigatoriamente, no primeiro domingo de outubro; se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos, realizar-se-á um 2º turno entre os dois mais votados, no último domingo daquele mês. A tomada de posse ocorrerá no primeiro dia do ano seguinte. De acordo com o texto constitucional, não pode exercer mais de dois mandatos consecutivos. Com ele, é eleito o vice-presidente, que integra, obrigatoriamente, a mesma “chapa” (lista) de candidatura. Porém, nada impede que pertençam a partidos diferentes. Escolhe livremente os seus ministros, tem poder de iniciativa legislativa exclusiva em alguns domínios, pode vetar leis aprovadas pelo Parlamento e pode propor emendas constitucionais. Cabe-lhe, ainda, a nomeação dos altos comandos militares. Em caso de vacatura do cargo, o presidente será substituído pelo seu “vice”; se vagarem ambos, o presidente da Câmara dos Deputados (e, na impossibilidade deste, o do Senado, ou, em última alternativa, o do Supremo Tribunal Federal) assumirá interinamente a presidência até à realização de uma eleição intercalar, destinada a escolher uma nova equipa presidencial para completar o mandato.

Um bicameralismo simétrico

Por seu turno, e como é vulgar nas federações, o Parlamento, denominado Congresso Nacional, é bicameral. Detém o poder legislativo e é constituído por:

• Câmara dos Deputados. Constitui a câmara baixa e representa os cidadãos brasileiros no seu conjunto. É constituída por 513 deputados, eleitos para um mandato de quatro anos, de acordo com a população de cada estado membro e do DF, que constituem as circunscrições eleitorais. Contudo, nenhuma delas pode eleger mais de 70 membros nem menos de oito, o que prejudica São Paulo (o mais populoso estado da federação) e beneficia estados pouco povoados (como a Rondônia ou a Roraima, por exemplo). A eleição é feita de acordo com o sistema de representação proporcional, aplicando-se o quociente eleitoral simples, com os lugares em falta a serem atribuídos aos maiores restos. Porém, apesar de existirem listas eleitorais, o voto é dado a um dos candidatos, sendo o resultado de cada lista igual à soma dos votos individuais de todos os que a integram.

• Senado Federal. Constitui a câmara alta e representa as entidades constituintes da federação. Daí que seja composta por 81 senadores, tendo cada estado e o DF direito a três elementos, independentemente da sua população ou área territorial. O seu mandato tem a duração de oito anos e são eleitos a cada quatro, mas não em simultâneo: um terço (um por estado e DF) é-o numa eleição geral; os outros dois terços (dois por cada entidade federada) na seguinte e assim sucessivamente, sempre por sistema maioritário: no primeiro caso, apenas é eleito o vencedor; no segundo, os dois primeiros.

Ambas as câmaras (“casas”, na designação brasileira) do Congresso possuem poderes semelhantes. Uma lei pode ser iniciada em qualquer uma delas (a “casa iniciadora”) e, caso seja aprovada, é obrigatoriamente apreciada e votada pela segunda, que será, nesse caso, a “casa revisora”. Para ser aprovada, a legislação tem de ser aprovada por ambas. Se esta última decidir aprová-la com alterações, volta à primeira, para nova apreciação e votação. Em geral, as decisões são tomadas por maioria relativa, desde que esteja presente, a maioria absoluta dos elementos da “casa”. São exceção as emendas constitucionais, que podem ser aprovadas a todo o tempo. Estas podem ser da iniciativa do PR, de 1/3 dos deputados ou dos senadores ou, ainda, de mais de metade dos órgãos legislativos das entidades federadas. Para merecer aprovação, é necessária uma maioria qualificada de 3/5 em cada uma das “casas”. Em caso de veto presidencial, ambas se reúnem em sessão conjunta, sendo necessário o apoio da maioria absoluta dos parlamentares para o levantar.

Uma característica do sistema presidencialista é a rígida separação entre os três poderes (executivo, legislativo e judicial). Então, o PR escolhe os seus ministros sem necessidade de aprovação parlamentar e não pode dissolver o Congresso. Por seu lado, este último pode chamar ministros a prestar esclarecimentos, com carácter obrigatório, mas não pode aprovar moções de censura ao executivo nem demitir o chefe de Estado por razões políticas.

A única exceção é a prática do chamado “crime de responsabilidade” por parte do PR, isto é, crimes cometidos no exercício das suas funções. Nesse caso, a Câmara dos Deputados abre um processo de destituição (“impeachment”), que, para ser aprovado, necessita do voto da 2/3 dos deputados. Se isso acontecer, o processo segue para o Senado, onde o Presidente é julgado. Caso um mínimo de 2/3 dos senadores o considerem culpado do crime de que é acusado, será destituído do cargo e substituído pelo seu “vice”, ficando inelegível para qualquer cargo público por um período de oito anos. Foi este instrumento jurídico que a direita usou para afastar Dilma do poder, acusando-a de “pedaladas fiscais”, ou seja, o atraso no pagamento a bancos e autarquias para “maquilhar” as contas governamentais, algo que, sendo ilegal, é frequente em todos os níveis da política brasileira (federal, estadual e municipal) e fora já usado por presidentes anteriores. Antes, o mesmo havia sucedido com Collor de Melo, após denúncias de corrupção por parte de um dos seus irmãos.

Uma organização judicial complexa

Por fim, o poder judicial cabe aos tribunais, sendo a mais alta instância o Supremo Tribunal Federal (STF), composto por onze magistrados, nomeados pelo PR e confirmados pela maioria absoluta do Senado. Tal como o nosso Tribunal Constitucional, verifica a constitucionalidade das leis, mas possui competências bastante mais alargadas. Depois, vem o Superior Tribunal de Justiça (STJ), idêntico ao nosso Supremo Tribunal de Justiça. Em cada entidade federada, existe um Tribunal Federal Regional, que funciona como tribunal de 2ª instância face à justiça estadual. Existem, ainda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), cada um igualmente com instâncias regionais, o Superior Tribunal Militar (STM) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Os juízes dos tribunais superiores têm de ter entre 35 e 65 anos, formação jurídica avançada e ser considerados impolutos.

Os Estados federados, o Distrito Federal e os municípios

Entretanto, os Estados federados possuem as suas próprias Constituições e podem legislar em todos os domínios não reservados constitucionalmente à União. Estes e o DF são dirigidos por um governador, eleito, tal como o vice-governador, da mesma forma e na(s) mesma data(s) que o PR e para um mandato de duração semelhante. É ele o chefe do governo estadual.

O poder legislativo está entregue, em cada uma das 27 entidades, a um Parlamento unicameral: a Assembleia Legislativa estadual. Estas são eleitas igualmente no mesmo dia e de forma idêntica à da Câmara dos Deputados. O número de lugares de cada uma é determinado pelo número de deputados federais, sendo igual ao triplo do número destes até ao limite de 36. A partir desse número, somar-se-á um apenas um eleito estadual por cada eleito federal. Ou seja, uma entidade que eleja oito deputados federais terá uma assembleia estadual composta por 24 elementos; se tiver direito a 12, aquela terá 36; mas, se eleger 13, já só comportará 37. Por sua vez, São Paulo, que tem 70 representantes na Câmara dos Deputados, possui 94 no seu parlamento estadual, correspondentes a três pelos primeiros 12 (ou seja, 36) e mais 58 pelos seguintes.

Por fim, o poder judicial é definido, em cada estado, na respetiva Constituição estadual, que estabelece a competência dos tribunais, de acordo com o disposto na lei fundamental nacional. Em todos eles, existe um Tribunal de Justiça, a mais alta instituição judiciária estadual, que tem o poder de definir a organização do sistema de justiça do estado. Em cada estado, existe, ainda, um Tribunal de Contas.

