Capítulo 22

1947-1948

Assembleia de servis, segundo Maurício Grabois, cassa mandados comunistas. Pessedistas sacam revólveres para deputado do PCB.

O Senado aprovou o projeto de cassação dos mandatos comunistas por trinta e cinco contra dezenove votos. Segundo Maurício Grabois, os senadores votaram, na verdade, o suicídio daquela Casa, uma medida em grande parte devida ao golpe de 29 de outubro de 1945 que manteve em posições-chave da administração pública fascistas notórios. “Nós, comunistas, estamos tranquilos; não tememos de maneira alguma aquela votação, porque sabemos que cumprimos nosso dever para com o povo brasileiro. A nação, amanhã, ou hoje mesmo, irá julgar esses senadores que não foram capazes de honrar seus mandatos”, afirmou.

Na sua avaliação, a votação do projeto, tanto no Senado como na Câmara, tinha o poder de mostrar ao povo quem respeitava sua vontade e quem passava por cima da legalidade democrática para impor tiranias. “O povo brasileiro está com os olhos voltados para esse parlamento, e no dia em que a Câmara votar — se, por acaso, assim fizer — a cassação dos mandatos, não mais merecerá — sobre isso não tenho dúvida — a consideração e o respeito do nosso povo. Nosso mandato não foi obtido ilegalmente, por meios fraudulentos; não o conseguimos enganando o povo. Nosso mandato resultou do sufrágio de seiscentos mil brasileiros que deram seus votos conscientes aos representantes eleitos sob a legenda do Partido Comunista do Brasil.”

Maurício Grabois foi à tribuna da Câmara dos Deputados no começo de novembro de 1947 para antecipar-se à chegada do projeto 900 em plenário, conforme anunciou no início do discurso. “Hoje, senhor presidente, quando comemoramos a passagem de mais um aniversário da maior figura das letras jurídicas brasileiras — Rui Barbosa — podemos ajustar algumas de suas palavras, relativamente a governos de sua época, ao do senhor general Dutra que permite, em vésperas de eleições, que homens como o senhor Adhemar de Barros criem um clima de desordem e insegurança na principal unidade da federação brasileira.” As posições que o governador paulista vinha adotando eram embaraçosas para os comunistas.

Dois dias depois da decisão do TSE que cassou o registro do PCB, Adhemar de Barros recebeu do ministro da Justiça, Benedito Costa Neto, uma mensagem por rádio instruindo o governo paulista sobre como a polícia deveria agir. A ordem era fechar e interditar as sedes comunistas e arrolar “bens, papéis e documentos encontrados” e lacrar “outros quaisquer locais em que o Partido porventura passe a exercer atividades”. Uma das condições para a aliança do PCB com o governador era a defesa da “existência legal de todos os partidos”. Mantida na gaveta durante o processo de cassação do registro, depois da ordem do ministro da Justiça Adhemar de Barros jogou-a no lixo e assumiu o papel de verdugo dos comunistas.

Em 1947, São Paulo seria tabuleiro de uma jogada eleitoral decisiva para a sucessão do presidente Dutra. As eleições para vereador, prefeito e vice-governador atraíam a atenção de todas as forças políticas do país. Com os olhos voltados para os movimentos políticos no estado, o governo federal pressionava Adhemar de Barros, exigindo que ele eliminasse a força dos comunistas. Estes, por sua vez, conclamavam as forças democráticas para que cerrassem fileiras contra novos golpes na democracia.

O clima estava exaltado quando o PCB tentou organizar comícios no estado para defender seus mandatos e fazer “propaganda dos candidatos recomendados pelo senador Luiz Carlos Prestes”. O ambiente de “intranquilidade” era fomentado pela passagem do governador para o posto de simples interventor de Dutra. Seria um daqueles delegados tão comuns na época do Estado Novo, um concorrente do “louco de Maceió”, segundo disse Pedro Pomar ao jornal do PCB em São Paulo Hoje, fazendo alusão ao tresloucado governador de Alagoas, Silvestre Péricles de Góis Monteiro, que atacava os comunistas sistematicamente.

