Neste artigo, Jorge Arturo Rodríguez, Membro da Refundación Comunista de Puerto Rico, relata a situação do povo portoriquenho que luta contra a dominação militar do país, convertido em sede de operações caribenhas da Marinha de Guerra, do Exército e da Força Aérea dos EUA. O autor parte da análise da luta da classe trabalhadora para explicar o sentido da reivindicação da libertação nacional de Porto Rico.

Neste artigo, Jorge Arturo Rodríguez, Membro da Refundación Comunista de Puerto Rico, relata a situação do povo portoriquenho que luta contra a dominação militar do país, convertido em sede de operações caribenhas da Marinha de Guerra, do Exército e da Força Aérea dos EUA. O autor parte da análise da luta da classe trabalhadora para explicar o sentido da reivindicação da libertação nacional de Porto Rico.

“Não se faz a Revolução, organiza-se a Revolução.”
Ernesto “Che” Guevara de la Serna

Problemas que afligem a classe trabalhadora porto-riquenha

Por Jorge Arturo Rodríguez*

Os trabalhadores porto-riquenhos enfrentaram, durante os últimos quatorze anos, uma ofensiva patronal e neoliberal que, paulatinamente, tem lhes subtraído numerosas conquistas obtidas em décadas anteriores. Esta situação não é um evento isolado, mas uma manifestação da profunda crise do capitalismo no plano mundial, na sua fase imperialista final, explicitada na chamada globalização e no chamado neoliberalismo. Essa feroz ofensiva, que tem abarcado praticamente todas as frentes que tradicionalmente ofereciam certa segurança econômica e social aos trabalhadores, coloca em evidência a radicalização da luta de classes em Porto Rico e, mais ainda, expressam de maneira contundente como se manifestam as enormes contradições da economia capitalista. Tal economia abrange todas as ordens de nossa vida cotidiana, nos centros de trabalho, nos sistemas de previdência e aposentadoria, planos de saúde, na carestia exorbitante do nível de vida, entre outros, sem redundar em benefício algum para as famílias trabalhadoras.

Historicamente, a classe trabalhadora tem realizado uma tenaz resistência a todos os esforços do grande capital e da burguesia por despojá-la de seus direitos fundamentais, enquanto a principal produtora da riqueza social do país. É para nós mais familiar, por sua proximidade, a greve da Telefônica de 1998, na qual a classe trabalhadora demonstrou suas capacidades de mobilização e de agitação social, que ultrapassaram os limites de sua própria classe, conquistando o apoio de amplos setores sociais, como os estudantes, pensionistas, entre outros. Tal experiência serviu como aprendizagem e ensaio para diversas estratégias de organização e de coordenação sindical para barrar a privatização, que tinha como consequência a perda de postos de trabalho e a destruição do nível de vida dos trabalhadores. Porém, a derrota desse movimento popular trouxe, por sua vez, uma série de lições que no futuro merecerão maior reflexão e discussão por parte de diversos setores da classe trabalhadora.

Essa greve colocou em evidência como, em certos momentos, as ações dos trabalhadores têm padecido de erros estratégicos e táticos, que têm facilitado a ação privatizadora do grande capital transnacional, em aliança com a parasitária burguesia colonial. Além disso, pelo caráter dialético da luta de classes que se dá dentro dos centros de trabalho, as contradições surgidas dentro dos próprios sindicatos favoreceram a rachadura do CAOS. Estes erros – estratégicos, táticos e ideológicos – certamente merecem ser analisados individualmente para sua melhor compreensão.

Sem dúvida, a partir da vitória eleitoral da extrema direita, com Luis Fortuño como governador, tem havido lentas tentativas de recomposição do movimento dos trabalhadores para enfrentar a ofensiva neoliberal proposta por sua administração. Conseguiu-se organizar a Frente Ampla de Solidariedade e Luta – FASyL, que agrupa numerosos sindicatos e organizações políticas. Esses acordos entre diversos componentes do movimento sindical e dos trabalhadores conseguiram sucesso na convocação de passeatas e manifestações durante os meses de abril e junho. A FASyL conseguiu também convocar o primeiro de maio, um dos mais massivos da história recente, com uma paralisação por um dia de cerca de 40 mil trabalhadores e trabalhadoras.

