Com a eleição da sua primeira direcção, numa assembleia realizada na sede da Associação dos Empregados de Escritórios, em Lisboa, nasceu o PCP: estava-se a 6 de Março de 1921.

Fruto dos ecos que a Revolução Socialista de Outubro teve entre os sectores mais esclarecidos da classe operária portuguesa, a fundação do PCP não resultou, como na generalidade dos países europeus, de uma cisão do Partido Socialista, mas fundamentalmente de militantes vindos das fileiras do sindicalismo revolucionário. Apesar das debilidades ideológicas, eram o que havia de mais vivo e combativo no movimento operário português.

Os primeiros meses de vida do Partido foram intensos e rapidamente se atingiu o milhar de militantes. Ainda em 1921 foi criada a Juventude Comunista e saiu o primeiro número do jornal O Comunista (O Jovem Comunista sairia em Maio do ano seguinte). O primeiro Congresso do Partido realizou-se em Março de 1923.

Mas estes primeiros tempos foram igualmente muito difíceis, em parte pela fraca preparação teórica dos seus dirigentes e pelas raízes anarquizantes e oportunistas de muitos dos seus membros. O golpe de 28 de Maio de 1926, que abriu caminho à edificação de uma ditadura fascista em Portugal, apanhou o PCP na véspera da abertura do seu II Congresso. Aí aprovou-se uma moção onde se considerava que «o movimento insurreccional que acaba de produzir-se em Portugal representa de facto o triunfo da reacção fascista» e que «para a sua eclosão e para a sua vitória contribuíram todos os partidos burgueses».

Sem quadros com experiência política e ideológica para enfrentar os desafios que a nova situação impunha, o Partido atravessou então um período de desorientação e desorganização. Mas a realidade viria a mostrar que o PCP – e só ele – resistiria e daria combate sem tréguas ao fascismo.

Pelo seu projecto de construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, o PCP nasceu diferente de todos os outros partidos – e diferente permanece nove décadas depois.

Começar de novo

A Conferência do PCP de Abril de 1929 foi um momento decisivo na história do Partido. Numa altura em que o fascismo se construía e todas as forças democráticas aceitavam o decreto de dissolução imposto pela ditadura, o PCP preparava-se para resistir.

Com apenas 40 militantes registados, o Partido vira-se fundamentalmente para a criação de organizações partidárias e para o trabalho sindical. Na sequência das decisões assumidas na Conferência, que designaria Bento Gonçalves Secretário-geral do PCP, importantes sindicatos são organizados e reorganizados. Em 1931 surge a Confederação Inter-Sindical, que em poucos anos ultrapassaria a CGT em número de associados. Na decorrência deste reforço da actividade sindical, desenvolve-se um vasto conjunto de fortes lutas reivindicativas. Ao mesmo tempo, começam a ser publicados vários órgãos de imprensa sindical de vários sectores de actividade.

Em Fevereiro de 1931, surge o primeiro número do Avante!, que se tornaria num dos exemplos mais notáveis da imprensa operária clandestina em todo o mundo – 43 anos de publicação ilegal, 33 dos quais ininterruptamente. Dois anos depois, é publicado pela primeira vez O Militante.

Os obreiros da reorganização de 1929 deram o primeiro passo para a transformação do PCP num partido leninista em condições de desenvolver a luta na clandestinidade. De entre eles, destaca-se o papel assumido por Bento Gonçalves, que acabaria por morrer em 1942 no Campo de Concentração do Tarrafal.

A identidade do Partido

O processo iniciado com a reorganização de 40/41, e que teve sequência imediata na preparação e realização dos III e IV Congressos, respectivamente em 1943 e 1946, constituiu um momento marcante da história do PCP.

Com efeito, foi no decorrer desse processo que o Partido se afirmou, de facto, como vanguarda da classe operária; como grande partido nacional; como partido da resistência e da unidade antifascistas – como «partido leninista definido com a experiência própria», nas palavras do camarada Álvaro Cunhal.

É nesse tempo e no decorrer desse processo que avança a definição teórica da identidade do Partido e a concretização prática dessa identidade.

Trata-se de um conjunto de traços identitários, complementares e indissociáveis, que incorporam: o objectivo supremo do Partido – construção de uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração; a sua natureza de classe – partido da classe operária e de todos os trabalhadores; a sua ideologia – o marxismo-leninismo, ideologia do proletariado; o seu funcionamento interno – baseado no desenvolvimento criativo do centralismo democrático; o seu carácter simultaneamente patriótico e internacionalista; a sua estreita e constante ligação às massas trabalhadoras e à defesa dos seus interesses e direitos.

