A mesa de palestrantes contou com a presença da Diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP e integrante da Escola Nacional de Formação do PCdoB, Madalena Guasco Peixoto, do Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia da UFRJ (LEHC/UFRJ), Carlos Eduardo Martins, e da Coordenadora Geral do DCE da UERJ, Natália Trindade. A mediação foi feita por Luana Bonone, presidenta da Fundação Maurício Grabois do Rio de Janeiro.

Madalena mostrou que o marxismo sempre teve como princípio inerente a atualização pelas crises e transformações do capitalismo. Portanto, falar em crise do marxismo sempre foi um jogo retórico perene das classes dominantes para tentar tirar a teoria revolucionária da disputa de ideias.

Segundo ela, discutir a atualidade do marxismo é importante para mostrar que não se trata de dogmas, mas de um pensamento que se atualiza diante dos desafios à teoria revolucionária. Mostra que é uma teoria viva, e como tal, só consegue se desenvolver se consegue conhecer e interpretar os novos fenômenos da atualidade. “No grande debate de ideias da atualidade, o marxismo não está imune de questionamentos”.

A disputa das ideias por uma força material

É procedente discutir o marxismo nesse cruzamento com o pós-modernismo, pois parte dessa corrente afirma que o marxismo perdeu sua atualidade, como todas as teorias que se caracterizam como “metanarrativas totalizantes”. “Como se alguma teoria não fosse totalizante”, ironiza ela.

A pós-modernidade se propõe ser a expressão de uma crise de grande amplitude da modernidade, e de tudo que foi produzido nesse período, como o marxismo. O próprio marxismo passou por uma revisão crítica, como faz Eric Hobsbawn em “Marxismo, hoje, um balanço aberto”. Ele detecta três momentos de crise do marxismo: como na década de 1950, quando se inicia o Estado de Bem-Estar Social. “Não se trata de uma crise do socialismo ou da falência das teorias socialistas, pois o socialismo saiu vitorioso da guerra. O caráter da crise é a emergência do estado de bem-estar social, que se impõem devido à vitória do socialismo no pós-guerra”, salienta.

No período de 1960, há uma segunda crise que se discute em função do próprio sistema econômico socialista, seguida de outro questionamento no final do século XX com o fim das experiências no Leste Europeu, que colocam o marxismo num novo patamar crítico. Perry Anderson também faz sua crítica em diferentes momentos do marxismo.

O próprio Lênin publica em 1913 dois textos, um pouco conhecido, Crise Histórica do Marxismo, e outro mais famoso, As Vicissitudes do Marxismo, onde ele diz que o marxismo se desenvolve em crise. “Então, a crise é, ao mesmo tempo, a atualidade do marxismo, pois a cada vez que novos fenômenos acontecem, o marxismo se renova”, observa Madalena.

Nestes textos, ele mostra como esse paradoxo se dá, não apenas na disputa com as correntes teóricas liberais, como também no próprio desenvolvimento do capitalismo.

A dialética da história é tal – escrevia Lênin – que o triunfo teórico do marxismo obriga seus inimigos a disfarçar-se de marxistas. O liberalismo apodrecido internamente, tenta renascer sob a forma de oportunismo socialista. (Vicissitudes do Marxismo)

Decretar a falência do marxismo enquanto teoria é parte dessa estratégia. Ou seja, o marxismo, desde o início, teve que se debater com esse tipo de crítica. “As crises do marxismo têm data pra acontecer, e não se estabelecem porque alguém as afirma, mas estão ligadas ao desenvolvimento do capitalismo”, aponta a educadora. Assim, a crise que levou ao fim das experiências socialistas do Leste Europeu deu um novo alento às concepções burguesas, porque foi uma derrota estratégica.

As ideias, na concepção marxista, ou no método chamado materialismo histórico dialético, não surgem do nada, descoladas da realidade. Mesmo não tendo conexão direta com a realidade, mas representam um determinado momento histórico. Cabe a análise da teoria buscar sua origem. E sua origem nos obriga a entender o que está por trás de uma teoria.  Madalena indaga quais são as bases materiais dessa ideia. “Para se tornar força material, uma teoria precisa ter base nos elementos da realidade. E toda teoria político-social precisa ter força material para ser relevante. Precisa ter conexão com a realidade”.

