Renascido das cinzas

Em dezembro de 1976 os órgãos de segurança da ditadura descobriram e atacaram a casa onde se reunia clandestinamente o Comitê Central do PCdoB no bairro da Lapa, em São Paulo. Três dirigentes foram assassinados (Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond), quatro presos e torturados (Haroldo Lima, Aldo Arantes, Elza Monnerat e Wladimir Pomar). Tiveram o mesmo destino dois militantes que trabalhavam no local, Maria Trindade e Joaquim Celso de Lima. O evento ficou conhecido como Chacina da Lapa. A partir de então, iniciou-se um difícil e complexo processo de remontagem partidária. 

João Amazonas, Diógenes Arruda, Dynéas Aguiar e Renato Rabelo, membros do Comitê Central, estavam em missão fora do país e escaparam da armadilha montada pela ditadura. Ao terem conhecimento da tragédia, tentaram retomar contatos com os militantes clandestinos no interior do país. Graças a esse esforço foram sendo criadas as condições para a realização de uma conferência nacional objetivando reorganizar o partido e melhor posicioná-lo diante da nova situação política marcada pela acentuação da crise do regime. 

Desgastada e sob uma forte pressão popular, a ditadura estava sendo obrigada a se liberalizar, ainda que lentamente. No final de seu mandato, Ernesto Geisel pôs fim à censura prévia e revogou o famigerado Ato Institucional número 5 (AI-5). Em 15 de março de 1979 tomou posse outro general-presidente: João Batista Figueiredo. Este prometeu continuar o processo de “abertura lenta, gradual e segura” iniciado pelo seu antecessor. O objetivo da cúpula militar era implantar uma democracia restrita, sem nenhuma possibilidade de efetiva participação popular. As coisas, no entanto, não sairiam como planejaram. 

No início 1978 – pouco mais de um ano da Chacina da Lapa – a conferência nacional foi convocada. A sétima na história do Partido Comunista do Brasil. Realizou-se no exterior em duas etapas. A primeira ocorreu nos últimos meses daquele mesmo ano e a segunda em junho de 1979. Os delegados indicados se reuniram na Albânia socialista. A anistia ainda não havia sido aprovada e haveria sérios riscos para os seus participantes se ela tivesse ocorrido em território nacional. Por isso, o deslocamento dos delegados se deu dentro de normas rígidas de segurança. Mesmo estando fora do país não podiam revelar os seus nomes verdadeiros, apenas os “nomes de guerra”.  

A realização da 7ª Conferência foi, sem dúvida, uma grande vitória política do PCdoB. O governo militar já anunciara solenemente o seu aniquilamento em 1976. Na prisão Haroldo Lima ouviu de um de seus algozes: “Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou”. Um jornal, ecoando a opinião do regime discricionário, estampou: “O PCdoB foi destruído”. Como a Fênix da mitologia, o partido teimava renascer das cinzas. 

A 7ª Conferência Nacional

Na abertura dos trabalhos, os delegados presentes prestaram uma homenagem aos que tombaram na luta contra ditadura. Entre os nomes destacados estava o de Maurício Grabois, veterano dirigente comunista e comandante da Guerrilha do Araguaia. Ele havia sido morto num confronto com o Exército no natal de 1973. 

 

João Amazonas volta do exílio, novembro de 1979 (Foto: CDM)

A Conferência fez uma detalhada análise da situação brasileira. Constatou que o país havia crescido, mas “não conforme os verdadeiros objetivos do seu progresso nacional, da sua independência, do bem-estar do povo, mas como um simples prolongamento dos interesses imperialistas, com a intensificação do saque das riquezas naturais e com a feroz exploração dos trabalhadores”. Este tipo de crescimento distorcido redundara “num brutal endividamento da nação” e “numa crescente dependência do país em relação ao capital financeiro imperialista”. Por outro lado, positivamente, a expansão industrial contribuiu para formação de uma numerosa e poderosa classe operária industrial. Fortalecia, assim, o papel do proletariado como “elemento impulsionador do progresso social” e da própria oposição popular à ditadura. 

No centro da tática aprovada estava a luta pela “conquista da mais completa liberdade política” e isto passava, necessariamente, pela derrubada do regime militar. As principais bandeiras de luta deveriam ser: 1ª) Constituinte livremente eleita, convocada por um governo democrático e provisório; 2ª) abolição total e imediata de todos os atos e leis arbitrários; 3ª) anistia ampla, geral e irrestrita. 