Esta identidade, pelo que significa, constitui o alvo preferencial na ofensiva ideológica com que os inimigos do Partido têm tentado, ao longo dos tempos, a sua destruição.

Da mesma forma, as ofensivas internas visando a descaracterização do Partido é na sua identidade que fazem incidir o essencial dos seus ataques – regra geral tendo como alvo apenas um ou outro desses traços identitários (ou o projecto, ou a ideologia, ou a natureza de classe…) e fingindo não saberem que abandonando um ou outro – e bastaria abandonar um único – todos os restantes se desmoronariam inexoravelmente e, com eles, a identidade do Partido.

O reforço do Partido passa, em primeiro lugar, pela afirmação e pela defesa da sua identidade.

Romper muros e grades

O PCP foi o principal alvo da repressão fascista. Contra ele, a polícia política (chamando-se PVDE, PIDE ou DGS) mobilizou poderosos meios e não raras vezes desferiu profundos golpes na sua organização. Muitos dirigentes e militantes comunistas passaram largos anos na prisão, sofrendo violentas torturas e pesadas privações. Outros foram mesmo assassinados. Mas nunca o fascismo conseguiu derrotar o PCP que, com profundas raízes nos trabalhadores e no povo, sempre encontrou quem tomasse o lugar dos que caíam.

Mesmo no interior das prisões – fosse em Angra do Heroísmo ou no Tarrafal, em Caxias, Peniche ou Aljube – os comunistas resistiam e mantinham as suas organizações em funcionamento. A luta não parava, mesmo entre os muros de uma qualquer fortaleza.

A reconquista da liberdade era um objectivo sempre presente entre os comunistas presos, pois era lá fora que se travava o combate decisivo contra o fascismo.

Com engenho e determinação, foi possível por diversas vezes romper os muros e grades dos cárceres e devolver à luta os militantes comunistas. Fugas heróicas como a de Peniche, em Janeiro de 1960, ou a de Caxias, no final do ano seguinte, entre muitas outras, ficam marcadas na história da resistência antifascista.

O fascismo matou

«De todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas.» Assim legendou José Dias Coelho umas das suas famosas gravuras, pouco antes de ele próprio tombar varado pelas balas assassinas da PIDE. Durante os 48 anos de fascismo, muitos foram os resistentes assassinados: a maioria era comunista, mas a repressão também roubou a vida a anarco-sindicalistas, republicanos e outros democratas.

Alguns morreram na tortura, em brutais interrogatórios, ao passo que outros foram cobardemente assassinados a tiro. Houve ainda os que não resistiram aos maus tratos infligidos na prisão – tenham morrido lá dentro ou depois de libertados. Todos são mártires da luta pela liberdade e pela democracia em Portugal.

Militão Ribeiro, Bento Gonçalves, Alfredo Diniz, Catarina Eufémia, Alfredo Caldeira, José Moreira, Ferreira Soares, Germano Vidigal, Manuel Vieira Tomé, Alfredo Lima, Cândido Martins, José Adelino dos Santos, Raul Alves, Agostinho Fineza, Carlos Pato, Soeiro Pereira Gomes, José Gregório, Manuel Rodrigues da Silva ou o já referido José Dias Coelho são apenas alguns dos comunistas que o fascismo assassinou. Outros, como Mário Castelhano ou Humberto Delgado, tombaram também às mãos dos esbirros do fascismo. Mas a luta à qual dedicaram as suas vidas não foi em vão: Abril teve também o seu contributo.

Unidade!

O PCP foi o grande impulsionador e defensor da unidade antifascista. A partir da reorganização de 1940-41, o Partido empenhou-se na criação de uma organização unitária em condições de encabeçar a luta política do povo português contra a ditadura. No III Congresso do Partido, em Novembro de 1943, Álvaro Cunhal afirma estar-se próximo de atingir esse objectivo – em Janeiro do ano seguinte surgia o Conselho Nacional de Unidade Antifascista (MUNAF), onde colaboram comunistas, socialistas, republicanos, católicos, monárquicos, entre outros.