Na “Ideologia Alemã”, Marx diz que é preciso considerar que nas sociedades de classes, as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes. Madalena acrescenta ainda o trecho em que Marx explica que se na concepção do curso da história desligarmos as ideias da classe dominante da classe dominante, se lhes atribuirmos uma existência autônoma, sem nos preocuparmos com as condições da produção, dominam ideias cada vez mais abstratas, isto é, ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade.

“Desta forma, o método dialético nos orienta como travar a luta de ideias. Digo isso, porque vamos analisar um conjunto de ideias denominadas pós-modernas”, diz.

Ela denuncia que a concepção de que na modernidade houve uma universalização das ideias, foi um trabalho desenvolvido pelos ideólogos da burguesia. A modernidade expressou contradições, também, como a de que o homem é centro de uma concepção transformadora do mundo.

Uma concepção transformadora da História

A concepção de História no marxismo se difere da hegeliana, puramente intelectual, para uma práxis. Marx busca um fio condutor da história, busca uma conexão entre os fenômenos, e não sua particularidade, busca entender a tendência geral da história. Isso a torna uma ciência, uma práxis. A história também é uma ciência das transformações, da mudança. “Por isso, é inconcebível para o marxismo falar em fim da história ou o fim do seu movimento”.

O marxismo é produto da modernidade, dos valores burgueses progressistas, como aqueles de que o homem transforma a história; mas também é crítico dessa modernidade, ao apontar suas contradições, como a capacidade produtiva do capitalismo apropriada e concentrada nas mãos de uma classe minoritária, em detrimento do trabalhador.

“É nesse sentido que podemos analisar as duas grandes correntes pós-modernas”, distingue Madalena. Esta que nega as teorias totalizantes, tanto o liberalismo, quanto o marxismo. E outra que entra no debate de outro modelo, a partir da novidade desse período. “Portanto, é preciso atentar para essa corrente progressista da pós-modernidade, em contraste com essa a-histórica”, atenta ela.

A penetração dessas teorias na universidade geraram uma certa desconfiança. Uma desconfiança gerada pelo fato de que são teorias que se recusam serem analisadas, já que negam as teorias de análise existentes. “Esta é a grande armadilha”.

Essas ideias entraram na universidade e seus círculos intelectuais, de acordo com Madalena, mas querem se tornar “força material”, por isso chegaram ao senso comum, “mas também na nova formatação dos movimentos sociais e políticos”.

Segundo relata ela, essa corrente surgiu no Brasil questionando o caráter das frentes políticas, dizendo que não fazia mais sentido a política tradicional e a luta de classes, e que os novos movimentos sociais, por si só,  levariam a uma emancipação democrática. Dessa forma, partidos e movimentos deixam de falar em luta de classes, para não serem taxados de atrasados. A luta dos movimentos se trava dentro dos marcos de uma disputa por espaços na “democracia sem fim” capitalista, em que a desigualdade econômica é a única realidade possível, iludindo-se com as possibilidades de avanço emancipatório a partir das transformações tecnológicas. “Jean-François Lyotard tem grande esperança na quarta revolução industrial”, menciona ela.

O mapeamento dessa corrente é complicado, porque, como o marxismo, ela deixou de ser apenas uma teoria filosófica para interpenetrar os mais diversos âmbitos do conhecimento.

Para facilitar a compreensão, Madalena faz um corte político, social e econômico. De um lado, todos dizem que o capitalismo mudou e essa nova realidade não comporta mais os princípios da modernidade. Expressa-se em diversas manifestações subjetivas como o pós-marxismo, pós-estruturalismo ou pós-modernismo, se auto-analisando de forma específica a partir dessas referências. “István Mészáros fala em ideias que buscam desvendar as ideologias, a partir de uma lógica em que acabou a ideologia”.

Uma concepção conservadora e reacionária de História

Quais são as teses pós-modernas? não existe mais estrutura ou conexão estrutural, portanto não há como fazer análise causal da estrutura. Baudrillard diz que só existe o singular, que é construído, portanto não existe realidade, nem qualquer possibilidade de conexão. Lyotard diz que todos que tentaram entender a conexão entre os fenômenos sociais eram narrativas como quaisquer outras. Como não existe estrutura, sem possibilidade de conexão, só existem fragmentos e contingências, que não podem sequer ser articulados. Definições próprias de uma sociedade de consumo, como diz Baudrillard.

