O ponto mais alto da experiência em nosso século foi a construção do socialismo na URSS iniciada com a Revolução de 1917, cujo 80º aniversário se comemora neste mês de outubro. Experiência audaz, que teve o mérito de provar na prática e por um período prolongado, a verdade da utopia revolucionária que, no pensamento de Marx, Engels e Lênin, recebeu uma formulação científica avançada e concreta. Ela foi a prova prática da tese de que os trabalhadores podem construir um mundo mais justo e humano.

A construção do socialismo na URSS e, depois, nos demais países do Leste da Europa, sofreu os percalços de um processo histórico complexo, contraditório e, por vezes, cruel. Muitos encaram essas vicissitudes como “erros” ou “desvios” do projeto comunista originário, decorrentes da atuação da liderança bolchevique.

É um engano. A ênfase apenas na atuação de indivíduos, por mais notáveis que sejam, sem compreender ou investigar os processos históricos objetivos, caracteriza uma visão idealista da história, estranha ao marxismo. A crítica materialista combina a análise das dinâmicas coletivas e sua relação dialética, contraditória, complementar, multifacética, com a ação das vanguardas organizadas e das lideranças. Na análise materialista dialética, aquilo que se considera “erro” aparece mais propriamente como resultado objetivo de determinações presentes no próprio processo histórico.

A ousadia da liderança bolchevique, com Lênin à frente, foi não recuar frente às enormes tarefas que a história lhes impôs a partir de fevereiro de 1917, quando se abriu o processo revolucionário na Rússia e que culminou, meses depois, na tomada do poder pelos trabalhadores, soldados e camponeses.
Os acertos da liderança bolchevique, apesar dos erros cometidos, tiveram a dimensão dessa tarefa histórica – foram grandiosos, enormes. Deixaram uma marca indelével na história da humanidade. Sinalizam a conquista de uma nova etapa histórica, superior, e indicam o começo da derrocada do capitalismo.

O fracasso dessa experiência, que se completou no final da década de 1980, provocou, em muitos, a convicção da invencibilidade do capitalismo. Os que pensam assim estão errados, e não compreendem a característica crítica que Marx identificou nas revoluções proletárias: ao contrário das revoluções burguesas, elas “se criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente seu curso voltam ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez, escarnecem com impiedosa consciência as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços, parecem derrubar seu adversário apenas para que este possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado, diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus próprios objetivos, até que se cria uma situação que torna impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições gritam: Hic Rhodus, hic salta! (Aqui está Rodes, salta aqui!)” (in O 18 Brumário de Luís Bonaparte, parte I).

Essa crítica proletária é a melhor homenagem que os revolucionários podem fazer aos protagonistas de 1917 e da construção socialista na URSS – ela é a garantia de que a experiência acumulada nessas décadas tumultuosas vai iluminar e impulsionar a reconstrução da proposta revolucionária de superação do capitalismo. Essa é nossa homenagem àqueles homens e mulheres que, com determinação, heroísmo e sacrifício, viraram uma página decisiva na história da humanidade – aquela que passa das milenares sociedades divididas em classes para uma sociedade sem classes e sem dominadores.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 3