A fome deixou de ser um problema estrutural brasileiro para se tornar um fenômeno isolado, disse hoje (16), a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, reforçando o que aponta a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em um relatório sobre a situação alimentar no mundo. O Brasil foi citado como um dos destaques do relatório da entidade durante a divulgação de dois estudos sobre segurança alimentar e nutricional. Os trabalhos mostram que ainda há muito por fazer, mas grandes avanços foram observados no intuito de acabar com a fome no planeta.

Lançado em Roma às 5h (horário de Brasília) e divulgado na capital do país em entrevista coletiva às 9h40, o estudo consiste em dois relatórios complementares, intitulados “O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo” (Sofi 2014 — sigla do título em inglês) e “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil”. “Isto prova que podemos ganhar a guerra contra a fome e devemos inspirar os países a seguir adiante, com a ajuda da comunidade internacional se for necessário”, dizem, no relatório, o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, o presidente do Fida, Kanayo Nwanze, e a diretora executiva do PMA, Ertharin Cousin. Eles ressaltaram que “substancial e sustentável redução da fome é possível com comprometimento político”.

Principais metas

A entidade destaca os resultados alcançados pelo Brasil como um caso de sucesso mundial. O país mereceu inclusive um estudo específico sobre as estratégias adotadas para combater a fome e a subnutrição. “O Brasil é hoje uma referência internacional de combate à fome. As experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para aquisição de alimentos, capacitação técnica de pequenos produtores, entre outras, estão sendo transferidas para outros países”, destaca a FAO na publicação.

Mas ainda há 3,4 milhões de pessoas que não comem o suficiente para levar uma vida ativa e saudável. O universo corresponde a 1,7% da população brasileira. Para a FAO, quando o percentual da população subnutrida é inferior a 5%, o problema deixa de ser estrutural.

De acordo com a ministra Tereza Campello, superar a fome era uma das principais metas do Estado brasileiro e isso foi possível. “O país tem muito o que comemorar. É uma vitória, mas não achamos que nossa missão terminou. Pelo contrário. Isso torna nossa tarefa muito mais complexa, pois após a construção de políticas públicas bem-sucedidas, temos agora que partir para estratégias muito mais focalizadas, procurando identificar a população que continua em situação de insegurança alimentar. É um novo patamar”, disse ela.

Conjunto de políticas

Perguntada sobre quais fatores mais contribuíram para o resultado alcançado — se o Programa Bolsa Família, o aumento da renda da parcela mais pobre da população ou a crescente oferta de alimentos —, a ministra destacou o sucesso do conjunto de políticas públicas adotadas ao longo dos últimos anos. “O aumento da renda é um diferencial e o fator que mais acentuou a redução da subnutrição, mas destaco a importância de outras iniciativas”, disse a ministra. “Tendo acesso à renda por meio do aumento salarial, do número de pessoas empregadas com salário digno e do Bolsa Família, as pessoas passaram a poder se alimentar melhor. Melhoramos também a produção e distribuição de alimentos com políticas como o programa de merenda escolar, que beneficia 43 milhões de crianças e jovens com refeições, e que pesa tanto quanto o aumento da renda”, afirmou.

Segundo a FAO, 805 milhões de pessoas ainda sofrem com insegurança alimentar e desnutrição em todo o planeta. Conforme os dois trabalhos da FAO, não há como se enganar sobre a gravidade do quadro e a necessidade de erradicar a fome no planeta, apesar dos avanços. Contudo, é preciso avaliar que, a partir dos resultados, fica constatado que há possibilidade real de se cumprir o item relativo à fome e desnutrição do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Lançado pela ONU no ano 2000, o ODM propõe a redução pela metade da proporção de pessoas subnutridas na Terra até 2015.

A FAO aponta, ainda, como exemplos de regiões do mundo que mostraram significativos avanços nas ações, a América Latina e o Caribe. Ao passo que demonstraram as menores situações de avanço na erradicação da fome e desnutrição no planeta, os países da África Subsaariana e da Ásia Ocidental. Um dos motivos disso é o fato de se tratarem de áreas constantemente atingidas por catástrofes e conflitos, e onde há ausência de políticas firmes voltadas para combate a situações de vulnerabilidade da população. O que, em consequência, reduz as ações integradas voltadas para o combate ao problema.

Ponto destoante

Na África Subsaariana, que apresenta os piores índices, mais de uma em cada quatro pessoas continua com fome crônica e desnutrição, mas o maior número de pessoas com fome está localizada na Ásia: 526 milhões, no total. Em relação à América Latina, são citados como bons exemplos Brasil, Bolívia e Equador. Na Bolívia e no Equador, sobretudo, chamaram a atenção, na última década, políticas de apoio às comunidades indígenas e às pessoas que residem em áreas rurais, com inclusão social de diversas formas.

O ponto destoante na América Latina é o Haiti, onde a situação continua preocupante e mais da metade da população sofre com problemas crônicos de desnutrição, depois do terremoto que assolou o país em 2010. “Os resultados mostram que podemos ganhar a guerra contra a fome e inspirar os países a seguir adiante, com a ajuda da comunidade internacional, se for necessário”, salientou Graziano no trabalho.

A FAO cita como exemplo de envolvimento o cumprimento do acordo como o que foi observado em junho passado, durante reunião da cúpula da União Africana, que se propôs a acabar com a fome no continente até 2025. E sugere que passem a ser observadas experiências semelhantes em outras regiões. Segundo Graziano, o Fome Zero foi importante porque também serviu de modelo para outros países da América Latina e Caribe em iniciativas de combate à fome. Principalmente, por ter levado ao entendimento de que “apenas o aumento da produção de alimentos não é suficiente para acabar com a fome.”