Os alvos principais da ação das forças oposicionistas eram: “o governo de Figueiredo e o regime militar, com vista ao seu completo isolamento e derrota”. A resolução propugnava a união das “mais amplas forças políticas e sociais em torno das bandeiras democráticas e populares”. Contudo, dentro desta ampla frente antiditatorial era preciso: fortalecer a oposição operária e popular, transformando-a no seu “núcleo mais ativo”; desmascarar as manobras continuístas do governo Figueiredo e, por fim, as tentativas de conciliação promovidas por setores da oposição liberal.

O texto reafirmou ideia leninista de que a tática deveria estar “ligada aos fins estratégicos” e que “a conquista da completa liberdade não era o fim em si mesmo. Correspondia a uma fase necessária do processo político em curso e deveria servir ao avanço das lutas libertadoras”. Por esse motivo, destacava a palavra de ordem de propaganda, “criação de um novo regime de democracia popular (…) em marcha para o socialismo”. Este seria o único tipo de regime “capaz de resolver os graves problemas que o país enfrentava”.  

A Conferência fez também um exame inicial da experiência da Guerrilha do Araguaia. O texto-base para a discussão foi o artigo “Gloriosa Jornada de Luta”, escrito por Ângelo Arroyo.  Segundo a maioria dos delegados: “a resistência armada do Araguaia, que durou quase três anos e enfrentou numerosos contingentes das Forças Armadas, converteu-se num patrimônio comum a luta do povo brasileiro, mostrando as possibilidades existentes de mobilização e atuação revolucionária no campo”. Negou-se categoricamente que aquela experiência guerrilheira teria sido o resultado de desvios foquistas e blanquistas, pois menosprezara o papel das massas populares no processo revolucionário. Concluiu-se que a Guerrilha do Araguaia só pode resistir por tanto tempo – e em situação tão desfavorável – porque tinha apoio local e não era algo isolado da população camponesa. 

No entanto, era nítida a mudança de rumo na estratégia comunista. Ela deixava de ver o campo como o cenário principal onde se dariam os embates decisivos contra a ditadura, como advogava documentos anteriores. Constatou-se que: “as transformações operadas no Brasil nestes últimos anos só faziam ressaltar ainda mais a significação das grandes concentrações urbanas como núcleo combativo do movimento de massa e de ação revolucionária”, pois era ali onde “se concentravam os grandes contingentes da classe operária”, uma classe que ascendia ao primeiro plano na cena política nacional desde 1978. 

Reforçou-se a necessidade de aumentar o recrutamento partidário entre o proletariado urbano. “Impõe-se, dizia a resolução aprovada, recrutar os melhores filhos da classe operária e do povo (…). O Partido assegura sua condição de partido proletário não só pela sua ideologia marxista-leninista e sua política revolucionária conseqüente, mas também por sua composição operária”. Um artigo publicado n’A Classe Operária – em fevereiro de 1979 – afirmava: “A situação exige que o Partido Comunista do Brasil multiplique o trabalho dentro de sua classe, em especial no segmento que se destacou na luta (…). O recrutamento de novos militantes nas fábricas tem prioridade número um”. 

Outro debate ocorrido no interior do Partido foi quanto ao nível de clandestinidade a ser adotado naquele momento. João Amazonas e a maioria do Comitê Central acreditavam que o regime militar estava em crise e poderia entrar num processo de rápida desagregação. Por isso, era preciso iniciar um trabalho mais ousado de propaganda e recrutamento de novos militantes. Outro artigo de A Classe Operária dizia: “Não há porque ser defensivo no recrutamento”. 

Alguns dirigentes, na defensiva, acreditavam que a ditadura continuava forte. A abertura política poderia ser apenas uma manobra. A alternativa seria o Partido seguir “fingindo-se de morto” e não procurar realizar nenhuma ação suscetível de atrair a atenção sobre ele. Qualquer atuação mais ostensiva era vista como algo temerário e deveria ser evitado. O “fingir-se de morto” tinha sido uma diretiva correta dada depois da “queda” da Comissão Nacional de Organização do PCdoB e dos assassinatos de inúmeros dirigentes, entre 1972 e 1973. Na ocasião tombaram Lincoln Cordeiro Oest, Carlos Danielli, Luís Guilhardini, Lincoln Bicalho Roque. Após a tragédia, Pedro Pomar assumiu a Secretaria de Organização e se empenhou duramente para melhorar o esquema de segurança partidário. 