Com o fim da II Guerra Mundial e a derrota do nazifascismo, é criado o Movimento de Unidade Democrática (MUD) – com existência legal por alguns anos, ao contrário do MUNAF, que suporta clandestinamente o novo movimento. O MUD Juvenil, que chegou a congregar 20 mil jovens (com os comunistas a assumir um papel de vanguarda), existiu entre 1946 e 1957, unindo e mobilizando a juventude portuguesa pelos seus interesses. Aproveitando a «legalidade» que o fascismo foi obrigado a conceder nos primeiros anos do pós-guerra, MUD e MUD Juvenil promoveram grandes acções, algumas delas com repercussão nacional.

As campanhas para as várias «eleições» que o fascismo foi forçado a realizar foram aproveitadas pelas forças democráticas para mobilizar o povo português contra a ditadura e para apresentar as suas principais reivindicações. As campanhas presidenciais de Norton de Matos, em 1949, Ruy Luís Gomes, em 1951 e, sobretudo, a de Arlindo Vicente e Humberto Delgado, em 1958, foram importantes campanhas políticas de desmascaramento do fascismo e mobilização popular. A criação da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), a partir do Congresso Republicano de Aveiro, e a sua intervenção nas «eleições» de 1969 deu também azo a importantes movimentações unitárias.

Em Março de 1961, o Comité Central elegeu Álvaro Cunhal Secretário-geral do Partido.

Assim era preenchido um cargo que estivera vago durante 25 anos – desde a prisão e a morte de Bento Gonçalves, no Tarrafal.

A não existência de um secretário-geral durante um tão longo período de tempo decorreu do facto de se ter considerado que, nas condições concretas existentes, à altura, no plano partidário, era difícil e poderia revelar-se inconveniente a escolha de um camarada para tal cargo.

Registe-se, no entanto, que essa decisão viria a ter profundas e positivas consequências na vida do Partido, designadamente na evolução do trabalho de direcção, na medida em que contribuiu decisivamente para a criação, a prática e a posterior institucionalização da direcção colectiva e do trabalho colectivo.

Sublinhe-se que a eleição de Álvaro Cunhal para o importante cargo não alterou, em nada, as tarefas e as responsabilidades individuais de qualquer dos membros da direcção do Partido – a começar pelo próprio Secretário-geral eleito.

Álvaro Cunhal foi Secretário-geral do PCP até 1992.

Um marco fundamental

Maio de 62

De entre as consequências da correcção do desvio de direita de 1956/1959 emergem, pelo seu significado, as fortes movimentações de massas que tiveram lugar no ano de 1962 – todas elas organizadas e dirigidas pelo Partido, desde a luta dos estudantes do Superior, que foi a primeira das grandes lutas de estudantes que varreram a Europa na década de 60, até às lutas do proletariado industrial e rural e dos restantes trabalhadores.

No 1.º de Maio, centenas de milhares de trabalhadores ergueram, em todo o País, a mais poderosa jornada de luta até então realizada.

Em Lisboa, mais de 100 mil pessoas ocuparam as ruas da capital durante largas horas, enfrentando as forças repressivas e respondendo às cargas policiais e às rajadas de metralhadora, com pedras arrancadas do pavimento e com postes de sinalização.

Com igual coragem e determinação manifestaram-se massivamente trabalhadores no Porto, em Almada, no Barreiro, no Ribatejo, no Alto Alentejo, no Alentejo litoral, em Montemor-o-Novo, Escoural, Alcáçovas, Aldeia Nova de S. Bento, Pias, Grândola, Alpiarça, Couço, Vila Moreira, Pêro Pinheiro…

É bem significativo que desde então o 1.º de Maio tenha passado a ser o dia nacional da resistência antifascista, ocupando assim o lugar até ai ocupado pelo 5 de Outubro, dia da revolução republicana burguesa.

A jornada do 1.º de Maio teve continuidade durante todo o mês nas lutas pelas oito horas de trabalho, levadas a cabo pelos assalariados rurais do Alentejo e Ribatejo, sobre as quais Álvaro Cunhal escreveu no Rumo à Vitória:

«A conquista das oito horas de trabalho pelo proletariado rural é uma vitória histórica. E porque as lutas que a ela conduziram se desenvolveram em volta da grande jornada política do 1.º de Maio, o dia 1 de Maio de 1962 será sempre lembrado como um marco fundamental na história da luta do proletariado português pela sua libertação do jugo do capital (…) O Partido Comunista, que dirigiu desde o início a luta, pode orgulhar-se desta vitória dos assalariados rurais como uma vitória sua».

