Desconfiança empresarial I

É previsível que a leitura oficial da política econômica sempre procure manter os corações brasileiros aquecidos e se esforce por renovar esperanças. Em tempos de crise, essa postura reproduz uma sucessão de declarações enigmáticas, cada uma delas apoiada em uma dimensão. Sua sucessão acaba amplificando desconfianças.

Dia 17 de julho, o Banco Central assume uma tonalidade otimista e prognostica um crescimento de 4% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, a partir do trimestre final do ano corrente, para o qual prognosticou algo maior que 1%; anuncia que haverá a cobertura de todo déficit em conta corrente a partir de investimentos estrangeiros diretos e a melhora da inadimplência e atraso de pagamentos entre 15 e 90 dias (fala de uma estabilização da inadimplência das famílias em torno de 8%). Porém, em 13 de junho, a presidente Dilma havia afirmado que “o Brasil terá de superar as turbulências da crise econômica externa com base na força de seu mercado doméstico”. Dilma afirmou, também, que “ainda há margem para o aumento de consumo” e do endividamento por parte das famílias e, simultaneamente, defendeu medidas de estímulo ao consumo e ressaltou que “os investimentos públicos devem se intensificar no segundo semestre”.

Em passado recente, o governo exaltava o dinamismo (?!) da economia brasileira, mas frente ao “pibinho”, abandonou o “pibão” como justificativa político-econômica. A presidente Dilma, no dia 12 de julho, mudou o centro de seu otimismo, afirmando que “uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e adolescentes; não é o PIB, é a capacidade do país, do governo e da sociedade de proteger o que é seu presente e seu futuro, que são suas crianças e seus adolescentes”. Entretanto, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, alegou que o aumento de gastos com educação para 10% do PIB “quebra o Estado” e cobrou ousadia dos empresários, numa reunião onde explicitou a seguinte pérola: “A crise atual é tão grave quanto a de 2008”.
Poderia polemizar com todas essas declarações e justificativas oficiais para reiterar que o problema macroeconômico brasileiro é o crescimento medíocre, que não se apoia em investimento nem público nem privado e que foi mantido pela evolução favorável das exportações primárias brasileiras (minério, soja, proteínas, açúcar, tendo a presença crescente de petróleo bruto) e pelo endividamento assustador das famílias com compras (de veículos, eletrodomésticos etc) e com a corrosão de suas rendas familiares com os juros leoninos.

Ativar o investimento produtivo das empresas, retomar uma taxa de investimento de, pelo menos, 23% a 24% do PIB (superar a ultra medíocre taxa de 19%) é impossível com um simples apelo ao “espírito empresarial”, que se nutre e se alimenta com desconfianças. Não é repetindo o pacote de 2008 (com incentivos fiscais), nem reanunciando o PAC (necessário, urgente e insuficiente) ou assumindo que se repete em 2012 o clima de 2008, que se reporá confiança no empresariado.

O Brasil não tem nenhum projeto nacional de longo prazo, a não ser a expansão da economia do petróleo. Qualquer empresário de médio ou grande porte sabe que a crise mundial está longe de ser superada. Não iremos revisitar o cenário inquietante. É fácil constatar que o Brasil não propõe nada viável em relação aos próximos anos. Qualquer empresário quer incentivos, facilidades creditícias e tributárias e a remoção dos pontos de estrangulamento de suas atividades. Sendo uma sobrevivente da desindustrialização e, por vezes, uma beneficiária da desnacionalização, a empresa no Brasil vê no endividamento familiar apenas uma defesa da procura corrente e sente a ameaça crescente da inadimplência; não consegue perceber qual é a política de longo prazo para multiplicar empregos e renda. O empresário sabe não só que o cenário internacional é de crise, mas também que o Brasil é extremamente vulnerável às oscilações financeiras (o Bovespa oscila frequentemente mais que as bolsas do exterior, com as mesmas vicissitudes internacionais).

Os japoneses reduziram em 30% suas aplicações financeiras no Brasil durante o primeiro semestre; o Japão se declara preocupado com a estagnação brasileira. O patrimônio da família americana diminuiu terrivelmente durante a crise; o FMI adverte o “Bric” de sua volatilidade; a Moodys adverte o Brasil. A Krupp alemã põe à venda sua siderúrgica no Brasil; a General Motors fecha uma planta em São Paulo. Os exportadores estão preocupados com a instabilidade das relações Brasil-Argentina. A ofensiva mundial chinesa reduz o espaço das exportações brasileiras. Tudo é conhecido pelos empresários.

O empresário sabe que o endividamento sem crescimento do investimento macroeconômico gera uma bolha de crédito e conhece a devastação que essas bolhas produzem quando estouram; sabe que 2012 é um episódio de uma longa crise iniciada antes de 2008; sabe que o Citigroup tem tido prejuízos crescentes e que a Libor foi recém- manipulada pelo Barclays; sabe que o problema espanhol não está superado e que a City de Londres corre o risco de vir a ser esvaziada.

No Brasil, os empresários sabem que os desejados incentivos fiscais reduzem o superávit fiscal, mas também que o governo teme a inflação e considera o superávit fiscal absolutamente prioritário. Assim, percebem que é extremamente difícil ampliar significativamente o investimento público. Além disso, sabem que a Petrobras colocou à venda suas refinarias no Japão e nos EUA, que o diesel subiu e a gasolina está pressionando nossas importações; percebem a ambiguidade estrutural na política cambial.

É possível afirmar que há uma desconfiança estrutural no empresariado que está no Brasil. Não dá para tapar essa dimensão com declarações oficiais como as aqui listadas.

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Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

Fonte: Valor Econômico