Sobre a luta sindical

A concepção dos sindicatos em Porto Rico limita enormemente o raio de ação da classe trabalhadora, não somente em termos de suas próprias reivindicações econômicas, mas por receber o apoio, mais do que a mera simpatia, de outros setores sociais. Certamente, as reivindicações econômicas sempre serão um elemento importante em qualquer luta dos trabalhadores, porém, estas devem ser apenas o primeiro degrau dentro de um marco de ação – social e político – muito mais abarcador. Lênin reconheceu a importância da participação dos trabalhadores nestas organizações, mas que estas não deviam se limitar somente às reivindicações econômicas, porque assim os desvincularia de outras lutas sociais.

As organizações operárias para a luta econômica têm de ser organizações sindicais. Todo trabalhador social-democrata deve, dentro do possível, apoiar estas organizações e atuar intensamente nelas. De acordo. Mas é absolutamente contrário aos nossos interesses se exigir que somente os social-democratas possam ser membros das organizações “sindicais”, pois isso reduziria o alcance de nossa influência entre as massas. Que participe na organização sindical todo trabalhador que compreenda a necessidade da união para lutar contra os patrões e o governo. A própria finalidade das organizações sindicais seria inalcançável se estas não agrupassem todos os trabalhadores capazes de ao menos compreender essa noção elementar, se tais organizações sindicais não fossem bastante amplas. E quanto mais amplas sejam estas organizações tanto mais ampla será nossa influência nelas, exercida não somente pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, mas também pela influência direta e consciente dos membros sindicais socialistas sobre seus camaradas.

Dentro dessas lutas econômicas é necessário incluir o fator político-ideológico, não como mero apêndice do debate partidário burguês-colonial, mas como outra dimensão social que incida exatamente no bem-estar dos trabalhadores e das trabalhadoras. Pela natureza dialética do ser humano, como ser social e político, não se pode desvinculá-lo das lutas sociais do país, porque as mesmas manifestam de modo explícito a luta de classes, e é exatamente nesta que se encontra o fator político. Ao desvincular-se dessas lutas sociais reivindicatórias, a classe trabalhadora se afasta de sua base social, que são os despossuídos e os oprimidos.

Evidentemente, essa luta política deve estar orientada no sentido de como combater o inimigo de classe e também no sentido da reivindicação da libertação nacional de Porto Rico, como primeira etapa de um processo de construção do socialismo e da emancipação da classe trabalhadora. Não obstante, os trabalhadores devem estar conscientes, particularmente os dirigentes dos sindicatos, de que suas organizações sindicais não são instrumentos de luta política, mas estruturas de fogo contra o capital no campo econômico e que, no campo organizativo, levarão os elementos mais conscientes a organizar-se politicamente.

Na historia recente os exemplos da China, Vietnã, Cuba e Coreia Popular demonstraram que, durante o desenvolvimento de suas lutas de libertação nacional, houve uma transformação na consciência revolucionária das massas que as levou de uma luta “independentista” ao estabelecimento da construção de uma sociedade superior: a sociedade socialista. Este desenvolvimento na consciência das massas se solidificou na compreensão, por parte delas, de que o projeto de “independência” não correspondia nem satisfazia aos interesses dos trabalhadores e das massas despossuídas, mas sim das burguesias nacionais que os exploravam.

É dento desse contexto que ganha relevância a libertação nacional de Porto Rico, como uma etapa intermediária no desenvolvimento da luta de classes no país, no bojo da qual as massas irão adquirindo consciência sobre o porquê de sua situação e de seu verdadeiro papel no processo produtivo. Certamente, não podemos descartar que, no desenvolvimento dessas lutas de classe, se possa construir o socialismo junto com a libertação nacional, já que um conduz irremediavelmente ao outro.