Segundo Maurício Grabois, o grupo ao qual agora Adhemar de Barros também pertencia, obcecado pelo ódio insaciável aos comunistas, empregava todos os esforços “no sentido de fazer desaparecer da política brasileira, e mesmo da própria face geográfica do Brasil, mais de quinhentos mil compatrícios que concorreram às eleições de 2 de dezembro de 1945 e 19 de janeiro de 1947”. “Por isso, senhor presidente, na data em que se comemora o nascimento de Rui Barbosa, gênio das letras jurídicas de nossa pátria, não há melhor homenagem a esse grande brasileiro do que ler algumas palavras por ele preferidas, acusando o governo de então, também de incapaz e inepto. Assim permito-me ler o seguinte trecho de discurso proferido no Supremo Tribunal Federal, a 23 de abril de 1892:

Não há mais justiça, porque o Governo a absorveu. Não há mais processo, porque o Governo o tranca. Não há mais defesa, porque o Governo a recusa. Não há mais códigos nem leis, porque os Governo as substitui. Não há mais Congresso, porque o Governo é senhor da liberdade dos deputados. O Governo… o Governo, o oceano do arbítrio em cuja soberania desempenham todos os poderes, se afoga todas as liberdades, se dispersam todas as leis. Anarquia vaga, incomensurável, tenebrosa como os pesadelos das noites de crime. De toda parte a desordem, por todos os lados a violência. E flutuando apenas à sua tona, expostas à ironia do inimigo, as formas violadas de uma Constituição, que os seus primeiros executores condenaram ao descrédito imerecido e à ruína precoce.

Senhor presidente, essas palavras do grande Rui Barbosa se aplicam hoje, sem dúvida, à situação presente, quando já podemos dizer que não vivemos mais sob o império da lei, não temos mais um governo que respeite à Constituição. O que temos é uma ditadura terrorista, à frente da qual se encontra um homem cujo passado não é dos mais democráticos, porque ninguém pode contestar ter sido o senhor Eurico Gaspar Dutra um dos executores do golpe de 10 de novembro de 1937, que apoiou durante longo período o Estado Novo com as suas perseguições e todos os seus atos antidemocráticos. E só desembainhou a espada quando a democracia já estava vitoriosa em nossa terra. Só soube desembainhá-la no dia 29 de outubro de 1945.”

As palavras de Rui Barbosa eram bastante oportunas, reforçou Maurício Grabois, principalmente naquele momento em que a Câmara dos Deputados teria a necessidade de se manifestar sobre o projeto de lei enviado do Senado que, segundo ele, surgiu sob a inspiração direta do Catete e, “podemos afirmar, do bolso do senhor general Eurico Gaspar Dutra”, que não dormia, não descansava enquanto ele não fosse aprovado. “Assim, não só perderão os mandatos os representantes comunistas como também será ferida a Constituição e liquidada a democracia em nosso país.”

Maurício Grabois considerava possível a confirmação de uma informação de José Maria Crispim dando conta de que, caso o projeto fosse aprovado, logo após chegaria à Câmara dos Deputados o pedido de estado de sítio, sob ameaça de dissolução do Congresso Nacional caso a medida não fosse aprovada. “Devemos compreender, portanto, que esse projeto de cassação de mandatos é, sem dúvida, repito, profundamente político. A partir disso, querem utilizar o projeto como pretexto para novos assaltos à democracia. O Poder Executivo — esse grupo fascista que tem à frente o senhor Eurico Gaspar Dutra — pretende assim encobrir sua inépcia administrativa, a desorganização em que vive o país, as dificuldades econômicas que atravessa nossa pátria.”

Os comunistas compreendiam o projeto, disse Maurício Grabois, como objetivo profundamente político, cortina de fumaça. “Não tenho pretensões a cultor de letras jurídicas e a envolver-me em discussões de caráter puramente constitucional. Vindo do seio do povo, escolhido pela população do Distrito Federal para representá-la nesta Casa, aqui, no trato com os constitucionalistas, tenho aprendido algumas noções referentes aos problemas jurídicos. No entanto, qualquer estudioso do assunto, por certo, observará que esse projeto de cassação de mandatos, de autoria do ‘luminoso’ senhor Ivo de Aquino, sem dúvida, é uma chicana, constituindo mesmo um ridículo lançado à face da nação e que cobre mais que a seu próprio autor, o Congresso Nacional.”