A opinião de João Amazonas prevaleceu na 7ª Conferência. O surgimento do jornal de massas Tribuna da Luta Operária (TLO) em outubro de 1979, a ampliação da circulação de A Classe Operária e o recrutamento de milhares de novos militantes, especialmente entre operários e estudantes, foram os resultados mais palpáveis dessa atitude mais ousada e necessária. Isso garantiu a ampliação da influência política e social do PCdoB naquele período crítico da vida brasileira. A diretiva “fazer-se de morto”, quando o movimento democrático e popular estava numa fase de rápida ascensão, teria retardado – ou até mesmo impossibilitado – o crescimento partidário.

O PCdoB e as lutas operárias

Em maio de 1978 um importante ator social voltou à cena política: a classe operária. Tudo começou quando os operários da Saab-Scania de São Bernardo do Campo (SP) bateram o ponto e se mantiveram paralisados ao lado das máquinas. Braços cruzados, máquinas paradas. Nos dias seguintes, milhares trabalhadores de várias fábricas seguiram o seu exemplo.

 

Cartaz de divulgação da Tribuna da Luta Operária, produzido por Elifas Andreato (Foto: CDM)

Não somente através de greves o povo paulista mostrou o seu descontentamento. Em agosto daquele ano o Movimento do Custo de Vida (MCV) coletou 1,3 milhões de assinaturas e realizou uma grande manifestação na Praça da Sé, duramente reprimida pela polícia. O PC do Brasil e a esquerda católica tiveram uma participação ativa na organização do movimento. Havia uma aliança estreita entre esses dois setores – em grande parte devido à incorporação da Ação Popular (AP), de origem católica, no PCdoB. 

Um dos resultados daquelas lutas populares foi a eleição do metalúrgico Aurélio Peres à Câmara Federal – numa dobradinha com Irma Passoni, ligada à Igreja Católica e concorrente a uma vagas na Assembleia Legislativa. Os dois se elegeram pela legenda do MDB. Aurélio tornou-se o primeiro deputado eleito pelo PCdoB desde a sua reorganização em 1962. Isso demonstra a relativa força do partido nos meios operários paulistas.  

Poucos meses depois, em março de 1979, iniciou uma grande greve dos metalúrgicos do ABC paulista, dirigida por Lula. A polícia reprimiu duramente os piquetes e prendeu centenas de trabalhadores. Depois de nove dias de paralisação, o sindicato sofreu intervenção federal. O fato não intimidou os operários e o movimento acabou sendo parcialmente vitoriosa. No ano seguinte ocorreu outra greve de massas. Após uma semana o roteiro se repetiu: decretou-se a ilegalidade da greve e o sindicato sofreu intervenção. Desta vez, Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN). Somente depois de 41 dias os operários decidiram voltar ao trabalho. 

O PCdoB deu apoio incondicional às greves e avaliou que elas cumpriram um papel fundamental na organização e conscientização dos trabalhadores e, principalmente, no isolamento da ditadura. Ao lado da esquerda católica, colaborou na montagem de um amplo movimento de solidariedade, através de coletas de fundos e alimentos às famílias dos grevistas.  

A partir daqueles anos ocorreram importantes modificações na correlação de forças no movimento sindical brasileiro. A primeira foi a rápida perda de influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), graças às suas posições vacilantes diante das greves que se expandiam e se radicalizavam. 

A paralisação dos metalúrgicos da cidade de São Paulo, em 1979, foi uma espécie de divisor de águas na esquerda brasileira. Diante da omissão da diretoria do sindicato, comandada por Joaquinzão, a oposição acabou assumindo o comando do movimento grevista. O assassinato do líder operário Santo Dias fez com que a greve se ampliasse. O PCdoB não só apoiou como se integrou ao comando da paralisação. Ao final, fez um balanço positivo do movimento, mesmo ele não tendo obtido vitória econômica. 

Durante a greve paulistana, dirigentes sindicais do PCB lançaram um manifesto contra os líderes da oposição metalúrgica. O título era “Chega de Aventura!”. O documento foi reproduzido pela diretoria do sindicato e distribuído amplamente na categoria. No ano seguinte a direção daquele partido criticou a radicalização ocorrida durante a greve dos metalúrgicos do ABC, que teria durado um tempo excessivo. Isso somente fez aumentar o clima de animosidade entre o PCB e as novas lideranças operárias. O principal beneficiado dessas rusgas acabou sendo o recém-criado Partido dos Trabalhadores (PT).