Como defendem o fim da história, a irrelevância das metanarrativas faz com que não haja a noção de progresso (noção criticada pelos pós-modernos) e princípio de causalidade. Desta forma, a história se torna um processo que não pode ser entendido (nem operado) pela inteligência humana, portanto, deixou de ser ciência. Em lugar de história, se fala em um conjunto heterogêneo e anárquico em que se revelam as diferenças.

Madalena destaca o grande esforço do marxismo em conceber uma teoria da história. “Quem faz a crítica adequada do determinismo histórico de algumas correntes marxistas, apenas revela que a história é constituída de tendências e possibilidades amplas e um conjunto heterogêneo”, salienta a professora. Assim, a crítica legítima para que a história não seja uma análise esquemática da realidade, passa a ser para os pós-modernos um argumento para sua teoria do fim da história. A história não passa de um conjunto de heterogêneos num caos. Se é impossível entender a história, não é possível agir sobre ela, porque caótica e desconexa.

Esses autores convergem na ideia de que vivemos numa sociedade de consumo, em que tudo se dissolve em jogos de linguagem ou signos, na heterogeneidade, e portanto, é uma sociedade da permanência dela mesma. Portanto, o marxismo é criticado por essa corrente porque diz que é possível transformar o mundo.

A humanidade e a heterogeneidade humana

Outro problema levantado pela pós-modernidade é a impossibilidade da concepção de gênero humano. O filósofo italiano Domenico Losurdo resgata em Lênin a ideia de que o marxismo nunca defendeu que a modernidade depende de liberdade e igualdade. “O marxismo sempre disse que as diferenças no gênero humano na sociedade de classes se transformam em desigualdade. Mas o gênero humano não é formado por indivíduos únicos; em vez disso, o que Lênin levanta é que a possibilidade de atingir a unidade do gênero humano se dará quando as diferenças de classe deixarem de produzir desigualdade”, esclarece ela.

Assim, o pós-modernismo nega a própria noção de objetividade, pois o que há são disputas de narrativas. “Isso lembra os autores modernos que caíam no relativismo. Portanto, essas concepções são idealistas e de cunho subjetivistas”, ataca ela.

A pós-modernidade como processo transformador

“Ora, há um campo progressista na pós-modernidade, representada por autores como Frederic Jameson e David Harvey, que acreditam que o capitalismo engendrou uma nova realidade, que o marxismo, particularmente aquele desenvolvido por Lênin, é incapaz de analisar ou ter caráter transformador”, sinaliza Madalena.

Jameson fala que o “capitalismo tardio” vai criar uma nova lógica cultural. A noção de igualdade se expressa em termos de respeito às diferenças, e a noção de liberdade, na capacidade do indivíduo poder se expressar em sua diferença mais subjetiva, se associando para defender essa diferença (e lutar contra outras heterogeneidades). “A democracia, portanto, nada mais é que a luta entre essas diferenças, já que o capitalismo não está em questão, portanto, as diferenças de classe não são o centro dessa disputa”.

Surgem então os movimentos sociais de luta micropolítica. “Não significa que as desigualdades sejam apenas as desigualdades de classe, pois o capitalismo produz desigualdades diversas, em especial na atualidade. Mas os movimentos não podem acreditar que estarão resolvidas suas demandas em si mesmos, desarticuladas das demais desigualdades engendradas pelo capitalismo”, critica ela.

O risco multiculturalista

As dimensões de nação e local também são eliminadas pelo capitalismo. Harvey, no entanto, aponta, em uma relevante obra, a importância do “local” como novas formas de fazer política. A globalização também se enfrenta nas suas contradições locais, diria o geógrafo britânico.

Madalena, como filósofa da educação, diz com propriedade que o multiculturalismo surgiu na educação como forma de discutir as desigualdades na escola, não nas correntes pós-modernas. O multiculturalismo também tem sua vertente progressista ao entender que desigualdades como racismo e machismo também se resolverão a partir da transformação histórica. “O multiculturalismo é uma questão complexa que não pode ser usada para justificar qualquer atitude do fragmentário. A atitude do fragmentário tem a ver com a pós-modernidade conservadora e reacionária”, acusa.