O caminho para a revolução

Rumo à vitória


Em Abril de 1964, Álvaro Cunhal apresenta o célebre relatório ao Comité Central intitulado Rumo à Vitória – as tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional. Este documento viria a constituir a base política do relatório que foi apresentado, em Setembro de 1965, ao VI Congresso do PCP.

Realizado na cidade de Kíev, na União Soviética, o VI Congresso, a última reunião magna dos comunistas realizada na clandestinidade, teve uma influência determinante para o desenvolvimento das lutas de massas que abalaram os últimos anos da ditadura fascista, acelerando a sua decomposição, bem como para a unidade das forças democráticas em torno dos objectivos do derrubamento do regime e da conquista da liberdade política.

Tal como se preconizava em Rumo à Vitória, o programa do PCP aprovado neste congresso definiu o levantamento nacional, a tomada do poder pela força, como o único caminho que poderia liquidar a ditadura, mas demonstrou que não bastava derrubar o governo fascista e instaurar as liberdades para que a democracia se tornasse viável. Era necessário igualmente pôr termo ao poder económico dos monopólios e latifundiários, acabar com as guerras coloniais e com o colonialismo, destruir as bases de apoio da reacção e do fascismo.

O programa do PCP para a revolução democrática e nacional definiu oito objectivos fundamentais, que foram, em grande parte, materializados com a Revolução do 25 de Abril de 1974:

«1.º – Destruir o Estado fascista e instaurar um regime democrático;

2.º – Liquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral;

3.º – Realizar a Reforma Agrária, entregando a terra a quem a trabalha;

4.º – Elevar o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral;

5.º – Democratizar a instrução e a cultura;

6.º – Libertar Portugal do imperialismo;

7.º – Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência;

8.º – Seguir uma política de paz e amizade com todos os povos.»

Para alcançar estes objectivos, o PCP defendeu a conquista do poder por uma vasta aliança das forças sociais, incluindo o proletariado (operários industriais e assalariados rurais), o campesinato e pequenos e médios agricultores), os empregados, os intelectuais, a pequena burguesia urbana e sectores da média burguesia.

A libertação das colónias

Já em 1957, o V Congresso do PCP previra a iminência do desencadeamento da luta de libertação nas colónias portuguesas, considerando que o movimento independentista dos povos coloniais era objectivamente favorável à luta da classe operária e do povo português pela sua própria libertação.

Logo em 4 de Fevereiro de 1961, o povo angolano inicia a luta armada sob a direcção do MPLA. Em Dezembro, o regime de Salazar é obrigado a sair de Goa, Damão e Diu. Segue-se, em 1963, o início da luta armada na Guiné conduzida pelo PAIGC. Em Setembro do ano seguinte é a vez da FRELIMO se lançar na luta pela independência de Moçambique.

Ao longo de 13 anos, o regime envia centenas de milhares de jovens para a fogueira da guerra. Na fase final, estão permanentemente mobilizados 120 mil homens. Mais de dez mil perdem a vida. Cerca de 30 mil regressam mutilados. O custo das guerras coloniais arruína o País a cada ano que passa, representando 40 por cento de todos os gastos do Estado.

Sofrendo estrondosas derrotas militares, designadamente na Guiné, onde o PAIGC proclama a República da Guiné-bissau em 1973, o regime enfrenta uma oposição crescente na metrópole onde se realizam acções políticas abertas contra a guerra.

Em 25 de Outubro de 1971 uma acção de sabotagem realizada pela Acção Revolucionária Armada (ARA) imobiliza em Lisboa o navio Cunene, carregado com armamento para as colónias. Sucedem-se os protestos dos soldados e suas famílias contra os embarques. As contradições geradas pela guerra colonial evidenciavam a caducidade da ditadura, e viriam a estar no cerne da criação do movimento dos capitães que lhe poria fim.

