Começou nas ruas da capital tunisiana com uma substanciosa mobilização cidadã, na última terça-feira, 24 de março, e terminou neste sábado, 28, com outra manifestação. Desta vez em solidariedade à Palestina, menos concorrida que a do início e significativamente menos nutrida do que a de conclusão do Fórum Social Mundial (FSM) 2013.

Com a ausência quase total de grandes atores dos dois fóruns tunisianos: a União Geral de Trabalhadores de Túnis (UGTT), os Diplomados Desempregados e, inclusive, as Mulheres Democráticas. E com menos presença de organizações internacionais de primeiro nível, como a Via Campesina. A presença ativa da Marcha Mundial de Mulheres e da rede do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), juntamente com alguns militantes de um punhado de sindicatos europeus foi a exceção.

A complexa conjuntura política desde os atentados do Museu Bardo, em 18 de março, aporta uma chave para a explicação. O país não terminou de ser sacudido pelo choque e as prioridades de mobilização voltam-se para dentro. No domingo (29), milhares de cidadãos – incluída a UGTT – saíram às ruas convocados pelo governo e pelos principais partidos políticos tunisianos juntamente com várias dezenas de convidados internacionais especiais para reforçar a frágil unidade nacional sob as bandeiras da luta contra o terrorismo.

Convergência na ação

Até um par de horas antes da manifestação de encerramento, o FSM protagonizou, na Universidade El Manar, o que é a sua essência: o debate, o intercâmbio e o consenso sobre uma agenda comum para as principais mobilizações da sociedade civil internacional.

Desde a quinta-feira (26), à tarde, cerca de 30 Assembleias de Convergência temáticas buscaram sistematizar conclusões. A do Clima, com vistas à Cúpula de Paris das Nações Unidas, em dezembro próximo, agendou ações e mobilizações que serão realizadas nos diversos continentes durante todo o ano para culminar, na capital francesa, em uma espécie de Contracúpula dos Povos, que incluirá ações pacíficas de desobediência cidadã.

A da Água e da Terra elaborou uma Declaração detalhada que reitera que “a água, a terra e as sementes são bens públicos e não mercadorias”, dando continuidade a um processo de reflexão, que nasceu no FSM de Dakar, em 2011.

A proposta da Assembleia dos Meios Livres insiste em reforçar a informação e a comunicação a serviço dos movimentos sociais.


Foto: Mídia Ninja

Uma extensa programação com eventos paralelos continuou sendo a tônica no FSM 2015.

Enquanto isso, o Fórum Parlamentar Mundial, que se reuniu na quinta-feira (26), na mesma universidade e que funcionou como um espaço de convergência de legisladores progressistas emitiu cinco moções sobre temas da atualidade: a construção da paz; a migração; a dívida injusta; as multinacionais, assim como a renda mínima cidadã.

O futuro do FSM

Voltou a aparecer como tema transversal durante todo o FSM. E centraliza a agenda do Conselho Internacional do Fórum em sua reunião avaliativa de domingo (29) e segunda-feira (30). O futuro do FSM animou numerosos espaços de reflexão em Túnis e foi o tema central de uma das assembleias de síntese do sábado (28), pela manhã, convocando una boa centena de participantes.

O que está em jogo não é só o lugar de realização do próximo Fórum Social Mundial, mas também o momento da sua realização; a metodologia de funcionamento; a presença e visibilidade do mesmo no plano midiático internacional e, inclusive, o papel do atual Conselho Internacional, que atua como “instância facilitadora”. Em síntese, todo o Fórum se abre para o debate.

“O FSM é uma nova invenção política. Expressa outra forma de conceber e fazer a política…Tem apenas 15 anos de existência e as mudanças exigem tempo”, sintetizou o dirigente brasileiro Chico Whitaker, um dos co-fundadores e pessoa de referência desse espaço altermundialista.


Foto: Simone Freire

Whitaker não economizou críticas, que dada sua participação nessa instância tem o sentido de autocrítica: “o Conselho Internacional está totalmente perdido quanto às propostas. Já faz algum tempo propusemos a eutanásia desse elefante branco, para buscar uma nova fórmula. Até agora, não conseguimos. Houve gente que, assumindo a velha forma de fazer política, se integrou a esta instância crendo que havia uma quota de poder a ser disputada. Mas não é assim. O FSM não tem uma direção. Devemos recriar métodos inovadores de coordenação e facilitação”.

O Prêmio Nobel Alternativo 2006 reiterou duas propostas para os próximos meses: voltar a realizar o FSM em paralelo ao Fórum Econômico de Davos, “para recuperar a visibilidade perdida. Para voltar a existir internacionalmente”. E convocar um seminário de reflexão em 2016, em Porto Alegre, Brasil, “para comemorar os 15 anos de existência do Fórum, demonstrando que o processo continua e para refletir a fundo sobre seu futuro. Retomando todas as novas ideias que circulam”.

Próximo FSM

Participantes divergem sobre o formato e a localização do próximo FSM. Proposta que, na prática, contradiz a iniciativa impulsionada por organizações canadenses de realizar a próxima edição em meados de 2016, em Montreal. “Hoje, não existe mais um Norte e um Sul. Devemos globalizar as lutas. O Canadá e seus movimentos sociais necessitam ser reforçados”, assinala Rafael Canet, jovem promotor do Coletivo de Comitês Pró-FSM, em Montreal, em 2016. “Devemos superar o conceito tradicional de Norte-Sul. Há mobilizações e resistências por igual nos dois hemisférios. Necessitamos de inovação e energia para dinamizar esse processo. Buscar novas formas de relacionar a arte, a criatividade e o compromisso político. Integrando metodologias mais abertas para empurrar para frente o FSM”, ressalta.

O FSM abre portas novas e fecha velhas janelas conceituais. Não há fórmulas nem receitas à vista. Mas o questionamento interno aparece como sinônimo de vitalidade. Concluindo essa segunda edição tunisiana. A mais complexa dos 10 Fóruns centralizados realizados até agora nos últimos 15 anos. Por incertezas internas; por problemas logísticos dos organizadores locais – maiores que os dos anos anteriores – e pela realidade política de Túnis. Nunca antes uma edição do FSM esteve tão ameaçada como a atual.

Assembleia dos Movimentos Sociais

A Carta de Porto Alegre desestima que o Fórum Social Mundial publique uma declaração final, ainda que não impede que atores importantes divulguem seus próprios pronunciamentos. Desde a primeira edição, a Assembleia dos Movimentos Sociais elabora sua própria declaração. Dinâmica repetida uma vez mais em Túnis 2015. Os pontos centrais expressam a continuidade da luta contra as transnacionais e o sistema financeiro, convocando para o próximo dia 18 de abril uma jornada de ação internacional contra os tratados de livre comercio. O compromisso pela justiça climática e a soberania alimentar, estabelecendo 2015 como ano da mobilização pela justiça climática, culminando com uma grande mobilização cidadã, em dezembro, em Paris, na França, à margem da COP21. Ademais, denuncia a violência contra as mulheres, chamando a apoiar a 4ª Marcha Mundial de Mulheres, que começou no dia 8 de março e será concluída em outubro de 2015.

A Declaração expressa seu compromisso pela paz, contra a guerra, o colonialismo, a ocupação e militarização dos territórios, exigindo a reparação dos povos vítimas do colonialismo. Pronuncia-se pela democratização dos meios de comunicação e a construção de meios alternativos. Assim como convoca a multiplicar a resistência e a solidariedade. Chamando para uma semana de ações mundiais contra o sistema, entre 17 e 25 de outubro próximo.

Publicado em Ciranda.net