O Distrito Federal constitui um caso especial, já que não pode ser dividido em municípios. Daí que, para além das competências atribuídas aos estados federados, possua, simultaneamente, as competências municipais.

À escala local, o país divide-se, atualmente, em 5570 municípios, dirigidos por um prefeito, eleito, tal como o vice-prefeito, da mesma forma que os governadores e vice-governadores estaduais, embora em datas diferentes daqueles. O poder legislativo a este nível é exercido pela Câmara Municipal, constituída por um número de vereadores variável em função da população do município, desde um mínimo de nove (os que têm menos de 15 mil habitantes) a um máximo de 55 (aqueles onde vivem mais de oito milhões de pessoas).

Uma apreciação crítica do sistema

Como pudemos ver, no próximo domingo realizar-se-ão as eleições para todas as instâncias federais e estaduais eleitas pelo voto popular. O voto é obrigatório para todos os cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70, que saibam ler e escrever. Para os que têm 16 ou 17 anos, os maiores de 70 e os analfabetos, é facultativo. Já para se ser eleito, os requisitos etários variam: 35 anos para Presidente, Vice-Presidente ou senador, 30 para governador e vice-governador estadual e do DF, 21 para deputado federal ou estadual, prefeito e vice-prefeito e 18 para vereador. Já os analfabetos, apesar de terem direito de voto, são inelegíveis para cargos públicos.

Um dos problemas derivados do sistema eleitoral brasileiro é a sua hiperpersonalização. É frequente as diferentes forças políticas utilizarem uma personagem popular como cabeça de lista num estado, sabendo que ele rende muitos votos, para fazer eleger ilustres desconhecidos, mas que são figuras importantes no partido. Um exemplo típico é o do célebre palhaço “Tiririca”, que apareceu à frente da lista do Partido da República, em São Paulo. À sua conta, aquela formação elegeu alguns pastores evangélicos que poucos votos conseguiram. Ou seja, e como se diz no Brasil, o candidato nº 1 “puxou” os outros para cima. Este problema é agravado pela falta de consistência ideológica da maioria dos partidos. Não é por acaso que muitos parlamentares federais ou estaduais ou vereadores municipais mudam de partido como quem muda de camisa. Ou que, no Congresso, se agrupem mais por interesses comuns que por afinidades partidárias. Um exemplo claro são os três segmentos mais reacionários aí existentes, que criam as chamadas bancadas BBB (Boi, Bala e Bíblia), ou seja, latifundiários, criadores de gado e representantes do agronegócio (“boi”), ex-militares e ex-polícias (“bala”) e representantes das igrejas, em especial evangélicas (“Bíblia”). Claro que, numa cultura política de fraca exigência ética, como é a brasileira, este sistema facilita muito a corrupção e o tráfico de influências a todos os níveis e promove os populistas e oportunistas dos mais diversos matizes. Na verdade, o constitucionalismo brasileiro é, como sucede na generalidade da América Latina, muito tributário do estadunidense, quer no que se refere à separação dos poderes, quer na repartição de competências entre a União e as entidades federadas (embora, nos EUA, estas possuam maior autonomia, o que não é necessariamente bom). O problema é que, ao contrário do que sucede nestes últimos, onde o sistema maioritário cria um bipartidarismo artificial, aqui, a proporcionalidade (para mais, sem cláusula-barreira para a representação parlamentar) gera o multipartidarismo. Assim, há, neste momento, 28 partidos representados no Congresso brasileiro. Isso obriga o chefe de Estado a ter de procurar alianças parlamentares, muitas vezes espúrias e em troca de favores políticos, o que, mais uma vez, só favorece a corrupção e o tráfico de influências. Aquele que ficou conhecido como o “mensalão”, a primeira “mancha” no governo do PT, foi, em grande parte, resultado dessa circunstância. Apesar de tudo, a Constituição de 1988 é um texto de grande qualidade, que consagra um conjunto muito expandido quer de direitos, liberdades e garantias individuais, quer de direitos económicos e sociais, quer ainda de proteção ambiental. Tipifica, ainda, o funcionamento da administração pública a vários níveis e os crimes de responsabilidade cometidos pelos titulares de cargos públicos. Mas a verdade é que, mais importantes que os normativos constitucionais e as instituições que regem são as pessoas que lhes dão corpo. E a verdade é que, no Brasil, salvo raras e honrosas exceções, a maioria dos ocupantes dos cargos públicos não tem estado à altura do que o povo merece e esperaria deles. Algo que também se relaciona com a estrutura social derivada da colonialismo e que se manteve praticamente intacta nos quase 200 anos que o país leva de independência. Ou seja, o poder tem estado concentrado nas mãos de uma pequena elite, maioritariamente branca, que enriquece à custa da maioria e é causadora da miséria de muitos. Aquela não quer, de forma alguma, largar o poder, garantia da conservação dos seus privilégios. Por isso, historicamente, tudo tem feito para manter o controle do país, com recurso à força se necessário for. E, para o efeito, as forças militares e policiais constituem a sua guarda pretoriana. É isso que procurarei mostrar a seguir, em que tratarei dos principais aspetos da história política do Brasil, desde o início da colonização.

Uma história política conturbada

Como referimos anteriormente, a estrutura social herdada do tempo colonial manteve-se quase intacta nestes quase 200 anos que o Brasil leva de independência e é a grande responsável pela má governação do país e pela instabilidade política que o caracteriza.

A chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, na Bahia, marcou o início da colonização portuguesa do Brasil. A chegada de colonos intensificou-se em meados do sec. XVI, quando o império português da Ásia começou a colapsar. A produção de cana-de-açúcar passou a ser a principal fonte da economia brasileira. Como esta exigia uma grande quantidade de mão de obra, foram utilizados para o efeito, de início, os indígenas. Contudo, estes não possuíam a resistência física necessária para esse trabalho e a maioria acabava por sucumbir. Para os substituir, Portugal inaugurou o tristemente célebre tráfico transatlântico de escravos negros, bastante robustos, na sua maioria provenientes da África Ocidental. Este durou durante cerca de três séculos e outras potências coloniais expandiram-no, posteriormente, para outras regiões tropicais da América do Sul, para as Caraíbas e para a América do Norte. A união real entre Portugal e Espanha, em 1580, com a consequente perda da independência lusa, levou a que as possessões coloniais portuguesas começassem a ser atacadas pelos inimigos da Coroa espanhola: a Inglaterra e a Holanda. O Brasil foi, então, atacado pelos holandeses, que ocuparam parte do seu território, em especial no Nordeste. Após a restauração da independência, em 1640, Portugal partiu para a reconquista dos territórios perdidos, conseguindo recuperar a totalidade do Brasil e de Angola, ao contrário do que sucedeu na Ásia, onde apenas conservou Goa, Macau e Timor. Nos finais do sec. XVII, a produção açucareira tendia a diminuir. Contudo, é descoberto ouro na região de Minas Gerais e a exploração aurífera marcaria a economia do Brasil ao longo de grande parte do sec. XVIII, contribuindo, igualmente, para a construção megalómana de monumentos religiosos em Portugal, de que é exemplo o convento de Mafra. Ainda neste século, começa a haver algum mal-estar dos colonos face à metrópole. Aproveitando os ecos da independência dos EUA e da Revolução Francesa, surge, em Minas Gerais, no ano de 1789, uma conspiração com vista à independência da província, dirigida por Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes. Esta acaba por ser traída e este último é executado três anos depois. Será, mais tarde, considerado um herói nacional pelos brasileiros.

