Eu sempre saía pela tangente, explicando que não era assunto meu o de proibir ou permitir a entrada na sede deste ou daquele, e ficava matutando sobre os contrastes gritantes em dias das grandes vitórias, quando a sede ficava cheia e entrava qualquer um, com os do dia-a-dia , de restrições e de “não pode”. Lembrava, também, que aquele diretor que falava muitas vezes entrava no campo depois da grande vitória e abraçava-se a todo time, brancos ou pretos, que tinham terminado o jogo suarentos e fedidos. Tais contrastes são uma constante na lógica de alguns clubes e influem até nas contratações.

Neste ano mesmo de 1958, estávamos precisando de um jogador para a defesa. Aliás, para a defesa precisaríamos de vários. Tomé e Servílio viviam se machucando, com lesões que já assumiam caráter crônico, e era indispensável contratar alguém por ali. O Bonsucesso tinha um que servia: Chicão.

Engrenamos o negócio e na hora de conseguir o dinheiro fomos à diretoria e indicamos o jogador. O nome Chicão causou espécie. Não o conheciam, ou não tinham reparado nele. Assim, só se tinham ao nome: Chicão. Paulo Azeredo (diretor do Botafogo) falou ponderadamente:

– Não é por nada não, João. Mas nosso uniforme é preto e branco… Está ficando mais preto do que branco… Vamos ver se clareamos um pouco. Você compreende, não é ? O Botafogo tem certas tradições… esse nome Chicão… não sei…

Como estavam se referindo ao nome, percebi que não conheciam o jogador e engrenei rápido:

– O Chicão joga bem. Dá duro. É novo ainda, mas serve. O senhor não se lembra? É aquele lourão que vai e vem ali na defesa do Bonsucesso.

O negócio mudou de feição, e disseram:

– Bem, se não é muito caro, vamos contratar o tal Chicão.

Fiz tudo rapidamente e na maior moita possível. Chicão só foi à sede do clube para assinar o contrato. Peguei sua assinatura, Francisco Amâncio dos Santos, e fui lá dentro para obter a do clube. Perguntaram onde ele estava e respondi que tinha urgência em começar o treino e que o “cobra” já estava mudando de roupa.

– Não podemos perder tempo –, concluí.

Assinaram o contrato e eu saí a jato. Depois foram conhecer o Chicão, que já estava no campo treinando. A reação foi de gozação. Me chamaram e se limitaram a dizer:

– Este “louro” que você arrumou parece que não sai da praia. Está muito queimado.

Acharam graça no negócio. Mas estou certo de que se soubessem da pinta do Chicão ele não seria contratado».

(capítulo do livro “Os Subterrâneos do Futebol”, de João Saldanha, págs. 152 a 154, Edições Tempo Brasileiro, 1963, quando Saldanha era técnico do Botafogo)