Maurício Grabois citou uma matéria do jornal A Noticia classificando o projeto “de uma vergonha e mesmo de acinte, porque procurava regulamentar aquilo que não exige regulamentação”. “Visa-se, para arrecadar as cadeiras dos parlamentares comunistas, forjar uma lei, criar uma teoria sui generis para os casos de extinção de mandatos. Como bem afirmou ao jornal Diretrizes o deputado pessedista senhor Vieira de Melo, ‘procura-se forçar uma porta aberta’.” Em tom irônico, Maurício Grabois comentou superficialidades e contradições primárias do projeto.

Segundo ele, Ivo de Aquino fez uma grande descoberta quando dizia que, passados oito anos, seria extinto o mandato do senador. “Depois, o supersábio senador — e digo supersábio porque sua excelência ultrapassou em sabedoria aqueles famosos cinco sábios que enviaram a petição em nome do Conselho Nacional do Partido Social Democrático ao Superior Tribunal Eleitoral —, como cultor das letras jurídicas, também fez notável descoberta ao declarar que o mandato se extingue por morte do representante do povo.

Acreditará sua excelência que uma alma do outro mundo possa ocupar no parlamento a cadeira, vaga por falecimento de um deputado ou senador? Não terá sido preenchido pelo respectivo suplente o lugar daquele saudoso senador desaparecido durante os trabalhos de elaboração da Constituição? Pensou, àquele tempo, o senhor Ivo de Aquino ser indispensável que o representante falecido mantivesse ainda seu mandato? É inconcebível, senhor presidente, pretender-se elaborar uma lei estabelecendo que, pelo fato de um membro do parlamento morrer, fica extinto o mandato de representante do povo.”

Com esse conteúdo, afirmou Maurício Grabois, o projeto era um conjunto de chicanas, constituindo afronta à mentalidade jurídica do parlamento. Quando ele foi discutido no Senado, poucas vozes se levantaram “para defender a indecorosa e inconstitucional proposição”. “Homens cujos méritos pessoais serão desconhecidos da população brasileira anônima, cujos argumentos não convencerão a ninguém e cujas afirmações são superficiais e vazias de conteúdo. Que fazem eles? Servem a interesses dos poderosos que querem desmoralizar o parlamento, dos que desejam acabar com a democracia em nossa terra.”

Em contraposição, disse, nomes esclarecidos da pátria, figuras respeitadas de juristas com grande folha de serviços prestados à democracia, estavam contra o projeto. “Não procurarei mais argumentos para demonstrar a inconstitucionalidade de tal projeto, porque nenhum assunto foi tão debatido, com tão vasta literatura, como o da cassação dos mandatos. Quase todos os juristas já se manifestaram sobre ele. Tive oportunidade de comparar as afirmações de senadores e juristas consagrados, relativamente à questão”, asseverou. Mas, para que a Casa ficasse bem elucidada, ele citou mais “algumas opiniões abalizadas”. “Assim, senhor presidente, inúmeros representantes do povo e juristas deram sua opinião contrária à cassação de mandatos. Poderia citar o parecer do desembargador Vieira Ferreira, do advogado Sobral Pinto, enfim, de muitos juristas e políticos de nossa pátria com autoridade para afirmar que este projeto é inconstitucional e ofende a democracia.”

***

A votação do projeto 900 foi marcada para 8 de janeiro de 1948. Um dia antes, Maurício Grabois foi à tribuna da Câmara dos Deputados para dirigir a voz, conforme afirmou na primeira frase do discurso, não para os deputados, pelo menos a maioria deles, mas, sim, diretamente ao povo brasileiro, à imensa massa dos trabalhadores do Brasil. “Porque estou certo de que minhas palavras neste recinto não terão a virtude de convencer aqueles homens que já traçaram seu roteiro, sua posição em face do projeto de cassação dos mandatos. Não tenho ilusões sobre o caráter tremendamente reacionário que orienta a maioria parlamentar, nem espero que a minha palavra possa convencer a esses homens que se esqueceram da dignidade do parlamento nacional, da soberania desta Casa do Congresso Nacional, permitindo a sua automutilação e com seu voto favorecendo a liquidação do próprio regime democrático em nossa pátria.”