Quando, em 1807, o imperador francês, Napoleão Bonaparte, decreta o chamado “bloqueio continental” (que proibia a abertura dos portos europeus aos navios britânicos), Portugal, velho aliado do Reino Unido, rejeita o ultimato. Então, as tropas napoleónicas invadem o país. Porém, no último momento, a família real portuguesa abandona Lisboa e foge para o Brasil, fixando a Corte no Rio de Janeiro. No ano seguinte, D. João VI abre os portos brasileiros ao comércio internacional, rompendo, na prática, com o estatuto de colónia do Brasil uma vez que a estas apenas lhes era permitido comerciar com a respetiva metrópole. Cria, ainda, o Banco do Brasil e a Imprensa Régia, medidas que vão no mesmo sentido. Com o auxílio dos ingleses, os portugueses repelem os franceses, que voltam a tentar ocupar o país em duas novas invasões, a última das quais, em 1810, termina com a derrota das tropas francesas, que fogem em debandada. Contudo, apesar de a guerra ter terminado, o Rei e a Corte mantêm-se no Brasil, que, em 1815, é declarado Reino, embora unido a Portugal. Neste, o vazio de poder permite que o país seja administrado pelos ingleses, chefiados pelo general Beresford, tornando-o uma quase colónia britânica, o que gera enorme insatisfação popular. Após uma revolta falhada, em 1817, que termina com a execução dos seus chefes, o descontentamento alastra à burguesia liberal, que havia já sido contagiada pelas ideias iluministas provenientes de França. Em 1820, a Revolução Liberal rebenta no Porto e sai vitoriosa. Em consequência, a administração britânica abandona o país e são convocadas para Lisboa as Cortes Constitucionais, que elaborarão a Constituição de 1822, o primeiro texto constitucional português. Contudo, aquelas iniciaram os seus trabalhos sem a presença dos delegados brasileiros. Quando estes, finalmente, chegam, deparam-se com uma maioria que procura reduzir novamente o Brasil à condição de colónia. Ora, a sua burguesia, que enriquecia com o comércio marítimo internacional, não estava disposta a aceitar esse retrocesso e uma grande parte dos seus delegados abandona os trabalhos. Inspirados nas revoluções francesa e estadunidense e nas revoltas independentistas das colónias espanholas vizinhas, os brasileiros começam a aspirar à independência. Entretanto, pressionado pelos constituintes, o Rei regressa a Portugal, deixando o seu filho mais velho, D. Pedro, na regência do Brasil. Antes de partir, retira praticamente tudo o que havia nos cofres do Banco do Brasil e leva consigo alguns dos membros mais importantes da administração. Vive-se, então, um ambiente insurrecional em terras brasileiras e o regente, que manifesta simpatia pela causa independentista, promovendo a eleição de uma assembleia para elaborar uma Constituição para o país, é mandado regressar a Lisboa, mas recusa. No dia 7 de setembro de 1822, o príncipe D. Pedro proclama, nas margens do rio Ipiranga, a independência do Brasil, ao soltar o célebre grito “independência ou morte!”.

Por pressão britânica, o Brasil vota o fim do tráfico negreiro transatlântico, em 1850. A questão da escravatura começa, assim, a ocupar a agenda política, dando-se um forte crescimento das ideias abolicionistas, em especial após o final da Guerra da Secessão dos EUA, que termina com a derrota dos esclavagistas.

Nascia, assim, o império do Brasil, tendo D. Pedro I como imperador. A Assembleia Constituinte, eleita em março do ano seguinte, toma posse em maio, mas rapidamente o imperador entra em conflito com ela, acabando por dissolvê-la em novembro. Então, aquele encarrega o Conselho de Estado, da sua confiança, de escrever a nova Constituição, que acaba por outorgar. Nela se estabelece o poder moderador do imperador, acima dos outros três (legislativo, executivo e judicial), o que lhe confere um caráter semiabsolutista. Porém, a perda da província Cisplatina (que se tornou no estado independente do Uruguai, em 1830) e o autoritarismo de D. Pedro I geram, em 1831, uma revolta popular, com o apoio dos setores liberais, que o levam a abdicar do trono em favor do seu filho, D. Pedro II, então apenas com cinco anos de idade. Entretanto, em Portugal dera-se uma reação absolutista, liderada pelo seu irmão, D. Miguel. Com a morte de D. João VI, em 1826, o imperador brasileiro torna-se D. Pedro IV de Portugal. Numa tentativa de conciliar absolutistas e liberais, revoga a Constituição de 1822 e outorga uma Carta Constitucional, bem menos democrática. Por outro lado, tendo declarado a independência do Brasil, não podia reinar em Portugal e abdica em favor da sua filha menor, a futura rainha Dª Maria II, que, após atingir a maioridade, casaria com o seu tio, entretanto nomeado regente. Contudo, em 1828, D. Miguel é proclamado rei e regressa ao absolutismo, o que leva à revolta dos liberais e à guerra civil. Decidido a defender os direitos da sua filha, D. Pedro volta a Portugal ao comando das tropas liberais, acabando por derrotar os absolutistas e obrigar o seu irmão ao exílio, em 1834. Entretanto, no Brasil, é instaurada uma regência, eleita pela Assembleia Legislativa Geral, mas a tensão política mantem-se elevada, com enfrentamentos frequentes entre conservadores e liberais e entre centralistas e federalistas. Em 1840, os deputados liberais, descontentes com o conservadorismo do regente, decretam a maioridade de D. Pedro II, que se torna imperador aos 15 anos. Mas a instabilidade política continua e são frequentes as dissoluções parlamentares por iniciativa imperial. Estalam algumas revoltas separatistas, a mais célebre das quais a Revolução Farroupilha, que pretende a independência do Rio Grande do Sul, mas todas acabam esmagadas. Entretanto, por pressão britânica, o Brasil vota o fim do tráfico negreiro transatlântico, em 1850. A questão da escravatura começa, assim, a ocupar a agenda política, dando-se um forte crescimento das ideias abolicionistas, em especial após o final da Guerra da Secessão dos EUA, que termina com a derrota dos esclavagistas. Entretanto, o país vive um ciclo de grande crescimento económico, muito sustentado nos recursos agrícolas, em especial na plantação do café. Simultaneamente, constroem-se novas infraestruturas (em especial, ferroviárias e elétricas), desenvolve-se a construção naval, adotam-se as principais inovações tecnológicas e surgem as primeiras indústrias. Face à redução da mão de obra escrava, começa uma grande vaga de imigração. Se, num primeiro momento, os portugueses eram a grande maioria, começam a entrar no país estrangeiros das mais diversas proveniências: espanhóis, italianos (em grande número), alemães e, ainda, alguns polacos e judeus. Para os setores mais reacionários, a imigração europeia era bem-vinda, já que contribuía para o “embranquecimento” da população brasileira. Em 1888, aproveitando a ausência do imperador no estrangeiro, a princesa Dª Isabel promulga a Lei Áurea, que decreta a abolição da escravatura, o que gera a fúria dos grandes proprietários rurais.

Em 1894, é eleito presidente Prudente de Morais, o primeiro civil a ocupar o cargo. A sua eleição marca o domínio da oligarquia cafeteira paulista. Esta faz um pacto com o vizinho estado de Minas Gerais, conhecido como a política do “café com leite”, em que os dois estados alternariam a Presidência da República a cada mandato.