A volta do exilados e da UNE 

A anistia foi aprovada em agosto de 1979. O PCdoB criticou o seu caráter limitado, pois não atingia todos os condenados, e o fato de que “anistiava” também os torturadores e os assassinos incrustados no regime. A sua palavra de ordem era “Anistia ampla, geral e irrestrita!” Mas, mesmo assim, aquela não deixava de ser uma conquista do povo brasileiro. Nos dias seguintes, os presos políticos passaram a ser libertados. Os clandestinos apareceram com suas verdadeiras identidades. 

Em 24 de novembro, João Amazonas desembarcou no Aeroporto do Galeão (RJ) e no dia seguinte uma multidão se concentrou em Congonhas (SP) para recebê-lo. Entre as centenas de pessoas presentes estava Diógenes Arruda, chegado ao país poucos dias antes. 

A alegria do reencontro logo se transformou numa tragédia. O coração de Arruda, maltratado pelas torturas e o exílio, não resistiu à tamanha emoção. Ele morreu subitamente quando se dirigia, ao lado do velho amigo, para um ato público em homenagem à volta dos exilados. Os comunistas brasileiros perdiam, assim, um dos seus dirigentes mais importantes. O enterro se transformou na primeira manifestação pública realizada pelo PCdoB ainda clandestino. O caixão foi coberto com uma bandeira vermelha estampada com a foice e o martelo. A veterana Elza Monnerat, recém saída da prisão, fez um emocionado discurso em nome do Comitê Central. 

A luta estudantil, também, entrou num outro patamar naquele ano. Em maio, realizou-se o Congresso de Reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE) na cidade de Salvador. Os delegados elegeram uma comissão provisória com a missão de encaminhar a primeira eleição direta para a diretoria da entidade. A chapa Mutirão, encabeçada pelo comunista Rui César, saiu vencedora. Foi apenas a primeira de uma série de vitórias dos militantes do PCdoB no movimento estudantil, que se organizariam na tendência Viração.  A partir daquele congresso, os secundaristas apressaram o passo no sentido de reconstruir a sua entidade nacional, a UBES. 

No ano seguinte (1980), visando dar uma organicidade maior ao movimento juvenil ligado ao PCdoB, foi criada em São Paulo, a Juventude Democrática e Progressista (JUDEPRO). Ela teve vida curta e não chegou a se constituir numa organização nacional. Mais tarde, a partir dos acertos e erros daquela experiência, criou-se a União da Juventude Socialista (UJS).

Frente Democrática e da Unidade Popular contra o regime

Em meio à crise vivida pelo regime militar, o rígido sistema bipartidário se tornara algo extremamente perigoso para ele. Era necessário pulverizar a oposição numa miríade de pequenas organizações incapazes de ameaçar seriamente o partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

O general Figueiredo então enviou o seu projeto de reforma partidária ao Congresso Nacional. Aparentemente era um ato de democratização, visto que a partir de então poderiam surgir novos partidos, inclusive de esquerda. A única proibição era quanto à reorganização dos antigos partidos comunistas: o PCdoB e o PCB.  Estes deveriam manter-se ilegais e clandestinos. 

 

Elza Monerat discursa no enterro de Diógenes Arruda (Foto: CDM)

O PCdoB denunciou a reforma partidária como sendo uma jogada do regime visando a se perpetuar no poder. Um editorial da Tribuna Operária afirmava: “O plano de Figueiredo é isolar os setores populares num partidinho ‘radical’, raquítico e inofensivo. Ele joga com a divisão dos democratas (…). Um partido de unidade das forças populares e de todos os democratas dispostos a por fim a ditadura não será um partido pequeno. Será tão grande como a insatisfação do povo. (…) Proposta como a do PT, de Lula, de Aurélio Peres, Teotônio Vilela, da ‘frente social’ sugerida por Miguel Arraes e da ‘tendência popular’ dentro do MDB possuem muita coisa em comum (…). O povo só terá a ganhar se estas correntes se coligarem num grande partido de frente popular e democrática (…) capaz de aliar-se com outros partidos e forças de oposição na luta contra a ditadura”.  A proposta do PCdoB não vingou.

Rapidamente o partido governista, mudou seu nome para Partido Democrático e Social (PDS), que de democrático e social não tinha nada. A direção do MDB deu um passa-moleque no governo e, apenas, acrescentou o termo Partido à frente do nome do já prestigiado Movimento Democrático Brasileiro, formando o PMDB. Neste período surgiram ainda o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Popular (PP). Desse modo, o governo conseguiu realizar parcialmente o seu objetivo. A oposição estava dividida e existia agora um campo maior de manobra política para o governo militar em crise.