O discurso foi rápido. Afirmou que nunca, no cenário político do Brasil, um parlamento tomara uma atitude como aquela, que sem dúvida passaria à história como sendo de conivência com os traidores da pátria. “Não tenhamos ilusões: o historiador saberá julgar essa maioria parlamentar que não ouve os reclamos da população, não é o intérprete da vontade popular, e não faz outra coisa senão se submeter, de maneira subserviente, aos imperativos desse grupo fascista que infelicita nossa pátria, levando o país para o caos e a catástrofe.”

Para Maurício Grabois, ali estava se encerrando mais um capítulo amargo da história do Brasil. “Sim, senhor presidente, usando esta tribuna não me dirijo a essa maioria parlamentar incapaz de defender o regime democrático, porque sei que não é a capitulação desta Câmara, a que se pode aplicar o qualificativo que Silveira Martins deu a uma determinada Câmara, que há de servir para a salvação do regime democrático; nesta hora em que se debate o projeto de cassação de mandatos, minha voz se volta para o povo brasileiro, para esse povo que a 2 de dezembro de 1945 acorreu às urnas cheio de esperanças, cheio de entusiasmo, certo de que as eleições iriam trazer para nossa pátria uma nova época de progresso e de liberdade. Logo após o pleito, empossado o candidato eleito através de acordos eleitorais, porque não tinha nenhum prestígio popular, que vimos? A marcha do Brasil no sentido da ditadura, no sentido da reação, a fim de liquidar com todas as conquistas obtidas pelo nosso povo na gloriosa jornada de 1945.”

Nos dias que antecederam à votação, a bancada comunista fez uma marcação cerrada sobre o projeto. Enquanto ele era discutido na Comissão de Constituição e Justiça, os deputados do PCB revezavam-se para denunciar, todos os dias, na tribuna, o que representava aquela medida proposta. O governo tinha pressa. Seu líder, Acúrcio Torres, corria de deputado em deputado, de bancada para bancada, a fim de impedir que os comunistas continuassem a falar. A mídia seguia a procissão e acusava a bancada do PCB de “sabotar os trabalhos parlamentares”.

O jornal A Classe Operária reproduziu um duro entrevero iniciado por Pedro Pomar com Acúrcio Torres, que discursava de maneira efusiva para tentar justificar o projeto:
— Vossa excelência está lendo um discurso de encomenda.
Acúrcio Torres esbraveja.
Diógenes Arruda interrompe suas cavilações de rábula do imperialismo, gritando-lhe:
— Vossa excelência se diz patriota, mas está falando em nome do “partido americano”.
Marighella acrescenta:
— Se dinheiro tivesse cheiro, o projeto Ivo de Aquino teria cheiro de dólares.
E Gregório Bezerra:
— Vossa excelência diz que não conhece os americanos, mas conhece o dinheiro americano.
Acúrcio Torres sua, desconversa, torna-se patético. O líder do PSD fala em liberdade.
Amazonas interrompe:
— A liberdade de vossa excelência é a liberdade de fazer negociata.
O “líder” queremista continua aos trancos e solavancos.
Diógenes Arruda o desmascara:
— As palavras de vossa excelência e as palmas da maioria revelam o medo que vossas excelências têm da bancada comunista e dos comunistas que sempre defenderam e defenderão os interesses do proletariado e do povo. Vossas excelências têm medo.
A “maioria” cumpre o seu triste papel: vota, passando por cima do próprio regimento.
No encerramento da discussão, a bancada comunista grita:
— Maioria subserviente a Dutra e ao imperialismo americano! Coveiros da democracia!

A voz cheia de empáfia de Acúrcio Torres pôs à prova os nervos dos que não soletravam pela sua cartilha. O Jornal de Notícias disse que na confusão que se estabeleceu houve uma nuvem de palavras ásperas trocadas entre Gregório Bezerra e o pessedista Pereira da Silva, que sacou um revólver contra o deputado comunista pernambucano. Benedito Valadares, também do PSD, igualmente sacou sua arma em defesa do companheiro de partido. Outros deputados e até jornalistas se envolveram no quiproquó. Indagado se o uso de arma era permitido no plenário, o presidente respondeu que não podia revistar os parlamentares.