A monarquia perde, assim, a sua base de apoio e não surpreende a sua queda, após o êxito do golpe militar de 15 de novembro, que leva à proclamação da República. A família real é exilada e é formado um governo provisório, liderado pelo chefe do pronunciamento, marechal Deodoro da Fonseca. São adotadas medidas de laicização da sociedade, como o casamento civil e a secularização dos cemitérios. É convocada uma Assembleia Constituinte, que redige a Constituição de 1891. O poder moderador (que era prerrogativa do imperador) desaparece; é estabelecido um sistema presidencialista, inspirado no modelo dos EUA; o parlamento, agora designado por Congresso Nacional, mantém o seu caráter bicameral, mas os senadores deixam de ser vitalícios; acaba o voto censitário, mas elimina o direito a votar por parte dos analfabetos; é abolida a pena de morte e outras cruéis e degradantes; é estabelecida a transferência da capital para uma área reservada para o efeito no Planalto Central e, por fim, transforma o Brasil numa federação, com as províncias a serem elevadas à categoria de estados federados. Mas o “filme” repete-se: o velho marechal, habituado a fazer-se obedecer, não tinha paciência para os jogos políticos. Depois de ter imposto a sua eleição ao Congresso, dissolve-o, num golpe palaciano. Mas este falha e o presidente é obrigado a renunciar, sendo substituído pelo seu vice, marechal Floriano Peixoto. Contudo, as revoltas militares continuam e são duramente reprimidas, ganhando o presidente o cognome de “marechal de ferro”. Em 1894, é eleito presidente Prudente de Morais, o primeiro civil a ocupar o cargo. A sua eleição marca o domínio da oligarquia cafeteira paulista. Esta faz um pacto com o vizinho estado de Minas Gerais, conhecido como a política do “café com leite”, em que os dois estados alternariam a Presidência da República a cada mandato. Simultaneamente, para controlar a federação, os governos federais utilizam a chamada “política dos governadores”, em que aqueles garantiam às oligarquias estaduais autonomia para gerir os seus estados, em troca do apoio dos seus deputados e senadores aos executivos da União. Este mecanismo perverteu totalmente a 1ª República, fazendo surgir o fenómeno do “coronelismo”, em que os grandes latifundiários (chamados “coronéis”, por comprarem patentes) escolhiam os seus representantes no Congresso, que faziam eleger através do caciquismo, do suborno e dos favores, da intimidação e arrebanhamento dos eleitores (o chamado “voto de cabresto”), da fraude eleitoral ou da violência pura e simples. E, como o voto não era secreto, … Os partidos tinham pouca consistência ideológica e eram, antes de mais, máquinas de poder das diferentes elites (“coronéis”, industriais e banqueiros, em especial). Ao mesmo tempo, havia uma Comissão de Verificação de Poderes no Congresso, que, frequentemente, não permitia a tomada de posse a parlamentares da oposição. Por fim, a independência do poder judicial era uma ficção. Na primeira década do séc. XX, surgiram inúmeras revoltas por todo o país, mas, na sua maioria, eram mais o resultado de choques entre diferentes oligarquias. Entretanto, a falta de mão de obra agrícola leva a que sejam atraídos novo imigrantes. Para além dos europeus, acorrem ao país japoneses, alguns chineses e coreanos e um número significativo de libaneses e sírios. As décadas de 10 e 20 marcam o aparecimento da centralidade da “questão social”, com o surgimento de um significativo movimento operário, resultante do processo de industrialização. Assim, surgem as primeiras associações sindicais e profissionais e, nas principais áreas urbanas, registam-se numerosas greves. Em resposta, surgem as primeiras leis trabalhistas. O ano de 1922 vai condicionar, em muito, o futuro do Brasil. O mineiro Artur Bernardes vence as eleições presidenciais, mas os opositores e os militares não reconhecem o seu triunfo, alegando fraude eleitoral. Dá-se início, então, ao chamado “movimento tenentista”, criado por oficiais subalternos, que defendia o voto secreto, a consagração legal dos direitos sociais dos trabalhadores, o fortalecimento da independência do poder judicial e o aumento da intervenção dos militares na política. A prisão do marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube Militar, gera uma revolta, que termina com a morte de 18 oficiais na Praia de Copacabana. Nesse mesmo ano, é fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e realiza-se, em São Paulo, a Semana da Arte Moderna. É naquela cidade que, dois anos depois, ocorre nova revolta militar, que alastra a outros estados. As tropas federais bombardeiam os revoltosos, que fogem para sul, em direção ao Paraná, formando a Coluna Paulista. Entretanto, os revoltosos do Rio Grande do Sul, comandados pelo capitão Luís Carlos Prestes, formam a Coluna Gaúcha e dirigem-se para norte. Quando ambas se encontram, em 1925, formam a Coluna Fénix, composta por 1500 homens. Esta, que virá a ser conhecida por Coluna Prestes, percorre grande parte do país (25 mil Kms. em três anos!…), denunciando o governo central. Ao mesmo tempo, enfrenta as forças federais e estaduais sem nunca ser derrotada. A crise política que se instala e marca toda a década de 20 é o resultado da ascensão das novas elites económicas urbanas, industriais e comerciais e da concomitante perda da hegemonia das oligarquias ruralistas (em especial, dos cafeteiros paulistas), algo que se acentua com a queda dos preços agrícolas e a crise económica mundial de 1929. A fraqueza daqueles leva-os a tentar conservar o poder a todo o custo. Para as eleições de 1930, o presidente Washington Luís, paulista, rompe o pacto com Minas Gerais e indica o governador de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato presidencial. Os mineiros reagem e, juntamente com o Rio Grande do Sul e a Paraíba, formam a Aliança Liberal, que lança a candidatura do “gaúcho” Getúlio Vargas. O primeiro acaba por vencer as eleições, com 57% dos votos, mas os segundos não aceitam o resultado, alegando fraude eleitoral (que, como era hábito, existiu, embora nenhum dos lados estivesse inocente). O assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba e candidato de Getúlio a vice-presidente, embora tenha resultado de situações da política estadual, fez aumentar os protestos da oposição. Em outubro, um movimento militar derruba o presidente ainda em funções e coloca no poder uma junta. Terminava, assim, a 1ª República, que acabou por ficar conhecida como a “República Velha”.

Em 1932, Getúlio aceita convocar eleições para uma Assembleia Constituinte e elabora o respetivo Código Eleitoral. Este consagra o sufrágio universal, direto e secreto, concedendo o direito de voto às mulheres e a todos os maiores de 18 anos, analfabetos incluídos.

Getúlio Vargas assume poderes ditatoriais, dissolvendo o Congresso Nacional e todos os órgãos de poder estadual e municipal. Em substituição dos governadores e perfeitos, nomeia “interventores” federais de sua confiança, muitos deles oriundos do “tenentismo”. O poder executivo assume todos os poderes do legislativo, governando por decreto, e é instituída a censura e a prisão dos opositores políticos. Entretanto, surgem divergências entre os liberal-conservadores, que defendem a eleição imediata de uma assembleia, destinada a aprovar uma nova Constituição, e o fim do estado de exceção, e os radicais, oriundos do “tenentismo”, que acham necessário transformar primeiro a sociedade antes de tudo. Em 1932, Getúlio aceita convocar eleições para uma Assembleia Constituinte e elabora o respetivo Código Eleitoral. Este consagra o sufrágio universal, direto e secreto, concedendo o direito de voto às mulheres e a todos os maiores de 18 anos, analfabetos incluídos. Institui, ainda, uma justiça eleitoral autónoma, para evitar as fraudes. Numa concessão aos radicais, a nova Assembleia Constituinte teria, além dos deputados diretamente eleitos, 40 deputados representativos das organizações patronais e sindicais. Antes de o ato eleitoral se realizar, ocorre, em junho desse ano, a Revolução Constitucionalista de São Paulo, que degenera numa guerra civil de três meses, terminada com a derrota dos paulistas. Ainda nesse ano, Plínio Salgado funda a Associação Integralista Brasileira (AIB), movimento de extrema-direita inspirado no fascismo italiano: nacionalista, cristão, antiliberal, anticomunista e antissemita, defensor do corporativismo. A sua divisa é a nossa bem conhecida do salazarismo: “Deus, Pátria e Família”. Faz grandes marchas nas ruas, com os seus elementos vestidos de verde (os “camisas verdes”) e ataca os simpatizantes comunistas. Eleita em 1933, a Constituinte termina os seus trabalhos no ano seguinte. Com a Constituição de 1934, tem início a 2ª República ou “República Nova”.

