O Observatório da Democracia realizou nesta segunda-feira (01), por meio de videoconferência, mais uma edição do Ciclo de Debates Diálogos, Vida e Democracia. A mesa trouxe como tema “Democracia, Sociedade Civil e Estado Democrático”. O tema central da webconferência mediada por Luzia Ferreira, que é diretora da Fundação Astrojildo Pereira e presidenta do Cidadania em BH, buscou analisar as atuais e constantes ameaças às instituições que sustentam a democracia brasileira.

A advogada e jurista apontou o caos institucional e a crise política que se agrava no Brasil como resultado de omissões diante das contínuas violações do direito e das garantias constitucionais. “O país vive uma crise que passa fundamentalmente pelo sistema de justiça”, define ela.

Ela observa que estudiosos do sistema jurídico e do direito ficaram emparedados com seu conhecimento e teorias jurídicas para tomar decisões e reagir. Ela lembrou o silêncio jurídico diante das arbitrariedades contra a presidenta Dilma, durante o impeachment, e tantas outras mobilizadas em decretos e projetos de lei, como o dramático Projeto Anti-Crime. “O lavajatismo que dotou o país de uma racionalidade punitivista, do linchamento de biografias e reputações, de ódio aos partidos, à política, aos movimentos e institucionalidade. Onde estavam e estão os professores de Direito, os estudantes, os diretores de departamento de Direito Público, os constitucionalistas?”, indagou.

Para ela, essa omissão acumulada levou ao abuso dos “graves ataques” em alto tom contra o Supremo Tribunal Federal, que ocorrem atualmente.

Por outro lado, ela observa os muitos manifestos de unificação, esforços a favor da democracia contra o fascismo, além do crescimento da pressão dos pedidos de impeachment. São 38 pedidos, de acordo com ela, sendo que o último contou com participação de juristas do campo democrático, que participou da construção dos argumentos que caracterizam “os fartos crimes de responsabilidade” do presidente Jair Bolsonaro.

Pelo viés jurídico, ela acredita haver motivos de sobra para conduzir um processo de saída de Bolsonaro. “Ele viola tudo ao mesmo tempo agora, todos os dias, e cada vez mais adensa os crimes já identificados”. No entanto, Carol admite que “a luta vem antes do jurídico”.

No caso de Dilma, na opinião da advogada, houve um impeachment sem crime de responsabilidade, um julgamento político. “Mas, neste caso, sobra respaldo jurídico. Como disse Beatriz Vargas, membro da ABJD, tão grave quanto um impeachment sem crime de responsabilidade, é uma baciada de crimes de responsabilidade sem impeachment”, alertou.

O que ela considera “erro fatal” no percurso de unificação de forças em defesa da democracia, “é fazer tábua rasa aos graves acontecimentos de ruptura institucional”. Não é possível desconsiderar, segundo ela, que a ruptura das garantias jurídicas e a violação de direitos constitucionais nos trouxe como consequência e viabilizou o fascismo. “Fugir para a frente, sem que pudéssemos revisar nossas responsabilidades, ao menos no campo do direito, seria inadmissível nestas tentativas de unificação”, sugere.

Para ela, uma decisão importante que deve dar um respiro institucional diz respeito à falta de imparcialidade do juiz Sérgio Moro. “Este reconhecimento internacional da parcialidade do juiz pode ser um caminho de retorno à certa institucionalidade, ao menos quanto ao devido processo legal”, comemora.

Um outro ponto, é o de que os juristas brasileiros, sempre tão voltados para a Europa, deveriam atentar para o que está acontecendo nos vizinhos latino-americanos, que têm muito mais em comum com o Brasil. Ela diz que, não apenas na desigualdade e no golpismo das elites, a América Latina mostra que eleições podem ser desrespeitadas e mandatários podem ser arrancados do poder.

Para ela, há um teor imperialista nas disputas jurídicas em favor de um alinhamento das elites nacionais com as internacionais. Ela cita os casos no Brasil, o problema com Rafael Correia no Equador, a Argentina, o Paraguai e a Bolívia, pelo “lavajatismo” da região, ou seja, o uso do direito como uma arma geopolítica que contribui para as estratégias militares na região.

“O direito é protagonista de limitações no campo democrático”, acusou, exemplificando com as contestações de candidaturas de esquerda pelo judiciário na Bolívia e em outros países. “É um perigo para a democracia confiar apenas na lisura das eleições e no respeito aos mandatos”.

Por fim, se as instituições da democracia, em especial o STF, tiverem coragem de enfrentar a tutela militar e essa pressão obscura e violenta, e fizerem o seu trabalho, Carol acredita que o Brasil tem chance de resistir a esta ruptura democrática. “Mas os juristas precisam ir além, no papel de formador do pensamento autocrítico das academias. Toda a teoria crítica do direito acumulada, há anos, tudo que avançamos e os nós e bloqueios que não conseguimos desfazer, são o que nos traz, hoje, à insuportável tutela militar, como um pesadelo que temos que viver todos os dias”.

Carol defende a necessidade de mover a academia jurídica para o campo das lutas populares e sociais e aproximar o jurista da reconstrução do país, “tão devastado pelas elites e pelo poder econômico e, agora, até militar”.

 

O debate contou ainda com a participação do vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Cid Benjamin, do ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad e do ex-ministro do STJ e do TSE, Gilson Dipp.