Para concluir a tarefa árdua de resumir um tema tão complexo, Madalena resume suas considerações finais apontando a necessidade de estudar a luta de classes com suas novas características engendradas pelo capitalismo e suas revoluções industriais. Se não houver uma luta ideológica, em sua opinião, não será possível vencer a luta econômica ou política.

É preciso resgatar a importância da luta nacional contra o neocolonialismo e elaborar políticas no âmbito dos movimentos sociais de lutar pelo fim das desigualdades, não da permanência delas, em termos de resgatar o gênero humano. “E também resgatar a luta no mundo do trabalho, não exatamente nos termos elaborados por Lênin, mas entendendo as diferenças engendradas pelo capitalismo tardio”, conclui.

A derrota da socialdemocracia pelo neoliberalismo

 

Em seguida, o professor da UFRJ, Carlos Eduardo Martins, pontua que a modernidade é um projeto de racionalidade capitalista ancorado na ideia de progresso que buscou vender a ideia de que este sistema econômico promoveria a emancipação do homem da sujeição frente à natureza e do jugo da opressão. Promessas que se cumpririam com o progresso técnico e a ciência em função da indústria, que livrariam o homem da escassez e o liberalismo político libertaria o homem da sujeição às corporações, as opressões, à religião, etc.

O marxismo se articula em parte com este legado e o supera, teoricamente, como projeto histórico, na opinião do sociólogo. O marxismo critica este projeto capitalista, por não eliminar a sujeição do homem pelo homem, mas assentar a exploração do trabalho; além de não retirar o homem da escassez e do exercício do poder arbitrário por aqueles que detém a riqueza e o controle sobre o estado. O marxismo critica a noção de estado capitalista ancorado na burocracia, que não leva à emancipação humana. Embora reconheça os avanços da modernidade capitalista, o marxismo denuncia as catarses bélicas que o capitalismo engendra para avançar e o imperialismo que subjuga povos inteiros à sustentação dos mercados avançados. “O liberalismo vai colocar em cena a noção de igualdade, considerando que o homem é dono da sua força de trabalho, tecnicamente livre. Mas há uma profunda desigualdade real denunciada pelo marxismo”, diz ele.

O marxismo vai levar o avanço industrial a países onde o capitalismo falhou. A Revolução Russa é o exemplo mais bem acabado desse processo, na opinião de Martins, ao se comprometer com a industrialização, mas não conseguir eliminar de seu bojo a burocracia típica do estado capitalista. “A Revolução Russa não conseguiu estabelecer a ditadura do proletariado tal qual elaborada teoricamente por Marx, reduzindo a participação coletiva do proletariado na gestão das forças produtivas, o que trouxe deformações para o processo histórico da formação do socialismo”.

Nos anos 1960, relata Martins, avançam questionamentos marxistas que resgatam o Marx dos Grundrisse, afirmando o caráter libertário do avanço tecnológico sobre a divisão tradicional do trabalho, por meio da robótica, emancipando o homem. Essas teses de Radovan Richta formam parte do arcabouço teórico das movimentos de Maio de 1968. Trabalhadores e estudantes dão os braços na ofensiva contra a divisão social do trabalho assentada na burocracia e na hierarquização.

De acordo com a análise dele, o combate capitalista a essa organização trabalhadora se deu com o início do neoliberalismo e na ruptura do pacto keynesiano do pleno emprego, ao apelar para tecnologias de transição que já substituíam o operariado e elevavam o nível de produtividade e lucratividade, enquanto acentuavam o desemprego. O capital desloca grande parte dessa acumulação da produção para a dívida pública, usando o estado como um garantidor dessa dívida.

O capital vai promover em nível mundial um processo de financeirização, em que a acumulação sai do mundo da produção (e do trabalho) para o mundo das finanças (e do capital fictício). Embora descolado do mundo do trabalho, esse capital fictício precisa se efetivar materialmente a partir de uma redistribuição dos produtos gerados pelo mundo do trabalho, elevando dramaticamente a taxa de circulação.