Em 1937, os comunistas são acusados de conspirar para derrubar o governo, acusação forjada pela cúpula dos integralistas. Vargas, que há muito preparava um golpe de Estado, aproveita o ensejo: dissolve o Congresso e os órgãos legislativos estaduais e municipais e outorga uma nova Constituição, de cariz autoritário e corporativo.

Eleito indiretamente pelo Congresso, Getúlio Vargas, logo na sua posse, critica o novo texto constitucional, que considera enfraquecer o executivo. Aquele mantém uma parte de deputados corporativos ao lado dos eleitos, mas o mais importante é a consagração constitucional dos direitos básicos dos trabalhadores, como o salário mínimo, as oito horas de trabalho, o descanso semanal, as férias pagas, o direito de associação sindical e à contratação coletiva. Entretanto, os movimentos sociais fortalecem-se, as greves sucedem-se e, em 1935, é criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), integrando comunistas, socialistas, católicos e outros democratas, a exemplo das Frentes Populares europeias. É apoiada por antigos “tenentistas”, entre os quais Luís Carlos Prestes, que se tornara líder do PCB, então na URSS, e que ganhara o cognome de “Cavaleiro da Esperança”. Nesse ano, os enfrentamentos de rua entre integralistas e comunistas são o pretexto para Getúlio aprovar a Lei de Segurança Nacional, que permite prisões sem julgamento e a possibilidade de dissolver formações políticas e de fechar jornais. Prestes e vários setores da ANL defendem a demissão do executivo, o que leva este a ilegalizar a associação, prendendo os seus elementos com o auxílio de esbirros da AIB. Em novembro, o que resta da ANL organiza uma revolta, com base no Nordeste, no que ficou conhecido como a “insurreição comunista”, que fracassa. Temendo o “perigo comunista”, a burguesia apoia as medidas repressivas que o presidente decreta no ano seguinte (cassação do mandato e prisão de parlamentares oposicionistas, reforço da polícia política, constituição de tribunais especiais e a criação de uma comissão nacional de repressão do comunismo). Em 1937, os comunistas são acusados de conspirar para derrubar o governo, acusação forjada pela cúpula dos integralistas. Vargas, que há muito preparava um golpe de Estado, aproveita o ensejo: dissolve o Congresso e os órgãos legislativos estaduais e municipais e outorga uma nova Constituição, de cariz autoritário e corporativo. A 2ª República morria aos três anos, dando lugar ao Estado Novo, designação retirada do regime salazarista português.

O Estado Novo (3ª República)

Todos os partidos políticos são dissolvidos (incluindo a AIB, que havia apoiado o golpe), a Câmara dos Deputados passa a ser eleita por sufrágio indireto e o Senado é substituído por um Conselho Federal, com um representante de cada estado federado e seis escolhidos pelo presidente.

A nova Constituição, denominada de “polaca”, por se ter inspirado no texto constitucional do ditador polaco Pilsudski, consagra a supremacia total do executivo face ao legislativo, concedendo todo o poder ao PR. Todos os partidos políticos são dissolvidos (incluindo a AIB, que havia apoiado o golpe), a Câmara dos Deputados passa a ser eleita por sufrágio indireto e o Senado é substituído por um Conselho Federal, com um representante de cada estado federado e seis escolhidos pelo presidente. É restabelecida a pena de morte para crimes políticos e certos homicídios e institucionaliza a censura prévia à comunicação social e aos espetáculos. Simultaneamente, consagra a organização corporativa da sociedade: a legislação trabalhista, decalcada da Carta del Lavoro mussoliniana, decreta a unicidade e a verticalização sindicais e proíbe tanto a greve como o “lock-out”. Apesar das suas simpatias fascistas, o governo varguista decide a entrada do Brasil na 2ª guerra mundial ao lado dos Aliados, em 1942, após o ataque de submarinos alemães e italianos a navios mercantes brasileiros. Contudo, a Força Expedicionária Brasileira apenas chega a Itália dois anos depois. Em 1943, é promulgada a Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT), que alarga os direitos laborais e sindicais, medida que contribui para o aumento do prestígio de Getúlio Vargas entre as classes trabalhadoras, que o veem como seu defensor. A vitória aliada, em 1945, leva a pressões populares para o regresso à democracia. O presidente ainda marca eleições gerais, mas os militares tomam o poder e convocam uma Assembleia Constituinte para o ano seguinte. Terminavam, assim, o Estado Novo e a “era Vargas”.

Em 1946, é aprovado um novo texto constitucional, que inaugura a 4ª República. Este restabelece a separação de poderes, o regresso ao bicameralismo nos moldes anteriores a 1930.

No final do ano, o general Eurico Gaspar Dutra, um antigo apoiante de Vargas e responsável pela instauração do seu regime ditatorial, mas que apoiara a sua deposição, vence as eleições presidenciais. Em 1946, é aprovado um novo texto constitucional, que inaugura a 4ª República. Este restabelece a separação de poderes, o regresso ao bicameralismo nos moldes anteriores a 1930, acaba com a representação corporativa nos órgãos legislativos, consagra o sistema eleitoral proporcional e volta a abolir a pena de morte. Reforça alguns direitos trabalhistas e proclama o direito de intervenção do Estado na economia em prol do bem-estar social. Lança, ainda, as bases jurídicas para a construção da nova capital no Planalto Central. Contudo, tinha dois problemas: fundamentais: o primeiro, o facto de o PR e o seu vice serem eleitos separadamente e poderem ser eleitos por partidos diferentes; o segundo, a formulação que legalizava todos os partidos políticos, “exceto aqueles cuja programa ou ação contrariem o regime democrático”, uma cláusula que parecia ser diretamente dirigida aos comunistas. Assim, em 1947, no auge da “guerra fria” e do alinhamento cada vez maior do país com os EUA, o Supremo Tribunal Federal (STF) bane o PCB e os mandatos dos parlamentares comunistas são cassados. No ano seguinte, o Brasil corta relações com a URSS.

Em 1951, Getúlio Vargas, que fundara o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de base operária e sindical, claramente alinhado à esquerda, vence as presidenciais e regressa ao poder. Inicia uma política baseada no nacionalismo económico, através de um modelo desenvolvimentista de substituição de importações. Datam dessa época os grandes projetos nacionais e a criação de grandes empresas públicas, de que a Petrobras e a Eletrobras são os maiores exemplos. Aumentou, ainda, o salário mínimo e procurou iniciar uma reforma agrária. Contudo, as suas políticas desagradam aos setores mais conservadores da burguesia, que reforçam a sua oposição. Em 1954, após um atentado falhado ao jornalista Carlos Lacerda, seu feroz opositor, num episódio ainda hoje mal esclarecido, os militares exigem a renúncia de Vargas, que se suicida no seu gabinete, no palácio presidencial. É substituído pelo vice-presidente Café Filho, o primeiro protestante a ocupar o cargo. No ano seguinte, uma aliança entre o centrista PSD, que já elegera Dutra e tinha apoio entre a classe média, e o PTB, leva à eleição de Juscelino Kubitscheck (do primeiro) como presidente e João Goulart (da ala esquerda do segundo) como vice-presidente. Contudo, após o afastamento de Café Filho, que sofrera um ataque cardíaco, há uma tentativa de golpe palaciano da direita, com apoio de setores militares, para evitar a sua posse. Valeu a intervenção do ministro da Defesa, general Teixeira Lott, que dá um contragolpe e permite a posse dos eleitos. Apesar das graves divergências existentes no Congresso, o período do seu mandato fica conhecido como o dos “anos dourados”. É caraterizado por políticas acentuadamente desenvolvimentistas, que originam um forte crescimento económico, assente em grandes obras públicas, em especial na criação de novas infraestruturas rodoviárias e hidroelétricas. Surgem, igualmente, novas indústrias produtoras de bens de consumo corrente, com destaque para a indústria automóvel no ABC paulista. Avulta, porém, a obra da construção de Brasília, entregue ao arquiteto Óscar Niemeyer, curiosamente um simpatizante comunista.

