“O proeminente dirigente revolucionário comunista, com visão aguda, que descortinava horizontes da transformação para a grande nação brasileira”. Foi com frases desse quilate, ditas pelo presidente do PCdoB, Renato Rabelo e outros destacados comunistas, que Pedro Pomar foi descrito por tantos que se reuniram para homenageá-lo, nesta segunda, 20 de maio. Um esforço coletivo para lembrar o caráter deste homem, para tentar, em vão, imaginar que contribuição estaria dando ao país, hoje, se não tivesse sido assassinado precocemente no auge da ditadura militar, em dezembro de 1976, contra a qual lutou tanto.
Antes do início da solenidade, os corredores da Câmara Municipal de São Paulo mais pareciam uma animada reunião de família. Os descendentes de Pomar que puderam, compareceram para homenagear o pai, o avô, o bisavô e ouvir um pouco sobre ele, a partir de pessoas que viveram e testemunharam sua luta. Mas estavam lá, também, Nancy Arroyo, irmã de Ângelo Arroyo, também assassinado na Chacina da Lapa, e Helena Amazonas, filha de João Amazonas, amigo de toda a vida de Pedro Pomar.
Como disse Jonas Villas Boas, ao final da solenidade, a impressão que tinha é de que os dirigentes comunistas conheciam mais o pai que ele. Em meio a tantas viagens e reuniões clandestinas, vivendo sob codinome, Jonas pouco pode vivenciar e entender a realidade do pai. Muito comovido e cercado de amigos de trabalho, Jonas enfatizou que, se viva, sua mãe, Catarina, estaria participando da homenagem.
Em nome dos familiares, Jonas destacou a importância da nova biografia “Pedro Pomar, ideias e batalhas”, de Osvaldo Bertolino, não apenas para os Pomar que pouco conheceram o parente, mas principalmente para as novas gerações que vivem a democracia que Pedro tanto sonhou. “Espero que o livro retrate essa luta politica para que a juventude conheça seu combate por um ideal de que a gente tivesse sempre uma vida melhor”, afirmou.
Ideologia sólida
A solenidade foi uma oportunidade de tornar palpável a personalidade de Pedro, por meio de descrições do caráter e do modo como lidava com os companheiros, em meio às tensões dos momentos históricos duros que enfrentou. Pomar cativava pelo modo como debatia e expunha suas táticas, a fim de convencer e unificar a direção; a abnegação da vida pessoal, sem abandonar a família, em favor da defesa de seus ideais marxistas-leninistas. Foi esse último aspecto que muitos ressaltaram como um dos momentos fundamentais da militância deste homem.
Quando Rabelo considerou que Pomar tinha uma “visão aguda que descortinava horizontes da transformação”, referia-se a episódios muito específicos. O presidente do partido enfatizou dois momentos cruciais para o partido, reveladores do vigor militante de Pomar: a estruturação em 1943 e a histórica reorganização de 1962. No primeiro momento, os militantes lutavam intensamente contra a tendência de liquidação do partido como organização revolucionária. A desvantagem era grande, mas Pomar empenhou toda a sua energia nesse objetivo, contribuindo para a vitória do partido.
Em 1962, com o revisionismo que tomou conta do partido, Pomar liderou o processo de debate interno em defesa dos princípios marxistas-leninistas, atacando nitidamente as tentativas de mudar os rumos do partido, por meio de artigos e da editoria da Classe Operária.
Rabelo também citou o papel central de Pomar na integração da Ação Popular, importante organização revolucionária, que se uniu ao PCdoB num momento sofrido de enfrentamento ao golpe militar. Renato Rabelo foi um desses militantes que conheceram Pomar naquela ocasião. “Era um dirigente capaz na direção prática e erudito na formulação, conhecedor profundo da teoria marxista”, afirma ele.
Valores perenes
O Dr Paulo Abrão, presidente da Comissão Nacional da Anistia, revela como atos como esse, uma solenidade que jamais poderia ter ocorrido nos tempos de Pomar, são estratégicos e muito importantes para todo mundo. Ele lembrou que a presidenta Dilma costuma dizer que a memória é a principal arma humana contra a barbárie. “A ditadura quando exterminou seus opositores, tinha como propósito não destruir as pessoas, mas a ideia, o pensamento, um rumo político, uma opção política”, afirmou.
Para Abrão, é preciso manter vivas essas ideias de emancipação que os conservadores tanto temem, pois a juventude é bombardeada por um conjunto de valores que nenhuma relação têm com aqueles que moviam pessoas como Pomar: a solidariedade, o sentimento e disposição individual para o trabalho em favor da justiça social. Segundo ele, essas referências é que são capazes de servir como espelho para as novas gerações. “Temos mais um daqueles personagens que precisamos saber reverenciar, assim como a todos que junto com ele lutaram por um país democrático”, disse.
O ex-senador italiano José Luís Del Roio, presidente do Instituto Astrojildo Pereira, fez uma reflexão a partir dos discursos e trajetória de Pomar, sobre como era duro ser comunista no Brasil. Ele destacou os 60 anos de clandestinidade do partido, em sua história de 90 anos. Para ele, esse é um dos principais retratos do atraso e da repressão que o país viveu. Como se não bastasse, os comunistas tiveram que conviver ainda com “teses perigosíssimas” de que o partido comunista não era mais necessário. Royo foi muito aplaudido ao lembrar a trajetória dura de um outro militante comunista histórico, Gregório Bezerra, que fez uma “vaquinha” entre amigos para comprar uma máquina de costura para que sua esposa pudesse alimentar os filhos.