Na América Latina, muito embora seus países sejam repúblicas, na prática são repúblicas neocoloniais, sujeitas ao controle econômico e militar dos Estados Unidos. Este controle encontra-se assentado em burguesias nacionais anexionistas, em aparelhos estatais altamente burocratizados e exércitos treinados nos Estados Unidos.

O caso da Venezuela pode ser apontado como um exemplo claro de como tem se aprofundado a luta de classes, o que tem gerado e desenvolvido um processo de libertação nacional. Tal processo democrático popular utiliza como postulado teórico fundamental o “Socialismo do Século XXI”, para diferenciá-lo de outros processos, dando-lhe um matiz mais autóctone, mais democrático. Porém, essa vertente do “socialismo” nega a tomada do poder pelos trabalhadores e despossuídos, assim como o derrocamento da burguesia e a ditadura dos trabalhadores enquanto passos necessários e conduzentes à construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, como tem demonstrado a história. Esta “coexistência” com as classes exploradas e parasitárias do imperialismo tem lhe trazido inumeráveis problemas para controlar os meios de produção, evidenciado no golpe de estado de abril de 2002 e na greve petroleira da PDVSA.

Segundo o “Socialismo do Século XXI”, o controle do poder político e dos recursos naturais é possível como primeira etapa que conduz a um processo de construção do socialismo, onde, certamente, o processo produtivo continua sendo eminentemente capitalista. Em suma, segundo tal perspectiva, é possível fazer uma transição pacífica rumo ao socialismo, proposição que tem sido destroçada pela historia da luta proletária em nível mundial.

Não obstante, considerando a situação atual cabe perguntar-nos: como conseguir que os trabalhadores façam sua, como projeto histórico, a conquista da libertação nacional? Como libertá-los ideologicamente das garras da propaganda capitalista e imperialista e integrá-los às lutas sociais cotidianas? Na etapa em que se encontra atualmente a luta de classes em Porto Rico, a tarefa de todos os socialistas, comunistas e lutadores sociais deve se orientar no rumo da incorporação aos trabalhadores e dos oprimidos, para além de seus contextos imediatos, integrando-os a tarefas organizativas e de luta política em suas comunidades.

O papel do Estado como instrumento de exploração

O Estado, como aparelho social, joga um papel fundamental enquanto instrumento de dominação de uma classe sobre outra. O Estado abarca e se manifesta em todas as dimensões da vida dos trabalhadores, explorados e oprimidos, e é por meio dele que as classes dominantes conspiram para aperfeiçoar os métodos de exploração das massas. É um sistema de dominação social no qual aqueles os quais oprime não percebem que, efetivamente, vivem em uma prisão sem paredes.

O povo, em mais de uma ocasião, tem comprovado como a complexa rede de “instituições” estatais – como os tribunais, o legislativo, os sistemas de educação, fazenda, planejamento, os corpos paramilitares entre outros – são utilizados pela burguesia para reprimir e alienar seu patrimônio coletivo.

Dentro dessa trama, historicamente, existem dois pilares que se tornam fundamentais para a sustentação do Estado burguês-colonial, e que, por sua vez, servem de ligação direta com as classes dominantes: a burocracia e o exército permanente. Lênin viu com suma claridade sua relação dialética: “O Poder estatal centralizado, característico da sociedade burguesa, seguiu na época da queda do absolutismo. Duas são as instituições mais características desta máquina de Estado: a burocracia e o exército permanente”. E, em seguida, acrescentou: “A burocracia e o exército permanente são um “parasita” aderido ao corpo da sociedade burguesa, um parasita formado pelas contradições internas que dividem esta sociedade, mas, precisamente, um parasita que “tampa” os poros vitais.”