A nova capital, prevista desde a implantação da República, é inaugurada em 1960. Contudo, a sua construção exige muito do orçamento federal e gera pressões inflacionistas, causando descontentamento nas classes populares. Nas eleições presidenciais desse ano, Jânio Quadros, com o apoio da direitista União Democrática Nacional (UDN) e de outras pequenas formações da direita é eleito PR com uma votação esmagadora, após uma campanha que teve como alvo a corrupção e cujo símbolo era uma vassoura. Contudo, a eleição para a vice-presidência tem um desfecho diferente, com João Goulart (popularmente conhecido por “Jango”) a ser reeleito para o cargo, graças ao apoio das classes trabalhadoras. O novo presidente rapidamente desilude os seus apoiantes políticos, já que, apesar de anticomunista, ensaia uma política externa independente, restabelecendo relações com a URSS e a China e criticando a intervenção dos EUA na “Baía dos Porcos”, visando derrubar Fidel Castro. Perante críticas ferozes da direita mais reacionária, acaba por condecorar “Che” Guevara quando este visita o Brasil na sua qualidade de ministro do governo de Cuba. É, igualmente, contestado à esquerda pelas suas políticas austeritárias, que visavam combater a inflação, e que incluíam o congelamento de salários e restrições ao crédito, a par com a repressão dos movimentos esquerdistas, apoiados por “Jango”. Sozinho, acaba por renunciar à Presidência em agosto de 1961, sete meses após ter tomado posse. Logo os ministros militares vetam a sua sucessão por João Goulart, então em visita oficial à China, alegando as suas “tendências comunistas”, o que gera uma reação popular, liderada pelo seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, conhecida por Campanha da Legalidade. Finalmente, chega-se a um compromisso: “Jango” tomaria posse, mas, para tal, é instaurado um regime parlamentarista. Tancredo Neves é o primeiro de três primeiros-ministros desse período. Rapidamente, “Jango” recupera a iniciativa e, no início de 1963, um plebiscito dá ampla vantagem ao regresso ao presidencialismo. O presidente prepara, então, as chamadas “reformas de base”, visando uma reforma agrária (com expropriação das terras de grande dimensão e/ou improdutivas e a concessão aos trabalhadores rurais dos mesmos direitos trabalhistas de que já gozavam os urbanos), educativa (com a adoção do método de Paulo Freire para combater o analfabetismo), fiscal (com impostos mais progressivos e restrições ao envio de capitais para o exterior, em especial por parte das multinacionais), urbana (visando combater a especulação imobiliária e a construção de uma habitação digna para todos), eleitoral (com a concessão do direito de voto aos analfabetos) e política (legalizando o PCB). Esta agenda encontra forte oposição das elites económicas, políticas e militares, que aumentam a sua contestação ao governo. Em 31 de março de 1964, um golpe militar depõe João Goulart e anuncia a constituição de um governo provisório. Terminava, assim, a 4ª República e dava-se início à ditadura militar, que se prolongaria por duas décadas.

Há uma grande mobilização popular contra a ditadura, duramente reprimida por esta. Surgem vários movimentos de guerrilha, tanto nas zonas urbanas como rurais, que, entre 1967 e 1974, efetuam várias ações armadas.

O Congresso não é imediatamente encerrado, mas o executivo militar governa por decreto e promulga os chamados Atos Institucionais (AI). Pelo AI-1, os militares ficam com poderes para cassar mandatos parlamentares: os últimos três chefes de Estado (“Jango”, Jânio e Juscelino Kubitschek) são dos primeiros. Determinava também que o PR seria eleito indiretamente pelo Congresso até à elaboração de uma nova Constituição, sendo o candidato dos militares, general Humberto Castello Branco, o escolhido. Pelo AI-2, datado de 1966, os partidos políticos existentes são dissolvidos, sendo apenas autorizados dois, a serem criados: a governista Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o oposicionista moderado Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Nesse ano, Castello Branco convoca uma sessão extraordinária do Congresso para aprovar o novo texto constitucional, com base num projeto escrito pelos militares. A Constituição de 1967, inspirada na getulista de 1937, era autoritária e centralista. Assim, o PR passa a ser eleito indiretamente, através de um Colégio Eleitoral, constituído pelos deputados e senadores e por representantes das assembleias legislativas estaduais, para um mandato de cinco anos. Por outro lado, restringe os direitos, liberdades e garantias individuais, em especial a liberdade de expressão, proibindo a “propaganda da guerra e da subversão da ordem”, e nega o direito de voto aos analfabetos e aos privados de direitos políticos. Mantém os direitos sociais do anterior texto constitucional, mas as condições para a sua efetivação são bastante desfavoráveis. Nesse mesmo ano, a “linha dura” dos militares impõe-se, com a eleição do marechal Costa e Silva para a chefia do Estado. Há uma grande mobilização popular contra a ditadura, duramente reprimida por esta. Surgem vários movimentos de guerrilha, tanto nas zonas urbanas como rurais, que, entre 1967 e 1974, efetuam várias ações armadas. Em 1968, após o Congresso não autorizar o levantamento da imunidade a parlamentares oposicionistas, é expedido o AI-5, o mais duro de todo o regime militar. Na prática, suspende as já de si precárias garantias constitucionais e concede todo o poder ao executivo, encerrando o Congresso por um ano e dando ao governo federal a possibilidade de intervir nos estados e nos municípios. Ao mesmo tempo, intensifica-se a repressão, com a prisão, tortura e execução extrajudicial de suspeitos de pertencerem a grupos guerrilheiros ou organizações de esquerda. No ano seguinte, morre Costa e Silva e, em seu lugar, é eleito o general Emílio Garrastazu Médici. O seu mandato, que irá até 1974, é caraterizado como o mais duro dos tempos da ditadura e é apelidado como sendo o dos “anos de chumbo”. Com o AI-14, é restabelecida, na prática, a pena de morte, bem como as de prisão perpétua, banimento e de confisco para crimes políticos. A ferocidade da repressão levou à morte, numa emboscada policial, do líder guerrilheiro Carlos Marighella, em 1969, e à erradicação da guerrilha do Araguaia, na Amazónia. Na repressão, colaboraram elementos da CIA e militares dos EUA. Ao mesmo tempo, para efeitos propagandísticos, o regime realiza, nos anos 70, grandes obras públicas, na sua maioria de fachada. Para o efeito, contrai numerosos empréstimos com instituições financeiras privadas ocidentais que levarão a uma gigantesca dívida externa e à hiperinflação na década seguinte. Eleito presidente, em 1974, o general Ernesto Geisel promete uma abertura gradual. Contudo, os avanços eleitorais do MDB nas legislativas levam o seu governo a efetuar alterações às leis eleitorais e ao próprio texto constitucional, instituindo a eleição indireta de um terço dos senadores, que seriam nomeados pelo executivo da União e, posteriormente, referendados por um colégio eleitoral estadual, uma forma de garantir a maioria da ARENA. Entretanto, rebentam várias greves operárias na cintura industrial de São Paulo, de onde emerge um sindicalista que teria um papel dominante no futuro do país: Luís Inácio da Silva, popularmente “Lula”. A abertura política apenas se concretiza com a eleição do general João Batista Figueiredo, em 1979. Nesse ano, é aprovada a Lei da Amnistia, que incide sobre crimes cometidos durante a ditadura, tanto pelas guerrilhas como pelos militares, algo que ainda hoje gera controvérsia. No ano seguinte, é aprovado o regresso ao pluripartidarismo. Nas eleições legislativas e governatoriais de 1982, já participam os novos partidos, registando-se um equilíbrio entre os candidatos governistas e os oposicionistas. Nota de destaque é a eleição de Leonel Brizola para governador do Rio de Janeiro. Contudo, para a oposição, aquela abertura era insuficiente. Surge, então, em 1983, o movimento “Diretas, já”, que pretendiam o regresso ao voto direto na eleição presidencial. Grandes manifestações enchiam as ruas das principais cidades, não havendo dúvidas sobre o apoio popular à medida. Porém, a emenda constitucional com esse objetivo é rejeitada pelo Congresso no ano seguinte, após fortes pressões dos militares, que cercam os edifícios parlamentares durante a votação. Contudo, antes da eleição de 1985, o PMDB, principal força da oposição, que apresentara a candidatura de Tancredo Neves à presidência, consegue atrair dissidentes do PDS (ex-ARENA), insatisfeitos com o candidato oficial, Paulo Maluf, para o seu campo, colocando na sua “chapa” José Sarney, um cacique tradicional do Maranhão, como candidato a vice-presidente. Com o triunfo desta, terminava o longo regime militar, iniciando-se a transição democrática.

