Não era apenas o fato de que seus símbolos parecem suásticas. Ou de que milhares de bandeiras gregas enchiam a praça de mármore abaixo da Acrópole. Ou de que estivessem marcando o 560º aniversário da queda de Constantinopla.
É que eram tantos, homens e mulheres revoltados, a gritar furiosamente: “A Grécia pertence aos gregos”. Isso no centro da antiga Atenas, enquanto os turistas – alguns estupefatos, outros chocados – olhavam, ou fugiam diante dos neonazistas que se aproximavam.
“Agora somos milhares”, bradou Nikos Michaloliakos, o matemático de óculos a liderar a legenda grega de extrema-direita, Aurora Dourada. “Longa vida à vitória!”
Assim como os soldados nos quais se inspiraram, os gregos afiliados ao dogma ultranacionalista e neofascista do Aurora Dourada são os primeiros a dizer que estão em guerra. Nesta semana, enquanto o governo de coalizão de Antonis Samaras lutava para conter a escalada da crise causada pelos esforços para controlar os extremistas, eram os extremistas que pareciam estar ganhando a guerra.
Em meio a um surto dramático de ataques a imigrantes atribuídos a neonazistas, a aliança governante desse país abalado pela dívida passou a sofrer uma pressão sem precedentes para reprimir os crimes de motivo racial. Uma legislação a proibir os partidos vistos como instigadores dessa violência foi proposta pelos dois parceiros de esquerda do primeiro-ministro Samaras no mês passado. Afirmaram que ela “vitimaria” o Aurora Dourada, que tem 18 deputados entre os 300 do Parlamento. No entanto, os grupos conservadores na semana passada rejeitaram a lei como contraproducente. Na sexta-feira eles propuseram sua própria lei, menos punitiva.
Enquanto o Parlamento se prepara para discutir a melhor maneira de aplicar a lei para conter a agremiação extremista – medidas que inesperadamente eletrificaram o cenário político –, a extrema-direita floresce, por saber que, em um país que sofre os males gêmeos da austeridade e do desespero, é ela que está crescendo. Desde as eleições do ano passado, a atração pelo Aurora Dourada quase duplicou, e diferentes pesquisas mostram um apoio entre 11% e 12% aos neofascistas. Pesquisadores reconhecem em particular que, como terceira força política da Grécia e a de mais rápido crescimento, o grupo poderá obter até 15% de apoio nas eleições locais no próximo ano.
“É errado acreditar que eles sejam um fenômeno passageiro”, disse Dimitris Kerides, professor de ciência política na Universidade Panteion de Atenas. “Eles não são apenas um produto da crise econômica do país. Existe algo doentio na sociedade grega que o Aurora Dourada expressa”, acrescentou, referindo-se ao aumento de bancos de sangue e refeitórios “só para gregos” organizados pelos extremistas. “Eles vieram para ficar. E em 2014 estarão em todo lugar, com acesso aos recursos do Estado porque certamente conquistarão assentos nas eleições municipais e, em algumas cidades, elegerão prefeitos.”
Reforçados pelo sucesso, os neonazistas tornaram-se cada vez mais visíveis. Em toda a Grécia foram abertas filiais do partido em um ritmo recorde, com seguidores recrutados ativamente nas escolas. Nas aldeias, proliferaram os afiliados vestidos de preto, que ostentam orgulhosamente a insígnia do partido, e no Peloponeso, no sul, tradicionalmente um enclave da direita, grafites do Aurora Dourada são pintados sobre estradas e até em rochas na paisagem dos balneários e sítios arqueológicos.
A violência de motivação racial disparou, a tal ponto que autoridades europeias criticaram a Grécia por demorar para tomar medidas adequadas. O comissário europeu de Direitos Humanos, Nils Muižnieks, recentemente foi levado a apontar que a democracia corre risco em seu próprio berço, por causa do “crescimento dos crimes de ódio e a fraca resposta do Estado”. Ele disse que seria vital que leis domésticas e internacionais contra o racismo sejam aplicadas para reprimir a violência “ligada a membros ou defensores, incluindo parlamentares, do partido político neonazista Aurora Dourada”.
A polícia e o sistema judiciário da Grécia – ambos os quais foram acusados de conluio com os extremistas – também têm de ser reformados, disse ele.
Em um sinal do poder político crescente da extrema-direita, os conservadores temem que a legislação proposta por seus parceiros de esquerda aliene ainda mais os eleitores tradicionais a migrar para o Aurora Dourada decepcionados com os políticos, aos quais culpam pela crise do país. A ascensão espetacular da agremiação foi atribuída em parte a deserções da Igreja Ortodoxa Grega e do exército.
“A coisa toda está uma confusão”, disse o jornalista investigativo Dimitris Psarras, que acompanha o grupo desde seu início, quando caiu o regime militar em 1974. “Mesmo que a lei seja aprovada, a mensagem transmitida é de que a democracia está dividida sobre o que fazer com a ameaça neonazista.” Durante muito tempo, disse Psarras, os gregos assistiram complacentes enquanto o grupo de extrema-direita se fortalecia.
Assim como na Alemanha de Weimar, quando o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler, surgiu da obscuridade, os adversários permaneceram assustadoramente quietos. Até a semana passada, quando o poeta de 92 anos Nanos Valaoritis lamentou que o Aurora Dourada tenha “todas as características do partido que levou a Alemanha à destruição”, poucos na elite política ou intelectual grega se dispuseram a criticar os extremistas.
A falta de debate público aumentou a mística de uma organização cujo funcionamento continua opaco. A mídia local parece desconhecer a história do Aurora Dourada. Até hoje os apoiadores financeiros e os assessores do partido permanecem envoltos em segredo.
“Poucos no establishment abordaram abertamente o perigo do Aurora Dourada, e quase ninguém na mídia o analisou”, lamentou Psarras. “Só agora ele está sendo levado a sério, mas no meu entender talvez seja tarde demais.”
Capitalizando as profundas antipatias contra os políticos da corrente dominante, a extrema-direita começou a visar a classe média. Nos últimos meses apareceram escritórios do Aurora Dourada em áreas afluentes de Atenas.
A pequena burguesia grega de lojistas e pequenos empresários, assim como funcionários públicos, foi a que mais sofreu com os cortes orçamentários violentos exigidos pela UE e o FMI em troca da ajuda de emergência.
Em uma atmosfera densa de ressentimento e raiva, os imigrantes da Ásia e da África serviram de bodes expiatórios: números crescentes de gregos culpam os estrangeiros pelo índice recorde de desemprego – mais de 27%, o pior entre os países da zona do euro.
“A raiva sempre quer um alvo”, disse a renomada psicóloga clínica Iphigenia Macri. “O Aurora Dourada oferece um alvo, que são os imigrantes. Ele está conduzindo toda a raiva e a sensação de abuso que a população grega sente nas mãos do governo e do Estado.”
Em uma tentativa de conter as paixões entre uma população que atingiu o ponto de fervura há muito tempo, o governo tenta desesperadamente convencer os gregos, três anos depois do início de sua pior crise em tempos modernos, de que existe “uma luz no fim do túnel”. O otimismo foi instigado pelo progresso econômico.
No entanto, a ascensão dos neonazistas desafia qualquer noção de que tudo esteja bem. “O partido vitorioso é o Aurora Dourada”, disse o comentarista político Nikos Xydakis. “A vida real está muito distante da história de sucesso que o governo quer vender. Os neonazistas tiveram sucesso não apenas em desmistificar a brutalidade; eles são um reflexo do medo e da pobreza neste país.”
Publicado em The Observer, com tradução para Carta Capital