Com Lutas de classes na Rússia o leitor tem acesso a aspectos da obra de Marx e de Engels pouco conhecidos e estudados. Organizado pelo sociólogo Michael Löwy, este volume reúne escritos inéditos de Marx e Engels sobre a Rússia durante o período de 1875 a 1894 (os últimos anos de vida dos dois). Nas palavras de Löwy, os textos “significam uma ruptura profunda com qualquer interpretação unilinear, evolucionista, ‘etapista’ e eurocêntrica do materialismo histórico”. Em determinados pontos, Marx chega até sugerir uma perspectiva dialética, policêntrica, aberta a uma multiplicidade de formas de transformação histórica; e ainda, o que tem interesse especial para os leitores brasileiros, os chega a apontar para a possibilidade de que as revoluções sociais modernas comecem na periferia do sistema capitalista e não, como afirmavam alguns de seus escritos anteriores, no centro. “Trata-se de uma verdadeira “virada” metodológica, política e estratégica, que antecipa, de forma surpreendente, os movimentos revolucionários do século XX”, conclui. Para ajudar na leitura, além da introdução de Löwy, a obra traz notas e explicações extraídas do programa alemão de recuperação dos manuscritos de Marx e Engels, a MEGA-2.

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Por Milton Pinheiro
Ao fazer o debate sobre as comunas rurais e as características específicas da Rússia de 1875 a 1895, Marx e Engels vão instituir um arcabouço interpretativo que apresenta uma visão distanciada do etapismo economicista e eurocêntrico. Os textos contidos neste livro abrem uma nova perspectiva de pesquisa para a reflexão marxista. As possibilidades da revolução socialista diante das contradições das formações sociais daquele período têm impacto no horizonte teórico do tempo presente. A unidade temática apresentada nestes estudos de Marx e Engels traz contribuições sobre os prováveis desenlaces da luta de classes na chamada periferia do sistema.

No debate em curso, Marx desvincula a revolução socialista do desenvolvimento das forças produtivas ao afirmar que seus estudos sobre a acumulação primitiva feitos para O capital dizem respeito ao percurso histórico da Europa ocidental, em particular da Inglaterra. Com essa nova perspectiva metodológica, Marx e Engels abrem uma seminal hipótese que viria a se confirmar com as vitoriosas revoluções do século XX, ocorridas na contramão do inventário político da Terceira Internacional na época de Stalin.

As formulações contidas na correspondência e nos textos do último Marx e de Engels, para além de se configurarem numa nova trilha aberta para os revolucionários, apresentam, do ponto de vista filosófico, uma múltipla determinação dialética que contribui para romper com os possíveis esquematismos reformistas pautados no evolucionismo unilinear.

Este livro também identifica as posições de figuras históricas da luta revolucionária na Rússia sobre a questão do socialismo. Contudo, deve-se salientar aqui um registro histórico de magistral envergadura: as descobertas de Riazanov, historiador e filólogo russo “desaparecido” durante o governo de Stalin. Sem o trabalho desse pesquisador e militante revolucionário, a história do marxismo e de seu pensamento social, que iluminam as lutas dos trabalhadores até hoje, não seria tão rica e de conhecimento público.