Publicado no jornal Valor Econômico de 05/03/2013

Mito da esquerda brasileira, companheira do líder guerrilheiro Carlos Lamarca e amiga da presidente da República, Dilma Rousseff, Iara Iavelberg viveu intensamente, morreu aos 27, encantou e intrigou a muitos. Dedicou-se com fervor à luta armada contra a ditadura militar sem jamais ver na assumida vaidade uma contradição. Homenageada em audiência da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Iara agora terá sua história recontada através de um documentário produzido e dirigido pela sobrinha Mariana Pamplona, cujo fio condutor é a controvérsia em relação à sua morte, em 1971.

Com 24 anos, a bela filha de uma rica família de judeus paulistas deu aulas de marxismo a guerrilheiros em treinamento no Vale do Ribeira, sul de São Paulo, com a mesma convicção usada pouco tempo depois para convencer a jovem Dilma, sua colega de quarto em um aparelho comunista em Copacabana (RJ) a “cortar a juba fora de moda” em um salão badalado onde serviam champanhe às clientes. “Você é uma feminista, Iara, a primeira que conheço”, teria dito à época a presidente. “Faz bem à autoestima. Quem se acha interessante trabalha melhor, é mais segura, dá menos bandeira”, disse certa vez Iara a Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dodora, amiga em comum com Dilma, que rendeu homenagens a ambas no discurso de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, em 2010.

A versão oferecida pela ditadura militar era de que, ante o cerco de militares ao apartamento que lhe servia de esconderijo em Salvador (BA), Iara optara pelo suicídio com um tiro no peito. O laudo emitido à época, assinado pelo legista Charles Pittex, assinalava “morte violenta” e colocava uma interrogação ao lado do termo “suicídio”, que constava na guia original para exame encaminhada junto com o corpo. Em outra contradição, testemunhas na vizinhança teriam ouvido Iara se render pouco antes de tiros serem ouvidos.

Somente em 2003 a família Iavelberg conseguiu autorização judicial para exumar o corpo e realizar nova perícia, que comprovou não ter sido ela a autora do disparo que lhe tirou a vida. O advogado do caso foi o ex-deputado federal pelo PT Luiz Eduardo Greenhalgh.

Presente à audiência, o Dr. Daniel Romero Muñoz, médico responsável pela nova necropsia, mostrou que o tiro que matou Iara não deixou na vítima detritos típicos de um disparo à queima-roupa, tornando insustentável a tese de suicídio. Mesmo assim, mais três anos foram necessários para que finalmente, em 2006, a família conseguisse um acordo junto ao cemitério israelita de São Paulo para retirar o corpo da ala dos suicidas – enterrados de costas para os outros mortos – e ocupasse o mausoléu dos Iavelberg.

Filha de Rosa Iavelberg, que estava grávida de três meses quando soube da morte da irmã, Mariana contou que seus pais não lhe deram o sobrenome Iavelberg por temerem que isso lhe causasse problemas no futuro. Tendo hoje a tia como “uma heroína”, Mariana levou sete anos para produzir o documentário “Em busca de Iara”, feito em parceria com o marido Flávio Frederico e que vai estrear oficialmente no festival “É Tudo Verdade”, que acontecerá em São Paulo e no Rio de Janeiro, de 4 a 14 de abril.