“Assim, o capitalismo levou a uma derrota do projeto pós-capitalista (social-democrata) daqueles movimentos e estrangulou a periferia com suas taxas de juros, quando os Bancos Centrais europeus e americanos tiram da centralidade de suas políticas o pleno emprego e afirma a centralidade do controle da inflação como medida de uma taxa de desemprego aceitável”, explica Martins.

A pressão neoliberal também se impõe como ofensiva aos países socialistas. A redução dos preços do petróleo afeta aqueles países muito dependentes da exploração desse recurso, assim como os gastos crescentes com armamentos estrangulam a URSS na competição com os EUA. O papel desempenhado pela burocracia estatal naqueles países, num momento em que esse poderio político está em queda nos países capitalistas centrais, também pesa contra o avanço da economia socialista, na opinião dele. Martins resgata a análise de Ernest Mandel, de que a burocracia do partido único só fazia sentido num país de classe operária e classe camponesa, para que houvesse uma transmissão geracional do poder pela via do controle político, já que a propriedade privada dos meios de produção não existe.

Assim, a derrota do projeto socialdemocrata europeu e do socialismo real vão colocar o marxismo nessa situação de crise estratégica e vai colocar em ofensiva o que vai ser conhecido como pensamento pós-moderno. A pós-modernidade se afirma, então, em contraposição a uma modernidade entendida como uma civilização intrinsecamente industrial, com um papel fundamental da burocracia, onde o domínio da técnica se impõe sobre a natureza, e o domínio do trabalho intelectual se impõe sobre o trabalho manual.

A microfísica das insurreições

Entre essas vertentes pós-modernas está o pós-estruturalismo de Foucault, que vai escrever contra as experiências do socialismo real, colocando como fundamental pensar o poder no plano micropolítico e desconfiar de qualquer teoria totalizante. “A ideia de que uma teoria para a humanidade ancorada numa classe com vocação universal seria tão ameaçador quanto o projeto liberal”, resume ele, acrescentando que, para a microfísica do poder de Foucault, os poderes são formas narrativas e construções simbólicas que se efetivam. Para o pós-estruturalismo francês, a própria ciência é, inerentemente, parte desse projeto de opressão; daí a ideia de Foucault do projeto genealógico, em que saberes históricos se insurgem contra os saberes científicos sistematizados.  Surgem então os sujeitos insurrecionais de Foucault: doentes mentais, presidiários, mulheres, homossexuais, etnias colonizadas, que devem resolver sua emancipação a partir de articulações locais. “O próprio Estado Nacional é visto com desconfiança, pois seriam um dos instrumentos da opressão colonial”, cita ele.

Esse ideário pós-estruturalista vai substituir o marxismo, nesse período de crise, ao enfatizar uma série de opressões não relevadas pelos teóricos e pela luta de esquerda. “Vai ser uma vertente progressista, sim, porque vai ampliar o vocabulário de opressões do liberalismo, estendendo para uma série de dimensões da existência dentro da sociedade capitalista global. Não se tratava de libertar o homem do jugo religioso, mas se trata de denunciar opressões culturais, certos discursos que se constituem em narrativas de poder assimétricas. Trata-se de reivindicar a insurreição desses grupos que estão dominados e submetidos a esses poderes”, enfatiza ele.

O grande limite dessas concepções, em sua opinião, é não articular essas emancipações com as questões de classe e acabar negando o discurso universalista que possa vincular a classe trabalhadora submetida pelo capitalismo num projeto comum.

Outro grande equívoco do pós-estruturalismo e outras correntes pós-modernas, defende Martins, é tomar certas formas históricas do marxismo como essência, quando eram formas históricas de um projeto de construção colossal. “Toda a história do marxismo é uma historia de construção de um processo de emancipação que pode se derrubar e se levantar novamente. O próprio Marx, na Ideologia Alemã, menciona que qualquer vitória do comunismo que for apenas local, estará condenada a um destino que é ser varrida pela expansão do capitalismo, se não se desdobrar no mundo por outras dimensões”.

Ele também critica a negação de uma teoria da História, que permita entender como se constroem certos processos de emancipação e desarticulá-los da luta de classes.