Com a hiperinflação como pano de fundo, realizam-se, em 1992, as primeiras eleições diretas. À direita, Fernando Collor de Mello, governador do estado do Alagoas, que fazia da luta contra a corrupção a sua campanha (a Rede Globo, que promoveu a sua candidatura, apelidava-o de “caçador de marajás”), era o claro favorito a passar ao 2º turno.

Tancredo Neves adoece e morre antes de tomar posse, ficando José Sarney na presidência. No meio de uma grave crise económica, com uma inflação galopante, surge o Plano Cruzado, que cria uma nova moeda e estabelece o controlo dos preços dos principais bens. Se, de início, contribui para reduzir a inflação, rapidamente contribuiu para o açambarcamento e consequente carência de bens essenciais, com o florescimento dos “mercados negros” e, por fim, o colapso da economia e a hiperinflação. Entretanto, é convocada uma Assembleia Constituinte, que inicia os seus trabalhos em 1987. Como resultado, surge a Constituição de 1988, a mais progressista da história constitucional brasileira e que se encontra em vigor. Nascia, assim, a 6ª República. O novo texto constitucional, amplamente democrático e detalhado, é incluído no tipo de Constituição programática, a exemplo da atual Constituição portuguesa. O presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, apelidou-a de “cidadã”, já que, segundo referiu, ela coloca o cidadão em primeiro lugar. Nela se inclui a organização política a que fizemos referência no artigo anterior, devolvendo ao legislativo os poderes que lhe haviam sido retirados pelo regime militar; os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem ser reeleitos para um segundo mandato; são aumentados os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com proibição da pena de morte e outras cruéis e degradantes, bem como o essencial dos direitos económicos, sociais e trabalhistas; são detalhados os direitos e deveres dos titulares de cargos políticos e dos funcionários públicos e é incluído um capítulo inteiro referente à defesa do meio ambiente. Consagrou, ainda, a realização de um plebiscito sobre o regime político: ou a manutenção da forma republicana de governo ou o regresso à monarquia.

Com a hiperinflação como pano de fundo, realizam-se, em 1992, as primeiras eleições diretas. À direita, Fernando Collor de Mello, governador do estado do Alagoas, que fazia da luta contra a corrupção a sua campanha (a Rede Globo, que promoveu a sua candidatura, apelidava-o de “caçador de marajás”), era o claro favorito a passar ao 2º turno. À esquerda, defrontavam-se Luís Inácio “Lula” da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, e Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de centro-esquerda, herdeiro da ala esquerda do varguismo. “Lula” leva a melhor e defronta Collor no turno decisivo, mas a escandalosa campanha da Globo em favor deste último, incluindo a criação de factos falsos sobre a candidatura do líder do PT, a par de instalar o medo da instauração de um regime revolucionário, garante a vitória de Collor de Mello. Com a inflação a subir, este decreta a proibição de levantamento de grande parte dos depósitos bancários, a medida mais emblemática do chamado Plano Collor. Em 1992, o seu irmão mais novo, Pedro Collor, denuncia um esquema de corrupção, envolvendo o presidente e vários empresários, entre os quais se destacava PC Farias. A Câmara dos Deputados aprova a abertura de um processo de destituição (“impeachment”) por crime de responsabilidade. Percebendo que o Senado o julgará culpado, renuncia poucas horas antes da votação final, mas aquele mantém o processo e Collor é condenado à perda de direitos políticos durante oito anos. Sucede-lhe o seu vice, Itamar Franco.

Entretanto, realiza-se o plebiscito constitucional sobre o regime, cujo resultado é um triunfo esmagador da República sobre a monarquia (quase 87% dos votantes) e do presidencialismo sobre o parlamentarismo (cerca de 70% contra 30%). O novo presidente convida Fernando Henrique Cardoso (FHC), sociólogo e antigo militante da esquerda, que fora um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), para ministro da Fazenda (Finanças). Através do Plano Real, que criou a atual moeda brasileira, logrou controlar a inflação, o que lhe grangeia grande popularidade. Assim, em 1994, é eleito PR, batendo “Lula” logo no 1º turno. Continuou a queda da inflação, mas é o responsável pela introdução de reformas neoliberais, como a privatização das empresas públicas e uma maior abertura da economia do país ao exterior. A aprovação de uma emenda constitucional faz com que seja passe a ser permitida a reeleição para um segundo mandato a todos os titulares de cargos políticos executivos, o que possibilita a reeleição folgada de FHC, em 1998, mais uma vez derrotando “Lula”. O segundo mandato presidencial é marcado por uma grave crise económica, com a desvalorização do real e a crise “do apagão”, em que graves falhas no abastecimento da eletricidade atingem vastas regiões do país. Com isso, a sua popularidade a do seu partido caem a pique. Candidato pela quarta vez em 2002, “Lula” tem a sua grande oportunidade de triunfar e não a desperdiça.

