Estive no ato de ontem à noite da Cultura com Dilma. Foi mais uma vez um evento grandioso, como o de 2010, que acabou contribuindo muito para tirar a presidenta daquela agenda negativa do aborto e pautar um debate mais consistente na reta final com o tucano José Serra. A frase simbólica daquele evento foi dita por Chico Buarque, que disse que apoiava Dilma, porque queria a continuidade de um governo que não falava grosso com a Bolívia e fino com os EUA.

Aquela frase demarcadora de campos era também o resumo de um Brasil que havia mudado. Depois do governo Lula não havia mais espaço para retroceder para um tempo em que nossos governantes viviam à caça do FMI e que faziam tudo o que os EUA queriam. Chico foi ao ponto.

Ontem ele não esteve no Teatro Casa Grande, mas assinou a carta de apoio a Dilma e Lula lembrou da frase dele em meio a um discurso histórico. Ontem, Lula estava não só inspirado, mas com uma imensa vontade de ser sincero e de pontuar posições. Cometeu apenas um erro, quando tratou da questão dos Pontos de Cultura. Infelizmente parece que o ex-presidente ainda não entendeu a força desse programa e o quão ele é maravilhoso exatamente por destinar todos os recursos para a ponta. Sem a necessidade de investir um centavo sequer em tijolos e prédios ou ainda passar pela mão de intermediários.

Lula disse que queria construir uma Casa de Cultura em cada município, o que seria uma frase inteira. Mas como não deu, fez apenas o ponto. Agradeça, presidente, por ter ficado com os pontos. Porque se é verdade que o Brasil precisa de equipamentos culturais é mais verdade ainda que se os recursos de um ministério pobre fossem despejados nessas casas, aqueles que fazem cultura nas periferias deste país iam continuar à míngua. Precisamos de muitos mais programas que sejam pontos e não uma frase inteira.

Mas, noves fora, Lula demarcou com precisão na noite de ontem o programa dos quatro próximos anos para o PT, para Dilma e para o governo.

Defendeu a reforma política e a regulamentação das comunicações, como os dois principais pontos de pauta do próximo governo. Disse que Dilma é craque, que é uma das pessoas mais inteligentes e capazes com quem já trabalhou, mas que como todo craque, não pode querer jogar sozinha. Tem que aprender a tocar a bola de lado e de vez em quando, mesmo em condições de fazer o gol, passar para o companheiro  para que ele possa fazer o dele. E deu recados fortíssimos ao PT e a petistas, dizendo que muitos companheiros aprenderam a levar vantagem fazendo campanhas caríssimas para ganhar eleições. E que isso tem que acabar. Naquele momento algumas pessoas na platéia gritaram um Fora Vacarezza. O deputado paulista foi um dos que trabalharam contra a proposta de reforma política proposta pelo governo.

Ao falar que Dilma tem que aprender a tocar a bola, Lula não deixou de lado o que talvez tenha levado o governo a ter uma rejeição tão grande em alguns segmentos. Dilma foi uma presidenta que ouviu e conversou pouco. Depois de junho de 2013 ela melhorou muito sua interlocução com os movimentos sociais, mas ainda há um longo caminho para que esse diálogo seja considerado bom.

E se há um segmento que Dilma ouviu ainda menos o movimento social esse foi o da cultura. A presidenta nomeou uma ministra fraca e incompetente, Ana de Holanda, que ficou dois anos no cargo  desconstruindo o que Gilberto Gil e Juca Ferreira fizeram. E que ontem nem teve condições políticas de ir ao ato, pois se fosse seria vaiada de forma vergonhosa. Depois da saída de Ana, Dilma nomeou Marta, que até ensaiou uma aproximação com esse movimento, mas que depois se ateve a trabalhar para o que alguns chamam de “classe artística” como se a cultura fosse propriedade de meia duzia de iluminados que são famosos em suas áreas. Não há comparação possível entre Ana de Holanda e Marta, mas não se pode ao mesmo tempo fazer de conta que a gestão da ex-prefeita de São Paulo atenda as atuais demandas do setor. Marta que foi uma excelente prefeita de São Paulo, não passou de uma ministra mediana da Cultura.

E Lula não deixou isso passar batido. Logo no início de sua fala, o ex-presidente afirmou que “a gente tem uma dívida com a Cultura, Dilma. A gente precisa fazer muito mais nessa área”. Esse reconhecimento é importante para um novo pacto que pode surgir se Dilma vier a se reeleger.

E Dilma parece estar muito mais à vontade para assumir compromissos menos ortodoxos nessa atual campanha do que na de 2010. Naquela eleição, a presidenta parecia estar o tempo todo pautada pelo discurso da direita. Neste momento, o sinal inverteu. Ela se comprometeu, por exemplo, a ampliar os recursos para cultura de periferia, citou o rap, disse que adoraria poder dançar Passinho e não ficou preocupada em ficar emitindo sinais de amizade para os agentes da indústria cultural que estavam, inclusive, no palco. Preferiu falar daqueles que estão nas bordas.

Dilma, aliás, está conversando muito mais à vontade. Parece uma pessoa que sabe das suas limitações, mas também que tem certeza das suas qualidades. Seu discurso de ontem foi direto e transparente. E muito bem recedido pelos presentes.

Na eleição passada, o encontro do Casa Grande acabou sendo um momento em que boa parte da indústria cultural por ter sido protagonista daquele encontro, acabou levando Dilma ao erro de nomear Ana de Holanda, que fez do Ecad seu principal parceiro no governo. Dessa vez, parece que os sinais mudaram. Dilma fez várias referências na sua fala ao discurso de Ana Paulo Lisboa, uma jovem, negra e da Favela da Maré, ligada a Agência de Redes para Juventude. Que fez uma fala linda, onde se afirmava como parte de um processo iniciado por Gil e Juca, cujo principal elemento foram os recursos destinados aos Pontos de Cultura.

Se Dilma vier a se eleger e de fato parte dos recursos do Pré Sal forem para a cultura e principalmente para essa massa de agentes e produtores culturais espalhados pelo Brasil, poderemos ter de fato um país não só de incluídos, mas de culturalmente incluídos. O que é muito diferente.

Publicado em Revista Forum