A relação entre capital e trabalho é a engrenagem básica da sociedade em que vivemos. Desde que o homem deixou de ser nômade e passou a acumular riquezas, a dualidade entre classes dominantes e dominadas tem estado no âmago das relações econômicas, políticas e sociais. O capitalismo é apenas o capítulo mais recente dessa história. Se considerarmos o período desde a Primeira Revolução Industrial, veremos que as mudanças no que toca à relação entre capital e trabalho foram significativas. O problema é que elas estão retrocedendo abruptamente.

A explicação para o fenômeno reside no entendimento dos fundamentos dessa relação. Na Inglaterra do início do século XIX, que emergia como a grande potência econômica do planeta, os trabalhadores, incluindo crianças, eram acorrentados às máquinas e trabalhavam 14, 16 horas por dia. Novas gerações de máquinas infundiam medo nos trabalhadores. Ou seja: já nos primórdios da Primeira Revolução Industrial ficou evidente que a não existiria paz na relação entre capital e trabalho. Os trabalhadores viam nas máquinas o inimigo que precisa ser destruído. Depois tentaram impedir que elas progredissem e foram sistematicamente derrotados até a compreensão de que o inimigo não eram as máquinas, mas o sistema que as utilizavam para a exploração.

Em 1812, analisando uma petição de trabalhadores para que se proibisse a instalação de um novo modelo de máquina de pregar, o parlamento britânico pronunciou-se a favor da inovação. “Temores análogos aos que hoje suscita a utilização da pregadora mecânica se difundiram quando foram postas em operação pela primeira vez máquinas que hoje em dia são empregadas universalmente”, explicou o parlamento. “Esses temores, ao cabo de um certo tempo, desapareceram, e foi se impondo paulatinamente a utilização das máquinas, sem haver modificado, segundo parece, a situação dos trabalhadores, e tampouco reduzido o seu número.”

O parlamento inglês não entrou no mérito da questão. Que a modernização das máquinas elimina empregos é fato. Na Segunda Revolução Industrial, isso ficou evidente. A grande depressão dos anos 1920-1930 começou com as empresas fazendo demissões isoladas e criando desemprego coletivo. O crescimento da demanda ficou inviabilizado e o desemprego acabou ferindo as próprias empresas. O sistema estava produzindo muito e ao mesmo tempo pondo na rua seus consumidores. Seria lógico um processo de redução de jornada de trabalho e de melhor remuneração. Mas, como a produção capitalista é voltada para o lucro, explodiu a crise de superprodução e desemprego.

Nos dois séculos que se seguiram à Primeira Revolução Industrial, muita coisa mudou. Depois dos luddistas — os quebradores de máquinas —, tivemos os socialistas utópicos, e depois Marx, Engels e Lênin. Tivemos também Taylor, Fayol e Ford. Tivemos o advento da organização dos trabalhadores em sindicatos. Estabeleceu-se a tríade oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de “tempo livre”. Tivemos as experiências socialistas. Tudo isso emprestou limites ao capitalismo. O sistema político e social teve de abandonar, em muitos países — particularmente nos da Europa —, o liberalismo e a postura de representar apenas os interesses das classes dominantes. O impasse era simples: ou o capital balanceava melhor sua relação com o trabalho, ou este, embalado pelos ventos que sopravam de Moscou, implodiria o sistema. O sistema entregou parte dos anéis, manteve os dedos e, em consequência, sobreviveu à virada que se pronunciava em meados do século XX.

Ao retomar a ofensiva, o capital começou a retroceder rapidamente aos seus primórdios e a ressuscitar as práticas do liberalismo. A mais significativa delas é o aniquilamento da organização sindical. Esse quadro político, somado ao advento das novas máquinas — convencionalmente chamado de Terceira Revolução Industrial —, tem um impacto ainda incalculável no mundo do trabalho. O que há de concreto é que o capital vai fazendo o mesmo movimento de quando surgiram as primeiras máquinas e a dominação liberal-burguesa.

Nos primeiros 40 ou 50 anos do século XIX, os donos das fábricas e a classe operária existiam na Inglaterra em número tão pequeno que, em termos estatísticos, eram insignificantes. Em termos políticos, porém, já dominavam o cenário. O desenvolvimento capitalista empurrava os operários para a luta, mas também fazia ressurgir relações sociais há muito superadas pela história. Foi o crescimento explosivo da indústria têxtil, por exemplo, baseada na máquina a vapor, que infundiu vigor renovado à escravatura.

A escravidão renasceu nos Estados Unidos assim que o descaroçador de algodão gerou uma demanda enorme de mão-de-obra de baixo custo, transformando, por algumas décadas, a reprodução de escravos na mais lucrativa indústria norte-americana. Como aconteceu nos tempos da Primeira Revolução Industrial e do liberalismo nascente, ambos surgidos há pouco mais de dois séculos, hoje a relação entre capital e trabalho está gestando um quadro explosivo. As coisas ainda estão relativamente calmas, um novo perfil da classe operária ainda está se definindo, mas o choque de uma classe é inevitável.

O capital ainda tem sobre controle uma parcela de trabalhadores — sobretudo nas empresas de alta tecnologia — por meio de bônus e opções de compra de ações. Ao mesmo tempo, além de engrossar a cada dia o já imenso exército de desempregados, explora impiedosamente um expressivo número de trabalhadores. Um exemplo disso é a infame lista de exclusão elaborada pelas empresas para não contratar o trabalhador que reclama seus direitos na Justiça. Outro é o dos jovens vergonhosamente explorados em cadeias de lanchonetes, em postos de gasolina — muitas vezes em jornadas noturnas —, em bancos e no comércio.

O trabalhador certamente não está disposto a trocar o futuro pelo passado. Mas, ainda assim, teremos um longo caminho pela frente. A construção de novos valores nas relações de trabalho passará pela revogação da lógica de hierarquia na sociedade — sem pré-estabelecer que todos os desiguais são iguais. Será preciso, com amplitude, quebrar o mandato de feitores e fomentar o desenvolvimento de novos paradigmas políticos e sociais. A organização sindical é uma grande ferramenta para essa transformação.