O jornalista Altamiro Borges partiu do pressuposto que vivemos uma fase de muita ebulição no governo para a efetivação de uma regulação da mídia visando à democratização das comunicações. O modo como Dilma reagiu ao papel da mídia na eleição de 2014 gerou uma determinação maior do Governo em enfrentar o problema. A indicação de Ricardo Berzoini, um conhecido defensor do tema, para o Ministério das Comunicações seria um indicativo disso.
O Brasil tem uma concentração muito forte da mídia nas mãos de poucas famílias, e avança bem menos que seus vizinhos latino-americanos. Citando o comunicólogo Dênis de Moraes, ele avalia que o Brasil está na vanguarda do atraso em relação à regulação da mídia. Embora tenha artigos constitucionais antigos favoráveis a uma comunicação mais democrática, nunca foram regulamentados.
“O primeiro Governo Lula optou por um pacto como o monopólio da mídia”, lembra ele, citando a biografia do ex-ministro Antonio Palocci, que revela que João Roberto Marinho (proprietário da Rede Globo) revisou a Carta ao Povo Brasileiro, durante a eleição de Lula em 2002. O documento é considerado o elemento que acalmou os mercados num momento de terrorismo eleitoral na campanha.
Borges mencionou os recuos ocorridos nessa área, durante o primeiro mandato, como o enfraquecimento da Ancinave, a rejeição aos Conselhos Regionais de Jornalismo e o perfil monopolista da TV Digital. O segundo mandato por sua vez, é avaliado como tendo dado passos tímidos, mas importantes, ao criar a Empresa Brasil de Comunicação, aprovar o Plano Nacional de Banda Larga, a descentralização de verbas da Secom (reduzindo a verba publicitária para Rede Globo a 49%), a chamada da Conferência Nacional de Comunicação. Dilma, por sua vez, não quis fazer o enfrentamento, sequer apresentando o projeto de regulação sugerido pela Conferência. Ela avaliou que já seria difícil enfrentar os militares com a Comissão Nacional da Verdade.
Apesar da mídia ter sofrido uma “derrota épica” na tentativa de influenciar o resultado eleitoral, Borges acredita que o carimbo da corrupção está marcado na sociedade gerando um clima de ódio fascista. “O eleitor foi ganho na subjetividade contra o PT”. Ele cita episódios que marcam o comportamento da mídia na disputa pela opinião da população, como o enquadramento da Globo sobre seu comentarista Arnaldo Jabor, obrigando-o, do dia para a noite, a elogiar as manifestações de junho de 2013, sinalizando para uma viragem da mídia na tentativa de conduzir o rumo político dos protestos. Durante o processo da Copa do Mundo, também, a mídia “quase conseguiu destruir a autoestima do brasileiro no amor pelo futebol.” “Houve uma pesquisa que revelava que os brasileiros tinham medo de expressar apoio à seleção”, recordou.
Para ele, a capa golpista da revista Veja, às vésperas do pleito, foi a admissão de que a mídia é o partido de oposição. “Em vez de panfleto eleitoral feito em comitê de partidos, se distribui a capa da Veja na boca de urna”, afirmou.
Essa virulência da mídia e da campanha mostrou para Dilma que, ou ela enfrenta o debate, ou não chega sequer a 2018. Ele conta que foi decisão pessoal da presidenta ameaçar a Veja no horário eleitoral. “Não dá pra fazer disputa política na sociedade só no horário eleitoral”, defende.
Existe uma perspectiva da regulação da mídia se restringir a uma regulação econômica. “Já será um bom começo”, defendeu Borges, citando o caso da Argentina ao enfrentar o debate sobre monopólio. Lá, o locaute de agricultores contra o Governo, apoiado pela imprensa e gerando uma grave crise de abastecimento no país, foi o estopim para a regulação da mídia. Cristina Kirshner usou o monopólio do Clarín sobre as transmissões de futebol para ganhar a opinião pública.
Mas ele avalia que a predisposição do governo enfrenta um cenário de denuncismo, economia em crise e a pior correlação de forças na Câmara desde a redemocratização. “A Veja está a três semanas sem anúncio do Governo Federal em suas páginas, por isso está babando”, observa ele. Segundo ele, o Governo Federal gasta cerca de R$ 2 bilhões com anúncios, o que somado aos governos municipais e estaduais, deve chegar a R$ 7 bi. Daí o impacto da “privatização da Veja”.
Na América Latina, a mídia teve papel decisivo nos golpes, assim como para a fase neoliberal que assolou o continente nos anos 1990. “Nosso continente foi um laboratório para o desmonte do estado. Por isso, a vanguarda do continente na regulação da mídia”. Na Europa, leis de regulação foram fruto do apoio da imprensa ao nazifascismo, durante a 2ª Guerra. Borges citou Gramsci, que em sua análise de quando a representação da classe dominante entra em crise, a imprensa assume seu papel.
“Esta é uma discussão difícil quando a mídia tem um papel de entretenimento muito forte para a população. Se o estado não tiver papel indutor, é muito difícil ganhar a opinião pública”, analisou, contando que, na Argentina, a academia teve papel decisivo no debate e elaborou o projeto.
Chavez teve apoio da mídia, devido ao apodrecimento da representação parlamentar de direita. Quando a mídia “blocou” como oposição contra Chávez, posteriormente, ele só “acorda”, após o golpe que sofreu, combatendo o monopólio e incentivando a pluralidade de informação.
Borges conta que o PCdoB já teve nove diários simultâneos e disputava audiência com grandes grupos. Enquanto isso, “o PT não se propôs construir isso, não tem visão de disputa de hegemonia”. Ele cita os exemplos de periódicos importantes em países como México, Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia, que disputam ideias contra a mídia corporativa. Outro exemplo relevante foi o Última Hora, jornal financiado por Getúlio Vargas para enfrentar o lacerdismo.
Outro fator interessante, em sua opinião, é que estamos vivendo um momento de questionamento dos jornalistas sobre o papel do seu trabalho, devido à precarização e o caráter partidário do trabalho que sufoca a prática jornalista nos grandes grupos. Isso fortalece um campo de jornalismo crítico.
Para ele, os blogueiros são um campo que cresce e incomoda a direita. “Senão Serra não xingava, Aécio não processaria, Dilma e ministros não ofereceriam entrevistas coletivas e exclusivas”, menciona ele.
“Não dá pra deixar de enfrentar polêmica. Fugir desgasta, como mostrou Marina Silva”, alerta ele, citando o esfarelamento da candidatura da ambientalista, que mudava de opinião ao sabor das pressões. Para ele, a demanda por mudança do eleitor não está sendo equacionada pelo governo. “A questão central é disputar o simbólico: por que não começa cobrando imposto de jatinho?” sugere.