Atualidade da indignação
Sobrevivente do mesmo massacre, o ex-deputado federal e presidente do Instituto Nacional de Meio Ambiente, Aldo Arantes, talvez tenha dito palavras que Pomar diria se pudesse avaliar a atual conjuntura. Ainda que desfrutemos de um regime político democrático, Arantes observa a fragilidade desses valores, sob a ótica de quem viveu a política sob circunstâncias muito duras. “Há uma ofensiva contra a política e contra a democracia”, declara ele. “Nada mais oportuno do que relembrar, do que homenagear, uma pessoa que durante toda a vida fez um outro tipo de política.”
Arantes avalia que a insistente estratégia de desmoralização da política visa a favorecer aos opressores e desacreditar a política feita em favor dos interesses coletivos, aquela feita por gente como Pomar. Ele disse que Pomar não apenas doou sua vida ao ponto da morte, como viveu-a em dificuldades, para defender seus ideais. Na última semana, quando ouviu depoimentos de seus filhos na Comissão da Verdade, Arantes se deu conta do quanto foi difícil para aquelas crianças conviverem com tamanha violência dos aparelhos de estado.
Arantes também contou como ficou indignado com o depoimento recente do coronel Ustra na Comissão Nacional da Verdade. “Aquilo foi um deboche! Ele foi fazer comício a favor da ditadura. A Comissão não pode admitir que isso se repita.” Para ele, a CNV foi uma grande conquista da democracia e tem que se afirmar, não podendo se submeter a um homem que representa o autoritarismo e a ditadura.
“Temos que estigmatizar e mostrar pra sociedade e pra juventude que isso não pode voltar a acontecer”, enfatizou ele, atacando a decisão judicial que mantem a legalidade da Lei de Anistia. Para ele, é preciso julgar e punir os torturadores.
Missão interrompida
Haroldo Lima, outro sobrevivente da Chacina da Lapa, também teve seu momento privilegiado para lembrar o amigo e homenagear o que testemunhou. Prefaciador da nova biografia, ele lembrou os momentos da trajetória de Pomar que são relatadas com riqueza de detalhes do livro de Bertolino. Nos últimos anos, lembrou ele, o PCdoB tem celebrado aniversários simbólicos de sua história: os 40 anos da Guerrilha do Araguaia, os 50 anos de sua reorganização, os centenários de João Amazonas, Maurício Grabois e Jorge Amado, os 40 anos de incorporação da Ação Popular, entre outras efemérides.