Com um programa menos radical que nas eleições anteriores, o candidato do PT, antigo operário metalúrgico, vence as presidenciais, obtendo 52 milhões de votos na ronda decisiva (61% dos sufrágios), derrotando claramente o candidato do PSDB, José Serra. Torna-se, assim, no primeiro chefe de Estado não oriundo das elites nem eleito com o seu apoio. O seu governo caraterizou-se por um conjunto de programas sociais, com destaque para o Bolsa Família e o Fome Zero, que retiraram muitos brasileiros da pobreza e retiraram o país do mapa da fome. Este conheceu um intenso período de desenvolvimento económico, que beneficiou todos os estratos sociais. Foi notória, nesse período, a expansão da classe média. No plano externo, o Brasil granjeou o respeito internacional, ao seguir uma política independente dos EUA, embora sem hostilizar abertamente Washington. Assim, apostou na união económica da América do Sul em detrimento de uma integração económica pan-americana, liderada pelos EUA. Ao mesmo tempo, investiu politicamente nos BRICS como forma de promover os interesses das economias emergentes e fez da defesa da floresta amazónica uma bandeira. O prestígio do país leva-o a ser escolhido para albergar o “Mundial” de futebol 2014 e o Rio de Janeiro os Jogos Olímpicos de 2016. Apesar disso, alguns setores mais à esquerda consideram a governação do PT recuada nos seus propósitos e abandonam a formação, criando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A grande aprovação de “Lula” valeu-lhe uma fácil reeleição à 2ª volta, batendo o “tucano” (designação popular do PSDB, devido a ter aquela ave como símbolo) Geraldo Alckmim, com 60% dos votos. Contudo, o envolvimento de membros da direção do PT no escândalo da compra de votos parlamentares em troca de apoio a medidas do governo, que conduziu à prisão de José Dirceu, chefe da Casa Civil do PR, contribuiu para a perda de credibilidade do partido, que tinha como objetivo combater o sistema e acabara contaminado por ele, recorrendo às mesmas práticas dos restantes. Apesar disso, a popularidade do presidente não é beliscada, em especial entre os mais pobres, que o viam como um deles e muito beneficiaram dos seus programas sociais. Por isso, em 2010, quando este aponta Dilma Rousseff, uma economista, antiga guerrilheira e prisioneira política, então chefe da sua Casa Civil, esta vence com relativa facilidade as presidenciais, batendo o “tucano” José Serra no 2º turno, com cerca de 57% dos votos. Torna-se, assim, a primeira mulher a chegar à presidência do Brasil. O seu primeiro mandato é marcado pela continuação das políticas de “Lula” e os seus índices de aprovação são, de início, bastante elevados. Contudo, em junho de 2013, rebentam em São Paulo um conjunto de manifestações populares contra a subida do preço dos transportes públicos, a que se juntam a insatisfação pela má qualidade dos serviços públicos e pela corrupção de grande parte da classe política. Tendo tido origem nas classes baixas, rapidamente o movimento é apropriado pela direita, ganhando uma conotação anti partidos e antipolíticos. As classes médias e altas aproveitam a “onda” e saem para a rua, gritando contra Dilma e o PT. À esquerda, surge um movimento de contestação ao “Mundial” de futebol, criticando os gastos excessivos, a isenção de impostos à FIFA e a corrupção nas obras dos estádios. A queda abrupta da popularidade da presidente leva a direita a apostar forte nas presidenciais de 2014, com o PSDB candidatando Aécio Neves, neto de Tancredo Neves. Após uma campanha cerrada e muito marcada pela violência verbal entre os candidatos, Dilma consegue a reeleição, obtendo uma vitória tangencial no 2º turno, com 51,6% dos votos. A polarização política mostra, igualmente, uma polarização geográfica, com Dilma a vencer nos estados mais pobres do Norte e Nordeste, cujas populações muito beneficiaram de programas sociais, como o Bolsa Família, bem como no Rio de Janeiro e em parte do Sudeste, e Aécio a triunfar em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste. A presidente inicia o segundo mandato numa posição de fragilidade, até porque o ciclo económico tinha mudado, também muito devido à crise económica internacional: o crescimento era baixo e a inflação aumentara. Para fazer face à crise, Dilma opta por uma política de austeridade, algo que contribui, ainda mais, para a sua perda de popularidade, mesmo entre os sindicatos e as classes trabalhadoras em geral. A insatisfação das classes médias aumenta e é aproveitada pela direita, que vem para a rua pedir abertamente a demissão da presidente. Entretanto, ainda antes das eleições presidenciais, estalara o escândalo de corrupção conhecido por “Lava Jato”, que envolveu várias grandes empresas públicas (com destaque para a Petrobras) e privadas (em especial, a Odebrecht) e políticos de vários partidos. Contudo, as investigações judiciais, conduzidas pelo juiz de Curitiba, Sérgio Moro, focam-se no PT, algo que é potenciado pelos principais órgãos de comunicação social, na sua maioria controlados pelos grandes grupos económicos. Mais uma vez, a Rede Globo tem um papel importante na campanha. No fundo, a crise económica leva a burguesia brasileira a perceber que, em tempo de “vacas magras”, a manutenção dos seus lucros era incompatível com as políticas redistributivas do PT, pelo que acaba com a tolerância com que havia encarado os seus primeiros governos, quando todos ganhavam. Para além do mais, a própria classe média, que muito cresceu e beneficiou das políticas “petistas”, começa a manifestar desconforto com a promoção dos mais pobres (por exemplo, a concessão de direitos trabalhistas às empregadas domésticas, vulgarmente conhecidas por “babás”), que veem “invadir” espaços que antes achavam estar-lhes reservados. A direita percebe, então, que chegou o momento de dar o golpe e, em dezembro de 2015, a Câmara dos Deputados dá andamento a um pedido de destituição de Dilma por crime de responsabilidade (as “pedaladas fiscais”, que referi no primeiro artigo), que acaba sendo aprovado, em abril de 2016. Nas ruas, sucedem-se as manifestações em favor da destituição, enquanto o PT se mantem na defensiva. O processo segue para o Senado, onde, em agosto, uma grande maioria vota a favor do “impeachement” da presidente. Para conseguir apoio ao centro, o PT escolhia para candidato a vice-presidente um aliado do centro-direita: “Lula” escolheu José Alencar (do pequeno Partido Liberal), enquanto Dilma optou por Michel Temer, do PMDB (partido centrista, sem grande consistência ideológica, mas com forte implantação em muitos estados e que funcionava como “fazedor de reis”, aliando-se a qualquer outra força política, desde que isso lhe garantisse o acesso ao poder). Com a destituição de Dilma, Temer substitui-a na presidência e rapidamente o seu executivo inicia uma contrarreforma legislativa, colocando em causa direitos sociais há muito reconhecidos. Entretanto, a recessão económica instala-se e aumentam a criminalidade e a insegurança nas ruas. O governo de Temer torna-se o mais impopular da história recente do Brasil, com os níveis de aprovação do PR a descerem para a casa dos 5%. Entretanto, “Lula” começa a ser investigado no âmbito da operação “Lava Jato”, sendo acusado por um negócio relacionado com a compra de um apartamento. Nas sondagens para as presidenciais deste ano, o ex-presidente surgia como o candidato mais bem colocado, mas a sua condenação num Tribunal de 2ª instância leva à sua prisão e inviabiliza a sua candidatura. Jair Bolsonaro, um demagogo populista de extrema-direita, defensor do regime militar, surge, assim, como sério candidato à vitória. Porém, sobre o ato eleitoral de domingo falarei no próximo artigo.

Em conclusão, percebemos que a História política do Brasil foi conturbada desde o início e que as suas elites políticas e económicas são responsáveis pelo facto de o país não conseguir atingir os níveis de desenvolvimento que as suas potencialidades permitiriam. A instabilidade crónica que a leitura deste texto nos mostra é, em grande parte, fruto das lutas de poder entre diferentes grupos dessas elites, mais interessadas em manter os seus privilégios de classe e em defender os seus interesses pessoais ou de grupo. Não admira, assim que a corrupção se tenha tornado endémica. Num país onde as desigualdades sociais são enormes, o povo teve sempre um papel muito secundário nestas lutas intestinas entre os vários grupos privilegiados. Mas há algo que me parece ser um padrão: as diferentes fações das elites estão em constante disputa pelo poder, mas, sempre que as classes populares conseguem eleger alguém que lhes traga alguma vantagem, elas unem-se para afastar aqueles que ameaçam a sua hegemonia. Foi assim nos acontecimentos que conduziram à instauração do Estado Novo, ao suicídio de Getúlio Vargas, ao golpe militar de 1964 e, agora, ao afastamento de Dilma Rousseff e à prisão de “Lula”, de forma a afastar o PT do poder. No fundo, o Brasil é um exemplo típico do mito de Sísifo: quando parece que está a conseguir levar a pedra ao alto da montanha, este foge e resvala pela encosta, algo que acontece vezes e vezes sem conta. Daí a piada do humorista Jô Soares, quando diz que “O Brasil é o país do futuro. Aliás, já o é há cem anos”.

Jorge Martins é Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Membro da coordenadora concelhia de Coimbra do Bloco de Esquerda

*Publicado originamente em esquerda.net