O povo porto-riquenho está consciente de que o burocratismo é o germe da corrupção governamental, que tem se disseminado por todos os níveis e setores sociais como um modo de vida. Porém, é ainda mais relevante destacar o papel dos corpos armados repressivos paramilitares e sua estreita relação com a pobreza em Porto Rico. Por que existe uma quantidade tão desproporcional de elementos armados por cidadão, divididos em diversos organismos como a Guarda Nacional, a Polícia Estatal, a Polícia Municipal e as companhias privadas de segurança? Qual é o seu vínculo com as condições atuais de pobreza e de marginalização? Constantemente vemos como se aumenta a quantidade de policiais para “combater o crime”, mas não se analisa sociologicamente as causas dessa criminalidade. Em nenhum momento elas são vinculadas às próprias contradições do sistema capitalista, que causam o empobrecimento desses setores marginalizados e que os conduzem às atividades delitivas, para participarem da obtenção excessiva de bens de consumo a que são induzidos.

As classes dominantes são plenamente conscientes da alta possibilidade de convulsões sociais, que se manifestam constantemente como consequência dessa pobreza e dessa marginalização . Torna-se evidente que a proliferação de tais corpos paramilitares “de elite” surge como um resultado direto da luta de classes. Lênin expressou magistralmente o papel desses organismos aramados nas sociedades burguesas:

Se é impossível, é porque a sociedade civilizada se encontra dividida em classes inimigas, e além do mais irreconciliavelmente inimigas, cujo armamento “espontâneo” conduziria à luta armada entre elas. Forma-se o Estado, cria-se uma força especial, destacamentos especiais de homens armados, e cada revolução, ao destruir o aparelho do Estado, nos indica bem visivelmente como a classe dominante se esforça para restaurar os destacamentos especiais de homens armados a seu serviço; como a classe oprimida se esforça para criar uma nova organização desse tipo, que seja capaz de servir não aos exploradores, mas aos explorados.

Em Porto Rico, historicamente, a burguesia colonial tem utilizado a repressão como arma de dissuasão contra movimentos independentistas e socialistas. Contudo, não foi antes da década de 1930 que – em conluio com as agências repressivas ianques, como o FBI e a Inteligência Militar – começou uma perseguição sistemática a todas as organizações e movimentos independentistas de libertação nacional. Entre as técnicas repressivas estavam o carpeteo , a perseguição trabalhista, a prisão e o assassinato físico. Esse foi um fator que freou definitivamente o avanço dos movimentos progressistas e revolucionários por mais de quarenta anos, principalmente por razões de estigma social e de medo da repressão. Durante a década de 1960, colaboraram com os aparelhos repressivos ianques, numerosos agentes terroristas cubanos exilados na ilha, como o Alpha 66, que promoveram o assassinato de vários militantes da esquerda porto-riquenha, como cubanos residentes, solidários com a Revolução Cubana. Até hoje muitos desses casos continuam sem esclarecimento, a pesar do FBI contar com as evidências necessárias para resolvê-los.

É dentro da sociedade burguesa atual (pois temos sido incapazes de libertar-nos do colonialismo pseudodemocrático burguês) e de seu aparelho estatal, onde os impérios midiáticos servem como instrumento de alienação em benefício das classes dominantes, por meio dos quais se modifica a conduta, os valores e aspirações das classes exploradas.

Em tais impérios midiáticos se glorificam as virtudes e vantagens do sistema capitalista diante da alternativa real e possível do socialismo. Com sua propaganda impiedosa e seu controle quase absoluto dos meios de comunicação, tergiversam e demonizam as ações afirmativas da classe operária e influenciam constantemente os trabalhadores com as grandes virtudes da sociedade de consumo desmedido, com efeitos devastadores na consciência de classe de um amplo setor dos trabalhadores porto-riquenhos.