No dia da votação do projeto, Maurício Grabois fez o último discurso da bancada comunista na Câmara dos Deputados. Lembrou que no dia anterior, no encerramento da sessão, tinha conseguido usar da palavra durante cinco minutos. “Naquele exíguo espaço de tempo, tive ensejo de recordar palavras de uma das figuras políticas de nossa história, Gaspar Silveira Martins, que, ao se dirigir à Câmara de sua época, considerava-a uma Assembleia de servis. E, neste instante, senhor presidente, não há outras palavras senão aquelas pronunciadas por Silveira Martins, para dirigir-me a uma Assembleia que se dobra aos imperativos e à vontade do grupo que se encontra encastelado no Catete, levando o país para a catástrofe e para o caos.”

Era com esse espírito que ocupava a tribuna, asseverou Maurício Grabois, compreendendo que já não falava para um parlamento soberano capaz de defender a democracia, capaz de defender sua dignidade. “Por isso, usando da palavra, dirijo-me, não a essa maioria que liquida com a democracia, mas, particularmente, ao povo brasileiro, porque, nesta hora, em que o regime democrático está em completa derrocada, somente o povo – e somente ele organizado – é capaz de assegurar a democracia em nossa pátria.”

Ele homenageou os homens do povo, homens anônimos que deram seus votos aos comunistas para representá-los no parlamento, para que defendessem o regime democrático e que nas ruas clamavam contra o “crime monstruoso que é o projeto número 900-A, o qual irá golpear, temporariamente, a democracia em nossa pátria, mas só temporariamente, porque a democracia é invencível”. “Quero render minhas homenagens àqueles homens que estão vertendo sangue para que a democracia não pereça, olhos voltados para o operário Anísio Dario, morto pela polícia de Aracajú, o qual perdeu a vida clamando contra o crime que se pretende perpetrar com a cassação dos mandatos de representantes legitimamente eleitos.”

Maurício Grabois repetiu o argumento de que os comunistas eram vítimas de uma trama contra a democracia. “Não assomamos à tribuna para nos defender, nem fazer a defesa de nossa posição dentro do Parlamento, porque, senhor presidente, se aqui estamos é mais para acusar, pois somos o alvo desse grupo fascista, dessa maioria subserviente. Se sairmos desta Casa, será com nossa consciência tranquila, com a cabeça erguida, porque temos a certeza de haver cumprido o nosso dever, fiéis ao nosso eleitorado e ao povo brasileiro, defendendo, palmo a palmo, suas reivindicações e a própria Constituição.”

O golpe de violência anticonstitucional, por parte dos maiores inimigos da democracia, disse, seria temporário. “Estou certo, porém, de que, amanhã, em outra eleição, quando a democracia ressurgir em nossa pátria — não essa democracia de fachada, que serve a meia dúzia de politiqueiros e generais fascistas, que estão entregando o Brasil ao imperialismo norte-americano —, quando ressurgir a verdadeira democracia, a democracia do povo, quando for respeitada sua vontade, podem estar certos os senhores representantes que neste instante cassam nossos mandatos de que voltaremos, não apenas com uma bancada de dezesseis deputados, mas com número bem maior, capaz de derrotar todos os reacionários que infelicitam o povo brasileiro e impedem o progresso nacional.”

Maurício Grabois afirmou que não alimentava ilusões de reverter a decisão da maioria. “Senhor presidente, inoperante, sem nenhum resultado, seria desenvolver nesta altura dos debates, argumentos jurídicos para atacar o projeto de cassação de mandatos. As maiores figuras da cultura jurídica nacional já se manifestaram, demonstrando a inconstitucionalidade do projeto — homens como o Ministro Eduardo Spinola, como João Mangabeira, como o Desembargador Vieira Ferreira, como o Professor Homero Pires, como o Desembargador Bianco Filho, como o professor Luiz Carpenter, como o doutor Sobral Pinto, como o professor Jorge Americano e inúmeros constitucionalistas de reconhecido valor. Não há, na consciência de qualquer homem honesto, a convicção de que este projeto seja constitucional e venha beneficiar a democracia. Aqui mesmo, neste parlamento, poucos são os representantes do povo, mesmo aqueles que opinam pela cassação de mandatos, que estejam convencidos da constitucionalidade do projeto.”

Os votos seriam por motivos políticos, disse, por interesses próprios e pessoais. “É uma verdadeira farsa querer fazer debate jurídico em torno dessa monstruosa proposição, porque tem a sua origem, não na vingança de um homem, como o senhor Barreto Pinto, mas nos círculos reacionários encastelados no Catete e diretamente inspirados nos trustes e monopólios norte-americanos. Essa a origem do projeto, deste golpe contra a democracia em nosso país. Há outros homens que estão defendendo seus interesses e procuram manter suas posições sob a máscara da constitucionalidade. Sabemos mesmo que não há nenhuma convicção nesse argumento.”