A maioria das personalidades democráticas, nacionalistas e das agremiações da esquerda clandestina, como o PCdoB, PCB e o MR-8, decidiu permanecer no PMDB, mantendo-se assim como uma frente democrática antiditatorial. Mas, ao contrário das outras organizações optantes pelo PMDB, o PCdoB procurou fortalecer a esquerda daquele partido organizada na Tendência Popular (ou Bloco Popular).   

Para dificultar ainda mais o jogo para oposição, Figueiredo estabeleceu o voto vinculado – de vereador a governador –, tornando nulos os sufrágios dados a candidatos de partidos diferentes. Todos os partidos, mesmo os menores, eram obrigados a apresentar candidatos para todos os cargos eletivos. A lei impediu as coligações e manteve a eleição em um único turno. Não poderia ser deixada nenhuma brecha para alianças eleitorais entre os partidos oposicionistas. O pacote eleitoral acabou inviabilizando o Partido Popular, comandado por Tancredo Neves, obrigando-o a se incorporar ao PMDB. 

O PCdoB continuou defendendo a constituição de uma ampla frente oposicionista. Mas, ela não deveria ser formada apenas com os partidos da oposição consentida pelo regime e sim congregar as organizações populares. Afirmava A Classe Operária: “Hoje, fundamentalmente, a frente-única deve ser buscada na unificação dos movimentos de oposição popular, na unidade de amplas forças em luta contra o sistema dominante, forças empenhadas na ação concreta das massas. Entre elas se encontram em primeiro lugar a classe operária (…), o movimento contra a carestia, o movimento em prol da anistia, as organizações estudantis, com a UNE à frente, as associações de bairro, as entidades femininas, os movimentos camponeses de luta pela terra”.

Essa ideia é retomada e desenvolvida em junho de 1980 quando o Comitê Central aprovou o documento “Situação brasileira, tarefas e propostas políticas do Partido Comunista do Brasil”. Nele afirmava-se: “Já não é admissível a unidade feita apenas em torno dos partidos políticos das classes dominantes (…). A classe operária e as massas populares avançaram na sua organização, ocupam lugar destacado na luta democrática. Não pretendem ser simples objetos de ação eleitoral dos partidos oposicionistas. Na atualidade, o que se impõe é a criação de uma frente democrática e de unidade popular, uma frente que agrupe não somente as correntes políticas oposicionistas, mas também, de maneira independente e com organização própria, os movimentos operários e populares unificados”. Continuava: “É ainda tarefa fundamental (…) difundir, em grande escala, a palavra de ordem do GOVERNO DAS FORÇAS DEMOCRÁTICAS E DA UNIDADE POPULAR” (grifado no original). Isso significava, segundo o documento, “dar às massas uma perspectiva correta de luta pelo poder político”.

O PCdoB defendia uma tática muito próxima da advogada por Lênin durante a revolução russa de 1905: “A derrubada do regime militar conduzirá à formação de um novo governo (…). O proletariado não é indiferente ao tipo de governo que viera a ser instaurado (…). Pleiteia assim, um governo de frente única com caráter provisório e tarefas bem definidas. Dele deve participar diretamente os movimento populares que tem a classe operária o seu elemento mais potente e dinâmico e no PCdoB sua vanguarda esclarecida e consequente. Ao participar de tal governo, o movimento independente de massas não se propõe à colaboração de classe mas a exigir, através de seus representantes o cumprimento rigoroso das reivindicações comuns e se opor, por todos os meios, a quaisquer tentativas de restrições à liberdade e a luta do povo”. A conquista de um governo provisório democrático seria um meio de acumular força para se atingir este objetivo estratégico: a conquista de uma democracia popular rumo ao socialismo. Mas, a história seguiria por outros caminhos. O regime militar chegaria ao fim através da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, após a memorável campanha pelas diretas já! 

* Augusto C. Buonicore é historiador, diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.

Bibliografia:

Coleção A Classe Operária – 1979 e 1980
Coleção Tribuna da Luta Operária – 1979 e 1980
LIMA, Haroldo. Itinerário de lutas do Partido Comunista do Brasil (de 1922 a 1984), Bahia:Editora Maria Quitéria, 1985.
PCdoB – Informe Político da VII Conferência (1979).
PCdoB – Em Defesa dos Trabalhadores e do Povo Brasileiro – documentos do PC do Brasil de 1960 a 2000, São Paulo:Editora Anita Garibaldi, 2002.
PCdoB – Por um movimento operário, combativo, unido e consciente (1981).
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo, São Paulo:Editora Paz e Terra, 1994.