Este é um dos instrumentos principais do Estado, paralelo aos aparelhos de repressão policial, no abrandamento de movimentos trabalhistas reivindicatórios, através do qual os setores operários menos conscientes têm sido programados para acreditar que, uma vez dotados de posses materiais, não somente serão vistos como burgueses, como serão aceitos pela própria burguesia. Essa falsa concepção da “ascensão de classe” funciona como um convincente estímulo, dentro das sociedades capitalistas, para que as classes oprimidas se deixem explorar por consentimento para que, assim, possam consumir artigos dos quais não necessitam. Ou seja, arrancam-lhes sua consciência de classe. Porém, não é apenas o fato de que lhes têm despojado de sua consciência de classe, mas de que “a mídia” tem sabido manipular esses setores trabalhadores para que apóiem decididamente as posições reacionárias das classes que os primem (recordemos a luta pelo sales tax e a vergonhosa “Marcha por mis Habichuelas” ou, em português, “Marcha pelo meu feijão”).

Essas condições materiais de falsa opulência e abundância influem dialeticamente nos movimentos sociais, nos quais, de um lado, alguns setores politicamente atrasados defendem sua própria exploração e a alienação de seu trabalho. Enquanto que outros setores, igualmente explorados e empobrecidos, porém mais avançados politicamente, radicalizam progressivamente suas lutas, assumindo posturas mais intransigentes em relação ao modelo capitalista.

Transformação da classe trabalhadora em Porto Rico

Como consequência das transformações do próprio sistema capitalista mundial, a economia de Porto Rico tem se transformado de agrícola, passando pela manufatura, em finalmente uma economia de serviços. Isto cria claramente enormes desvantagens para a classe trabalhadora porto-riquenha. Mas, além disso, reflete diretamente na sua configuração devido a que já não existe em Porto Rico um “proletariado” no sentido industrial, como existiu durante a Operação Mãos à Obra, nas décadas de 1950 e 1960. Uma parte importante da força de trabalho do país tem sido “reinserida” no setor de serviços, que é atualmente uma das atividades econômicas de maior importância do país. Este “exército” de trabalhadores, em sua maioria sem qualificação, está totalmente desprovido das proteções elementares gozadas pelos trabalhadores e trabalhadoras sindicalizados, entre as quais se encontra, precisamente, o direito de se organizar em sindicatos.

Esse setor da classe trabalhadora tem sido capturado no subemprego ou jornada parcial. Esta tem sido uma medida implementada de forma crescente pelos donos do capital para anular as conquistas alcançadas pelos(as) trabalhadores(as). Em Porto Rico, em 2004, 28% da classe trabalhadora ou 386 mil trabalhadores(as) produzem mais-valia sob tais condições de exploração, chamadas de “jornada especial”.

A transformação na configuração da classe trabalhadora em Porto Rico reflete essa evolução do sistema capitalista em nível mundial, o qual, para sobreviver, tem que realizar constantes ajustes para atenuar as contradições que ameaçam sua própria existência. Tais ajustes são visíveis regularmente nos fechamentos de fábricas (que se transferem para países com menos controles e leis trabalhistas frouxas), na demissão de trabalhadores (visando o barateamento de custos), nas fusões de grandes grupos comerciais e tecnológicos (que desembocam em demissões e cortes de benefícios).

A economia de dependência, estruturada nas importações, as transferências de subsídios federais e o colapso de subsídios a empresas estrangeiras agrupadas nas chamadas “936”, durante a década de 1990, sem dúvida, têm causado uma maior atomização dos setores trabalhadores que trabalhavam nas mesmas. Em alguns casos, esses setores se integraram a outros ramos da economia, distintos dos que atuavam antes, desperdiçando seus conhecimentos técnicos. Em outros casos, desenvolveram negócios próprios com relativo sucesso ou passaram a engrossar as fileiras do desemprego. Em todos os casos, todo este reordenamento da estrutura do grande capital, vendida com tanto alarde e triunfalismo, desembocou em um prejuízo acelerado e progressivo para as classes trabalhadoras e para o povo em geral.