Maurício Grabois fez um alerta à nação contra o “grupo fascista que aí está no poder e aproveita-se da ofensiva imperialista, no mundo inteiro, para liquidar com as liberdades e instaurar a mais feroz ditadura em nosso país”. Está à frente de tal grupo um fascista, conhecido homem que foi condecorado por Hitler e recebeu a espada dos samurais das mãos dos militaristas do Japão, homem que só no último instante, sob a pressão das massas, foi capaz de concordar com o envio das forças expedicionárias para combater o nazismo no solo da Itália.” Dutra, afirmou, transformado por obra do acaso em presidente da República em virtude da instabilidade política em que vivia o país, era um homem de tendências fascistas, que não fazia outra coisa senão aplicar diretrizes políticas que favorecem ao imperialismo.

A atitude dócil do Congresso Nacional diante do autoritarismo do presidente da República, disse Maurício Grabois, seria desastrosa para o próprio parlamento. “Neste discurso, desejo ainda lembrar que o Parlamento está assumindo grandes responsabilidades. Em 1937, ele não foi capaz de defender sua dignidade, curvando-se às vontades dos senhores que dominavam no Catete. Foi ele que votou as leis de segurança, o estado de sítio e o de guerra, permitindo a prisão e processo de membros seus. Esse parlamento, portanto sucumbiu, apodrecido, sem o protesto popular, porque quando a polícia cercou este mesmo Palácio do Congresso, nenhuma voz do povo se levantou para proteger um parlamento incapaz de defender suas próprias prerrogativas! Os fatos se repetem de maneira muito mais trágica e mais séria, porque esta Casa se mostra muito abaixo daquela de 37. Aquele cedeu ao futuro ditador, votando leis de arrocho e exceção; o atual corta na própria carne, expulsando de seu seio homens legitimamente eleitos pelo voto popular, sem contestação alguma.”

Uma vez consumado o crime, o parlamento não mereceria o respeito da opinião pública. Seria um parlamento desfibrado, que o povo não levaria a sério. E, quando os inimigos da democracia procurassem implantar uma ditadura sem aparência legal, bastaria simplesmente um vigilante noturno para fechá-lo, pois nenhuma voz seria capaz de se interessar por um parlamento de capitulação e de traição nacional, analisou Maurício Grabois. “Atrás de todo esse projeto de cassação, entretanto, esconde-se toda uma política contrária aos interesses do povo. Quando encerramos a última sessão legislativa tive oportunidade de dizer que este parlamento não votou nenhum projeto de caráter social. Durante quase um ano de funcionamento, só se votaram as mensagens enviadas pelo Executivo, solicitando abertura de créditos para o governo, ou isenção de direitos para empresas imperialistas. É um parlamento que serve aos poderosos; não se viu aqui aprovado nenhum projeto que viesse beneficiar o povo brasileiro. Esta a realidade palpável.”

Ao votar a cassação dos mandatos, afirmou Maurício Grabois, o Congresso nacional assumia uma conduta reacionária. “Incomoda aos representantes da classe dominante ouvir a voz da classe operária e do povo brasileiro que tem assento neste Parlamento. Dói aos reacionários, aos negocistas, aos exploradores, ouvir a voz rude, às vezes mal formulada, dos operários que têm assento nesta Casa, do deputado negro Claudino Silva, do ferroviário Agostinho de Oliveira, porque é a voz do povo que aqui está vigilante, desmascarando as manobras do senhor Dutra e do grupo fascista contra o país. Aqui também está a origem do projeto de cassação de mandatos: se votam por subserviência, também o fazem por interesses pessoais para afastar a voz do povo, do proletariado, do recinto desta Assembleia. Mas podem estar certos de que este parlamento, sem os representantes da classe operária, sem os representantes que vêm do povo, não merecerá mais o respeito e a devida consideração, não será mais o terceiro poder, mas um apêndice podre da ditadura do senhor Eurico Gaspar Dutra.”

