A primeira a falar foi Ana Maria Prestes, que apresentou os principais aspectos do seu artigo incluído na coletânea de textos de um dos livros lançados no evento, “100 anos da Revolução Russa, legados e lições”. O capítulo assinado por ela, “Alexandra Kollontai – os avanços e os limites da luta das mulheres na Rússia Revolucionária” procura fazer um balanço crítico da participação das mulheres neste marco histórico do século XX que foi a Revolução de Outubro na Rússia dos Czares.

Logo no início dos trabalhos Ana Maria fez uma homenagem à luta de Paulo Fonteles Filho, lutador pelos Direitos Humanos no Estado do Pará, onde nascera, que havia falecido exatamente naquela data. Em seguida, passou a discorrer sobre a importância dos legados da Revolução Russa e a agenda de emancipação humana das mulheres deste grande processo de transformação revolucionária.

Desde muito nova, disse Ana Maria, Alexandra Kollontai participou ativamente da Revolução, principalmente a partir dos eventos que ficaram conhecidos como o massacre do povo no Domingo Sangrento de 1905, na Rússia, a partir dos quais ela foi praticamente banida de seu país. Ficou exilada na Europa durante certo tempo e depois ela esteve presente na recepção ao líder que também voltava de seu exílio, Vladimir Lênin, organizada pelo Partido Bolchevique, na Estação Finlândia. A ação política de Kollontai teve muita repercussão na luta revolucionária, afirmou Ana Maria, relatando como isso se expressou na famosa frase de Lênin que afirmava “Não chegaremos ao Socialismo sem a emancipação da mulher”.

Em fevereiro de 1907 as mulheres de Petrogrado é que lideraram a greve geral dos trabalhadores, como exemplo dessa participação das mulheres na Revolução que acabou derrubando o Czar. Apesar de ser mãe, a maternidade não era a principal atividade de Alexandra, disse Ana Maria, e ela foi a única mulher Comissária do Povo no novo governo revolucionário. Deixou, assim, uma verdadeira agenda feminista socialista com as medidas adotadas naquela ocasião, como um novo código da família, consubstanciado em vários direitos das mulheres e de seus filhos.

Kollontai deixou um grande legado de conquistas para a Revolução e principalmente para as mulheres. Depois dessa experiência no Governo, Alexandra foi a primeira embaixadora mulher da URSS, acreditada no México e em seguida em vários outros países. Desta forma, Ana Maria Prestes resumiu a grande contribuição de Alexandra Kollontai na Revolução Russa, e convidou os presentes a estudar os detalhes no livro lançado pela Editora Anita Garibaldi e seu artigo sobre os avanços e limites da luta das mulheres na Rússia revolucionária.

Já o professor Luis Fernandes partiu de uma pergunta para fazer sua explanação: qual é a relevância de se discutir os legados da Revolução Russa hoje, cem anos depois? E responde dizendo que essa Revolução moldou o mundo em que vivemos, em grande medida conformado por esta experiência. E quais são os impactos da revolução russa que merecem ser discutidos? E o professor Luis passou a explorar estas dimensões, umas mais evidentes e outras não tão explícitas.

Algumas dessas lições e legados tem a ver com as conquistas da ciência e da tecnologia. A principal questão, na visão do professor, é que a Revolução Russa materializou a primeira experiência continuada de construção de um novo sistema econômico, social e político alternativo ao capitalismo na história. Tivemos experiências anteriores, lembrou o professor, como a Comuna de Paris, mas que não durou mais do que três meses e não se consolidou.

A Revolução Russa, depois, acabou nucleando um campo socialista na Europa, e gerou uma sociedade profundamente igualitária, com expansão dos direitos do trabalho, de educação, do compromisso do Estado socialista com a luta pela descolonização no mundo, fortalecendo as guerras de libertação nas colônias na África e na Ásia especialmente.

Houve igualmente um impacto indireto da Revolução Russa nas políticas sociais do Ocidente, nos principais países capitalistas, obrigados a incorporar certas conquistas sociais dos trabalhadores para enfrentar a influência e o papel dos países do campo socialista, explicou o professor Luis Fernandes.

Um último aspecto destas dimensões destacadas pelo professor foram os impactos diretos e indiretos de conquistas na esfera da ciência e da tecnologia a partir da Revolução Soviética. O Estado socialista manteve altos índices de investimento em ciência e tecnologia. Lembrou Luis Fernandes que o índice de investimento no final da experiência soviética, em 1991, era da ordem de 3,6% do PIB. Expressão deste esforço foi que a URSS transformou-se em pioneira na ciência espacial, lançando o primeiro satélite artificial, o Sputnik, o primeiro ser vivo, a cadelinha Laica, o primeiro homem, Iuri Gagarin e a primeira mulher no espaço, Valentina Tereshkova. Todas estas grandes conquistas foram perdendo dinamismo, e não foram capazes de se manter diante de erros cometidos na construção socialista e da reação organizada pelas potências ocidentais.

Ao final de sua exposição o professor Luis Fernandes fez um retrospecto das políticas que a URSS foi obrigada a implementar diante das ameaças de invasão do país pelos nazistas alemães, precisando adotar uma industrialização forçada para ter condições de se defender principalmente na área da industria militar, o que foi fundamental para a defesa da pátria e que acabou se transformando no principal elemento da derrota do exercito alemão. O grosso do armamento soviético foi fruto do trabaho estruturado naquele período desenvolvendo a ciência, a tecnologia e a inovação.

Encerrando o debate na UnB os dois palestrantes autografaram os dois livros “Cem anos da Revolução Russa, legados e lições” – com 22 artigos de vários autores, inclusive de Ana Maria Prestes e de Luis Fernandes — e o livro “A Revolução Bipolar, a gênese e derrocada do socialismo soviético” do professor Luis Fernandes, ambos com a participação da Editora Anita Garibaldi e da Fundação Maurício Grabois e no caso do livro de Luis Fernandes em coedição com a Editora da PUC Rio. (Pedro de Oliveira, de Brasilia)