Intensas lutas populares nos últimos anos do regime

O fascismo não caiu por si

Se não tivesse ocorrido o golpe militar na madrugada de 25 de Abril, como teria sido o 1.º de Maio de 1974? Observa-se o ascenso das lutas dos trabalhadores, nas fábricas, no comércio, nos campos, nos transportes, na banca, nas pescas; olha-se as movimentações de contestação aberta do fascismo a alastrar entre os estudantes do ensino superior e do secundário, recorda-se episódios que denotavam crescente descontentamento nos meios militares e entre os intelectuais, na Igreja. Atenta-se no incremento da repressão e vê-se grandes manifestações de solidariedade com dirigentes detidos, mas também com trabalhadores em luta. Lembramos as decisões do 6.º Congresso do PCP, em 1965, apontando a via e os objectivos para o derrube do regime fascista, reafirmados após a substituição de Salazar por Caetano na cadeira do poder dos grandes monopólios – que suscitou vacilações noutras correntes da oposição democrática. Recorda-se o nascimento da Intersindical, a 1 de Outubro de 1970, num período em que dezenas de direcções sindicais, dinamizadas por comunistas e merecendo a confiança dos associados, eram eleitas para sindicatos que havia décadas estavam tomados pelo regime.

As farsas eleitorais de 1969 e 1973, com todos os perigos e sacrifícios que tal implicou, foram aproveitadas para desenvolver intensas batalhas políticas. O aumento do custo de vida, a guerra colonial, o desemprego, a censura, a repressão, o analfabetismo, a ignorância e o medo eram um fardo pesado, mas a resistência e a luta das massas populares impunham-se como saída determinante para os problemas da economia e da sociedade. Não era nada fácil tomar uma opção de luta colectiva: os riscos iam do despedimento à prisão, à tortura, à morte. Mas era insuportável não reagir. Os comunistas davam o exemplo, mas também davam o rumo mais acertado. Novas vagas de greves e acções reivindicativas ocorrem em Outubro de 1973 e Fevereiro de 1974. O mal-estar entre os militares desemboca no «Movimento dos Capitães», que se tornaria rapidamente num movimento político. Naquele que viria a ser o último número do Avante! publicado na clandestinidade, já em Abril de 1974, o PCP apela: «Não dar tréguas ao fascismo» e «Aliar à luta antifascista os patriotas das Forças Armadas». A celebração do Dia do Trabalhador tinha sido tratada numa reunião da Intersindical, semiclandestina, no Sindicato dos Técnicos de Desenho. Reuniões semelhantes decorreram um pouco por todo o País.

Como seria o 1.º de Maio sem 25 de Abril? Mas tinha que haver 25 de Abril, nem que fosse a 1 de Maio! O derrube do fascismo era uma necessidade imposta pela luta do povo.

25 de Abril

Conquistar a liberdade e a democracia, construir um País novo

Regime moldado para impor em Portugal o domínio dos monopólios associados ao imperialismo e aos latifúndios, o fascismo era o instrumento dos interesses da grande burguesia nacional e estrangeira e da exploração do proletariado. Mas o Estado corporativo atingia também a pequena burguesia rural e urbana, a intelectualidade e camadas da média burguesia, por isso o seu derrube e a conquista da liberdade e da democracia eram os objectivos que uniam todos os sectores antifascistas. Foi sob essa consigna que, ao levantamento militar desencadeado pelo Movimento das Forças Armadas, se seguiu imediatamente o levantamento das amplas massas populares.

Nove anos antes, em 1965, o Partido Comunista Português havia indicado a insurreição – a luta armada do povo e dos militares revolucionários – como a via para vencer e destruir o aparelho militar e repressivo fascista. A justeza desta apreciação veio a confirmar-se no 25 de Abril, sublinhando que a orientação seguida pelo Partido durante décadas de resistência popular ao fascismo era a única capaz de obter sucesso no momento do assalto final, o qual, tal como apontado, deveria culminar persistentes movimentações revolucionárias.

Essa orientação traduziu-se na intensificação da luta de massas como motor das transformações a que o povo aspirava. Combate tecido em pequenas e grandes acções reivindicativas, feito de organização e confiança, de promoção da unidade em torno de objectivos concretos; processo longo que só o PCP foi capaz de levar adiante apesar da repressão, e que permitiu dotar de experiência a classe operária, os trabalhadores e as camadas laboriosas; escola, ainda, na qual os trabalhadores desenvolveram a consciência da necessidade do derrube do fascismo como comissão administrativa de toda uma classe opressora.

Só tendo em conta esta realidade é possível compreender o êxito fulminante alcançado na madrugada de 25 de Abril e nos luminosos dias e meses de construção de um País novo que se seguiram.