Irmã e sobrinha de Ângelo Arroyo Foto: Fabi Datovo

Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar percorreu parte da história do Brasil e ajudou a escrevê-la, diz Lima. Ele considera importante salientar para as novas gerações que, nos tempos de Pomar, as liberdades não duravam tanto tempo, como os atuais 37 anos desde a abertura política. Lima conta que o maior período democrático, até então, foi de 18 anos, após a Constituinte de 1946, quando o Partido Comunista conheceu um avanço extraordinário e grande desenvoltura. Foi naquele período que ocorreu o gigantesco comício comunista do Pacaembu para Luís Carlos Prestes, que teve Pomar entre seus organizadores. Dentre as inúmeras personalidades de renome internacional, Pomar recepcionou Pablo Neruda, que agregou um enorme prestígio ao evento, lendo o poema Dito no Pacaembu.
Foi por esse período, também, que Pomar foi eleito deputado federal pelo PSP com a maior votação possível naquela época: mais de cem mil votos. Neste mesmo período áureo, começaram os ataques do Supremo Tribunal Federal ao Partido, empurrando-o para a clandestinidade e cassando todos os mandatos comunistas por todo o país. Por terem sido eleitos pelo PSP, Pomar e Diógenes Arruda foram os principais defensores dos mandatos cassados no Congresso. Daí para a frente, foi uma escalada de repressão sistemática aos comunistas, que culmina com o golpe militar em 1964.

Jonas, Osvaldo Bertolino e Eduardo Pomar Foto: Fabi Datovo

Antes disso, no entanto, ocorre o 20o. Congresso do PC da URSS, em que Nikita Kruschev desanca Stálin, provocando reações por todo o mundo. Surge a nova legenda, o PC brasileiro, quando Pomar, Grabois e Amazonas se unem e reorganizam o PC do Brasil. Dos grandes líderes da época, apenas Prestes seguiu para o novo partido. “Pomar demonstrou a qualidade ideológica e a percepção histórica do que estava em jogo, revelando a coragem na defesa de ideias quando estava em minoria”, avalia Lima.
Frente a nova e mais duradoura ditadura militar, Haroldo Lima descreve Pomar como um “vibrante otimista dramático”, pelo modo como incentivava os correligionários. “Pomar ressaltou méritos, questionou métodos e nunca ficou em cima do muro, nunca trabalhou contra o partido”, disse Lima, lamentando que Pomar tenha morrido sem ver o fim da ditadura e sem terminar seus debates, embora estivesse no posto de comando mais relevante do partido. “Presidia e dava orientação justa e firme ao Comitê Central”.
“Sinto-me honrado de ser parte e testemunha desse momento de homenagem a esse homem combativo”, foi como encerrou a cerimônia o vereador e presidente estadual do PCdoB, Orlando Silva. “Pedro Pomar ajudou a construir a história de nosso país. Ele está presente na eleição da primeira presidente mulher e do primeiro presidente operário, e assim nós renovamos o nosso compromisso de seguir conquistando mais direitos para o nosso povo”.
Singela homenagem
Para além dos discursos carregados de emoção e do lançamento da biografia monumental, a solenidade foi organizada como um gesto singelo de homenagem, com apresentação do vídeo Pomar de ideias e batalhas, produzido pelo partido e pela Fundação Grabois, destacando alguns momentos da vida de Pedro (Veja a íntegra do vídeo clicando aqui). Desde o Hino Nacional tocado com vigor pela Banda da Guarda Civil Metropolitana, passando pelo lirismo da Internacional Comunista, cantada por Janete Dornelas, e pela delicadeza das vozes do coral da Unegro, cantando a comovente canção Sangue em Flor, a solenidade foi marcada pela comoção. “Brasil, irmão,
Teu povo vencerá.
Para vingar a tua dor,
O sangue em flor renascerá”, diz a canção feita em homenagem aos mortos na Chacina da Lapa, composta ainda em 1977 pelo grupo português Ação Cultural Vozes na Luta.  O jornalista Osvaldo Bertolino pediu um minuto de silêncio para pessoas que deram uma importante contribuição à biografia, mas não puderam ver o resultado final, tendo falecido recentemente: Sérgio Miranda, Edíria Amazonas e Carlinhos Pomar. Após a sessão solene foi lançado com um coquetel de confraternização, a biografia de Pedro Pomar, lançada pela editora Anita Garibaldi.

Foto: Fabi Datovo

Além das muitas lideranças comunistas que prestigiaram a solenidade, a convite do vereador Orlando Silva, do presidente do PCdoB, Renato Rabelo e do presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, participaram da mesa Ivan Seixas, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política e Rogério Sotilli, secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Chegaram mensagens de inúmeras autoridades de todo país, assim como compareceram à plateia, entidades sociais e organismos públicos diversos. Da mesa, compunham ainda a deputada estadual Ângela Albino (PCdoB-SC), e o deputado estadual Alcides Amazonas (PCdoB-SP), o vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana, e o jornalista Osvaldo Bertolino.