Deve-se acrescentar ainda a destruição da agricultura , que formou parte do projeto de “industrialização” da década de 1950, a qual segue sendo descartada de qualquer plano econômico elaborado pelas agências coloniais. A mesma tem sido eliminada como futuro projeto econômico, suplantada pela utilização de suas áreas tradicionais para satisfazer a voracidade dos empresários da construção. Esta concepção econômica dos “Puerto Rico Inc. Boys”, personificados na burguesia financeira incrustada em posições chave dentro do governo, elimina a possibilidade da agricultura ser retomada no futuro, tanto como via para aliviar o desemprego, como para garantir a soberania alimentar. A agricultura deverá ser a base em qualquer projeto de libertação nacional promovido pela classe trabalhadora, junto com outros setores marginalizados, como meio estratégico para iniciar um verdadeiro desenvolvimento social e econômico.

O que fazer? Por onde começar?

Não é necessário ser um cientista social nem um grande teórico marxista para se dar conta de que a imensa maioria da sociedade porto-riquenha é composta pelas classes trabalhadoras, as massas de despossuídos e marginalizados. Não obstante, dadas as condições de “suposta” abundância material em Porto Rico, causadas em grande medida pelas “ajudas” federais , os setores sociais afetados por essas transferências, alguns marginalizados, outros oportunistas, têm se convertido em um lúmpen que forma a base social de apoio do regime colonial. O efeito psicológico provocado sobre esse corpo social é claro: criar um sentimento de impotência que não permita vislumbrar ações organizativas revolucionárias a partir das bases para construir um processo de libertação nacional. Por outro lado, tal sistema cria vínculos de lealdade, não somente em relação às metrópoles, mas também em relação ao sistema capitalista em geral.

Além disso, a ilha, ao estar convertida em um paraíso do jogo, do narcotráfico e da lavagem de dinheiro, provoca especial alienação em diversos setores sociais, inclusive dentro da própria classe trabalhadora. Por isso é dever de todo socialista e comunista fazer o trabalho político em seu entorno mais próximo, envolvendo-se em todas as lutas ambientais, comunitárias e trabalhistas, difundindo a teoria marxista-leninista entre as massas, destacando que todas essas lutas são produto da luta de classes.

Como se manifesta a luta de classes em todas as lutas sociais, ambientais, comunitárias, pelos direitos da mulher, da comunidade GLBT, entre outras? O denominador comum em todas elas é como as classes dominantes tentam apoderar-se, para seu benefício, de todo o patrimônio coletivo, o que é traduzido na apropriação dos recursos naturais; desalojamento de comunidades históricas em favor da construção de residências luxuosas (limpeza social?); exploração, por causa de gênero, de milhares de mães trabalhadoras e negação de direitos civis fundamentais dos homossexuais. Não obstante, a luta de classes em Porto Rico tem se manifestado de maneira grotesca no âmbito das lutas ambientais. A dilapidação e a depredação do patrimônio ecológico evidenciam, de maneira contundente, como a voracidade do sistema capitalista ameaça a própria existência da humanidade.

Essa ofensiva das classes dominantes, em diversas frentes, tem criado uma enorme resistência dos setores sociais mais avançados, a qual se expressa nas numerosas organizações comunitárias, organizações defensoras do meio-ambiente, de luta contra o militarismo, entre outras. O caso de Vieques e a utilização da costa para bases militares se convertem na destruição, ao longo do século XX, dos meios de subsistência e de produção das comunidades litorâneas e na inviabilização do desenvolvimento dessas terras para a agricultura. Acrescenta-se a isso o desalojamento das comunidades que se encontravam nessas regiões, as quais têm sido transferidos para casas rústicas isoladas e para cinturões de pobreza. Todos estes coletivos lutam, consciente ou inconscientemente, contra o sistema de exploração capitalista.