A irracionalidade neoliberal contra os direitos coletivos

O neoliberalismo, lembra ele, se apropria dessas narrativas de opressão para manipulá-las com a finalidade de promover a dominação do capital. “Se há uma dimensão de denúncia de novas opressões pelo capitalismo e de destruição da natureza no pós-modernismo com uma racionalidade superior àquela da modernidade, por outro lado, há uma dimensão de resistência à racionalidade que aponta na direção do irracionalismo pós-moderno”, afirma ele. Para Martins, o modo como o neoliberalismo atende a necessidades individuais em detrimento de reivindicações coletivas, é uma dessas articulações irracionais promovidas pelo capital na pós-modernidade.

“A defesa do estado mínimo pelo neoliberalismo é uma falácia, em que vemos que os gastos públicos do estado maxi neoliberal são superiores aqueles do estado keynesiano clássico. Um gasto voltado para alimentar a dívida pública e a produção de juros, e para reduzir direitos sociais, mas em termos de volume, muito maiores”, denuncia ele a irracionalidade contemporânea do capital.

A auto-regulação dos mercados é outra falácia, na medida em que o imperialismo é a chave para a sustentação dos mercados avançados a partir da exploração das periferias e destruição dos estados nacionais.

O tratamento do capitalismo tardio às demandas identitárias é considerada por Martins, agressiva, na medida em que se faz de forma competitiva. O inimigo do negro é o branco, o inimigo da mulher é o homem, do gay é o hétero, e nega a cada indivíduo a capacidade de se identificar com o outro e falar de sua opressão. Martins ironiza ao dizer que, segundo essa concepção, Marx não poderia ter elaborado uma teoria abstrata para denunciar a opressão do proletário. “A defesa da ecologia deveria ser feita pelos animais em extinção, não pelo homem que se utiliza da natureza.”

Assim, a necessidade de negar a estrutura, visa a impedir que se pense em qualquer outra estrutura que não seja está que aí está. Martins sinaliza como o neoliberalismo se afirma nas diversas classes sociais, jogando com a promessa de ascensão social, que não é para todos, mas que premia aqueles que merecem, jogando uns contra os outros e eliminando os direitos sociais coletivos. É de sua lógica, e portanto da lógica do pensamento pós-moderno, atacar as organizações coletivas de trabalhadores e oprimidos, atendendo a demandas fragmentárias, causando uma impressão de progressismo, enquanto destrói direitos coletivos.

Diante disso, Martins defende que o marxismo precisa olhar para as demandas identitárias e ecológicas reconhecendo-as como legítimas na ampliação de direitos, mas incluindo-as num discurso de classes, que supere as deficiências das experiências marxistas da modernidade.

A militante de movimentos sociais Natália Trindade analisou a tática de descentralização aplicada por esse novo modelo de capitalismo em diversas frentes, inclusive no atual cenário político do Brasil. “Essa prática individualista ao extremo da pós-modernidade, não deixa que a gente olhe o outro, o coletivo. Isso explica por exemplo, porque o golpe contra Dilma pegou tão fácil no senso comum, porque a gente perdeu a perspectiva da busca coletiva e desrespeitou a maioria que elegeu a presidenta com mais de 50% dos votos”, constatou.

Após as apresentações dos participantes da mesa, foi aberto o debate para o público que pôde tirar dúvidas sobre os temas discutidos. Finalizando a atividade, Luana Bonone, agradeceu a presença de todos e avaliou positivamente a atividade:

“O marco de 100 anos da Revolução Russa serve para olharmos para a história, tirarmos lições, reconhecer os legados e a partir disso traçar caminhos para o futuro. Não é possível compreender o momento que vivemos, em especial em um período tão conturbado da vida política nacional, sem um cuidadoso olhar para o caminho percorrido. O debate de hoje, que discutiu a atualidade do método materialista histórico, ou dialético, diante da profusão de discursos pós-modernos, expressa bem o objetivo do ciclo de debates, de avaliar a história para construir a ação do presente. E os debatedores foram fantásticos, houve uma discussão bastante rica, que ainda pode ser acompanhada por milhares de pessoas via redes sociais”.

O debate é parte do Ciclo 100 anos da Revolução Russa: Legados e Lições. A próxima discussão está marcada para o dia 07/08, com o tema “Os trabalhadores e a Revolução Russa”. Fechando o ciclo, no dia 07/11, a discussão será sobre “Legados e Lições dos 100 anos da Revolução Russa”. Todos eles, no auditório 11 da UERJ.