Maurício Grabois denunciou o jogo de cena que a maioria dos deputados fazia ao falar de democracia demagogicamente. “Senhor presidente, a democracia não é um jogo de palavras. A democracia são os fatos, a prática diária e concreta do respeito à nossa Constituição e da defesa dos interesses do povo, e não a subserviência, o calar ante as manobras e as violências dos poderosos. Estou certo de que os acordos e arranjos, que tiveram como objetivo principal facilitar a marcha deste indecoroso projeto, não darão resultado, porque as contradições aumentarão. As posições são poucas e os cargos não chegam para todos. As divergências prosseguirão, porque, para contemplar a UDN, se descontentará o PSD.”

Ele comentou também a discriminação social manifestada por alguns deputados. “O nobre deputado senhor Munhoz da Rocha, em discurso aqui proferido afirmava que todos nós falamos uma só linguagem. É verdade. Falamos a linguagem do povo, do interesse nacional. Mas todos nós, da bancada comunista, saímos dos mais diferentes setores da sociedade. Lá não estão os negocistas, os industriais reacionários e advogados de empresas imperialistas. Lá estão homens como Gregório Bezerra com sua vida dedicada ao povo pernambucano; Abílio Fernandes, operário metalúrgico; Jorge Amado, uma das glórias da literatura nacional; Alcedo Coutinho, médico, que honra a ciência pátria; João Amazonas, Pedro Pomar, Diógenes Arruda e Carlos Marighella, provados lutadores da causa democrática; Henrique Oest e Gervásio de Azevedo, heróis da FEB; Claudino Silva, Francisco Gomes, Agostinho Oliveira e José Maria Crispim, a voz patriótica da classe operária.”

No encerramento do discurso, Maurício Grabois disse que a vitória seria do povo e não de Dutra com seu parlamento de ficção, simples chancelaria do Catete, visando apenas aos atos do governo. “Não será o senhor Dutra nem esta maioria — repito — que acabarão com o movimento comunista no Brasil, porque nós somos a vanguarda das forças do progresso e da democracia. Somos a juventude do mundo, os homens que lutam pelo progresso do Brasil. Somos soldados do grande Prestes. Sabemos que a luta para muitos, será difícil, muitos serão sacrificados; mas outros ocuparão nossos lugares, erguerão a bandeira de defesa da democracia e do nosso povo e o triunfo será certo e decisivo. O governo do senhor Dutra cairá sob a pressão das massas e será execrado por todos os brasileiros e por toda a humanidade.”

***

O projeto foi aprovado por cento e oitenta e um a setenta e quatro votos. Depois da votação, a bancada comunista subiu nas poltronas e, de pé, com o braço esquerdo levantado e a mão fechada, brandiu: “Viva o Partido Comunista do Brasil! Viva Prestes! Viva o proletariado! Nós voltaremos!” Uma comissão de deputados, indicada pela mesa, se encaminhou ao Palácio do Catete para que o presidente da República sancionasse a lei aprovada. Em uma cerimônia simples, Dutra assinou a sentença contra a bancada comunista precisamente às vinte e duas horas do dia 8 de janeiro de 1948. Estavam presentes, entre outros, os ministros da Justiça, do Trabalho e da Agricultura; os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado; o chefe do Gabinete Militar Alcio Souto e o chefe da Casa Civil, José Pereira Lira.

Os comunistas estavam fora da Casa especialmente construída sob a invocação de Tiradentes para servir de sede à Câmara dos Deputados e do Palácio Monroe, a sede do Senado. Na Câmara dos Deputados, das catorze vagas abertas sete ficaram com o PSD, cinco com a UDN, uma com o PR e uma com o PTB. A vaga de Prestes no Senado ficou para a UDN. Quarenta e oito horas depois da sanção presidencial, os TREs oficiariam as assembleias legislativas e as câmaras municipais, enviando a relação dos eleitos pelo Partido Comunista do Brasil. Ao receber a lista, os presidentes daquelas casas deveriam declarar vagas as cadeiras dos citados.

Um mandado de segurança — assinado por Maurício Grabois, Abílio Fernandes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo Coutinho, Carlos Marighella, Gervásio Gomes de Azevedo, Gregório Lourenço Bezerra e José Maria Crispim — foi impetrado pelo advogado Sinval Palmeira no Supremo Tribunal Federal apontando a inconstitucionalidade da lei, que seria negado por unanimidade.