Porém, como devem se integrar os militantes socialistas e comunistas nessas lutas? Quais devem ser suas tarefas e responsabilidades? É imperativa a integração dos militantes socialistas e comunistas dentro de todas essas lutas sociais porque vinculam sua organização política às massas. Tal integração deve se dar na condição de colaboradores, organizadores, agitadores e, sobretudo, de educadores, sem pretensões de chegar a tomar o controle da direção das mesmas. Deve levá-los à consciência de que têm a capacidade de gerar mudanças, não somente em seus contextos imediatos, mas em nível nacional. Esse trabalho deve se realizar sem demagogia nem oportunismo, devido a complexidade das dinâmicas sociais que geram as mudanças.

Os militantes socialistas e comunistas devem ser conscientes de que o trabalho político e de colaboração com os movimentos de massas deve ser abnegado, minucioso e muito paciente. Estes, por sua vez, devem conceber-se como pedagogos populares. Dessa maneira, por sua preparação e integridade na luta irão se destacando dentro dos coletivos e eventualmente, serão reconhecidos por seus integrantes através da prática, como dirigentes, como sua vanguarda.

Outro aspecto fundamental é que para poder encaminhar a classe trabalhadora e, como consequência, as massas rumo a esse projeto revolucionário que os reivindique como classe, é preciso armá-los com uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo. Mas a educação política dos trabalhadores e das massas não deve se dar em um contexto isolado da própria prática revolucionária, mas concomitante à luta, em forma de organização política, como eixo fundamental para resistir as investidas do capital e poder estabelecer a ofensiva nas distintas frentes de luta. Dessa maneira, na medida em que se vá desenvolvendo em suas respectivas lutas, irão se dando conta das contradições do sistema capitalista e de como se manifesta a luta de classes em seu caso particular.

Considerações finais

Torna-se evidente que os movimentos operários, sociais e a esquerda do país estão passando por um processo paulatino e acelerado de transformação, no qual se ensaiam novas formas de organização e de luta. Também é evidente que esses movimentos, por suas contradições internas, não têm sido efetivos em atrair para seu seio as massas do povo porto-riquenho. Isto se traduz em deficiências organizativas e em métodos artesanais de trabalho que manifestam sua debilidade incipiente.

Contudo, sem pretender soar triunfalista, em Porto Rico certamente poderiam se criar as condições que nos levem a desenvolver uma luta revolucionária exitosa. Mas, para conseguir este objetivo inicial, exige-se muito trabalho, além do aperfeiçoamento das nossas formas organizativas e da difusão de nossas ideias. O grande descontentamento imperante entre amplos setores do país, diante da situação colonial e da miséria espiritual e social gerada pelo sistema capitalista, está penetrando cada vez mais fundo. As massas no país se mostram mais receptivas a modelos sociais e econômicos distintos do capitalismo, concretamente, ao socialismo.

Muito embora seja verdade que exista um setor politicamente influente, porém muito atrasado, o qual é manipulado por considerações puramente econômicas, suas próprias contradições ideológicas surgirão com maior força quando suas lealdades forem postas à prova, tal e como se evidenciou no caso da luta em Viegues. Este setor não se limita a determinada classe social ou a uma “ideologia” em particular, e sim abarca diversos segmentos sociais que apóiam a anexação, a atual relação colonial e a independência. Dentro destas três ideologias se encontram setores sociais com ideias avançadas, assim como outros sumamente conservadores, os quais reagirão aos movimentos populares e dos trabalhadores de acordo com seus interesses de classe. Como tem demonstrado repetidamente a história, quando os movimentos sociais revolucionários adquirem momentum e se convertem em verdadeiros movimentos de massas, não há sistema político ou mecanismo de repressão que lhes resista. A burguesia e seus sequazes nos lançam um novo desafio: resta-nos, de nossa parte, devolver-lhes a investida.

Membro da Refundación Comunista de Puerto Rico

Texto traduzido por Eugênio Rezende de Carvalho

Referências citadas

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DIETZ, James L. Historia económica de Puerto Rico. Ediciones Huracán. 3ª reimpresión, 2002.
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