Aliança de classe

Se foi na luta do proletariado contra a ditadura que gerações de operários e camponeses forjaram a sua consciência política e de classe arrastando estratos progressistas ou não afectos ao fascismo, foi no movimento democrático e estudantil, na rejeição da barbárie colonial e da guerra que os jovens soldados e oficiais do MFA percorreram caminho semelhante. Uns e outros levaram para o interior das Forças Armadas o espírito revolucionário e anticolonialista.

Ainda que alguns desconsiderem a aliança Povo-MFA sobrevalorizando a audácia e acertividade da táctica e estratégia militar dos capitães, é a primeira que permite consolidar a conquista da liberdade e da democracia e abrir as largas alamedas das conquistas de Abril.

À chegada ao Aeroporto de Lisboa, a 30 de Abril de 1974, Álvaro Cunhal sublinhou que «o momento exige que se reforce na acção diária a unidade da classe operária, a unidade das massas populares – força motora das grandes transformações sociais; que se alargue e reforce na acção diária a unidade de todos os democratas e patriotas e se desenvolva impetuosamente a sua força organizada; que se reforce a aliança, a cooperação, a solidariedade recíproca entre as massas populares e os oficiais, sargentos, soldados e marinheiros de sentimentos democráticos e liberais».

Factores determinantes

Após 43 anos de vida clandestina, milhares de comunistas vendem, a 15 de Maio de 1974, o primeiro Avante! legal. Tal é um sinal inequívoco das mudanças em curso e projecta a voz que o fascismo nunca conseguiu calar. Meio milhão de exemplares esgotam rapidamente. Nas ruas ecoa a informação livre sobre a situação, a divulgação das tarefas do momento indicadas pelos comunistas, e a necessidade da organização do único grande Partido nacional e o mais consequente defensor do que já se havia alcançado e do demais que havia para conquistar.

Na primeira página desse histórico número do órgão central do PCP, a manchete destaca a participação dos comunistas no Governo Provisório. A inclusão do PCP no executivo é, simultaneamente, o reconhecimento da força nodal para o derrube da ditadura fascista, e da importância do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores na consolidação dos primeiros passos da revolução.

A luta travada pelos comunistas no seio do primeiro executivo e nos que se lhe seguiram até ao 25 de Novembro foi semelhante à que decorria nas fábricas, nos campos e nas ruas, notou Álvaro Cunhal em «A Revolução Portuguesa – O Passado e o Futuro». O carácter contraditório do poder constituído, com elementos estranhos ao movimento antifascista, conferiam ao poder um atraso significativo face à dinâmica das massas e uma pulverização dos centros de decisão, sintetizou também o então secretário-geral do PCP.

Ainda assim, é neste contexto e em resultado da tenacidade dos comunistas, da sua permanente convocação e confiança nas massas, que se conquistam e consolidam a liberdade e a democracia, antes de mais exercendo-as; que se dissolvem os órgãos do poder fascista, a PIDE, a Legião e Mocidade Portuguesa, a Acção Nacional e as comissões de censura; se expulsam das direcções dos sindicatos as hordas fascistas e assumem em seu lugar os legítimos representantes dos trabalhadores; se libertam os presos políticos e se procede ao saneamento dos fascistas no poder local, nas empresas e locais de trabalho, nas escolas e no aparelho de Estado; se institui o salário mínimo e actualizam as pensões de aposentação, entre outros aspectos.

O primeiro 1.º de Maio em liberdade

A vanguarda da revolução

Uma semana após o 25 de Abril, no primeiro 1.º de Maio em liberdade, ocorrem em todo o País as maiores manifestações de massas jamais realizadas em Portugal. Estas atestam a irreversibilidade da conquista da liberdade, a imensa força autónoma do movimento operário e popular no processo revolucionário e o seu papel dirigente no curso das profundas transformações democráticas.

Tal é inseparável da orientação do PCP de unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, fio condutor que continuará pujante nas comemorações do Dia Internacional do Trabalhador que se seguirão, marcadas pela resistência à contra-ofensiva do capital, bem como nas inúmeras lutas contra a política de direita imposta por sucessivos governos visando reverter a revolução e as suas conquistas.

Que se expressou, também e mais recentemente, com força, profundidade e amplitude, na última Greve Geral, e que permanecerá firme como orientação para o futuro, sempre e quando milhares de trabalhadores em luta façam verdadeiramente a grande política.

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Fonte: jornal Avante!