A visão secular de pôr fim à exploração do homem pelo homem e de progredir no sentido da construção de uma nova sociedade – o socialismo – por meio da superação revolucionária do capitalismo, permanece com mais evidência, e é mais atual.

O socialismo nasce no século 20

O socialismo não é resultante apenas da vontade subjetiva, da vontade humana, mas sim de um processo objetivo das contradições essenciais do capitalismo. É uma exigência calcada na história.

O socialismo nasce e dá os primeiros passos no século XX. A Comuna de Paris, ocorrida em 1871, no século anterior, durou apenas dois meses, circunscrita à capital francesa. Por ser uma revolução extemporânea Marx caracterizou-a, na sua celebre conclusão, como um “Assalto aos céus”.

Mas ele procurou extrair com muito empenho não só a razão dessa heroica epopeia revolucionária e, sobretudo, extrair as lições dessa primeira tentativa revolucionária do proletariado. Esses ensinamentos de Marx, da sua reflexão sobre a Comuna foi uma base inicial para Lênin, quase 50 anos após, ter pelo menos certos lineamentos para a edificação da Sociedade Soviética, que deveria ser implantada.

As experiências históricas de estruturação continuada de um sistema socialista alternativo ao capitalismo começam somente no início do século XX. A primeira experiência – a Revolução Soviética – durou pouco mais de setenta anos. É um tempo exíguo para prevalecer como nova formação política, econômica e social no curso da história. Desde a formação primária do capitalismo foram necessários três séculos para este suplantar o feudalismo.

Na evolução histórica da humanidade, as novas formações políticas, econômicas e sociais de uma nova época, como modos fundamentais de produção, realmente não se realizam de vez, de forma direta e em tempo breve. É um processo histórico prolongado, compreendendo etapas, nas quais o novo que dará a estrutura e superestrutura, a nova sociedade que vai nascendo, envidará combate prolongado com os valores, idéias e instituições da velha sociedade, para poder prevalecer.

Não é iminente a queda do capitalismo, embora, objetivamente, é crescente sua incapacidade de responder e resolver – em verdade, só tem agravado – os grandes impasses, produtos do próprio sistema, que impedem o avanço civilizacional.

Hoje as forças da produção atingem um patamar gigantesco, nunca visto, embasadas no desenvolvimento moderno da ciência, da tecnologia e da inovação. No entanto, as relações de produção capitalistas e o seu regime distribuidor da riqueza, em conjunto, vão sendo cada vez mais impotentes a fim de transformar essa imensa capacidade produtiva e de riqueza em proveito de toda a humanidade.

Em contraste, a verdade é que o capitalismo expõe um sistema crescentemente concentrador, gerando a mais profunda desigualdade social, maior marginalização de enormes contingentes vivendo na pobreza extrema, e profundas assimetrias regionais no nível de desenvolvimento.

Nova luta pelo socialismo

A nova luta pelo socialismo parte da análise das lições das experiências revolucionárias e de construção do socialismo no século XX, sobretudo do primeiro grande empreendimento revolucionário na União Soviética, que neste ano e mês comemoramos seu centenário. Do experimento revolucionário de grande dimensão, vitorioso após a Segunda Guerra Mundial, a revolução chinesa; já em final da década de 1950 é vitoriosa a gloriosa revolução cubana; e em meados da década de 1970 o povo heróico do Vietnam derrota o exército de ocupação do imperialismo estadunidense. E assistimos vários outros importantes acontecimentos revolucionários, como sucedidos na Coréia Popular e no Laos.

A revolução proletária soviética no século 20 teve que se desenvolver e se consolidar em circunstâncias históricas concretas excepcionais e singulares, das quais resultaram dilemas estruturais, que exigiram soluções históricas inovadoras e heróicas.

A evolução da história mundial no século passado tem sido marcada pela implantação e desmoronamento da primeira experiência revolucionária – a revolução soviética. [“Breve século 20”- Eric Hobsbawm]. Ela é um imenso laboratório da experiência revolucionária do proletariado pelo que alcançou e, sobretudo, pelo que causou: vasto impacto transformador em todo século passado. É um gigantesco acervo da história moderna, que transmite lições para as novas lutas revolucionarias de então, e da construção da transição socialista contemporânea.

Hoje, o capitalismo contemporâneo em crise sistêmica e estrutural aprofunda os seus desígnios de maior domínio e vasta exploração global do capital financeiro e monopólios, na forma crescente de capital fictício e rentista; e de insaciável domínio imperialista, que provoca golpes, intervenções, guerras neocoloniais e imposição geopolítica aos países na periferia e semi-periferia do sistema internacional.

A nova luta pelo socialismo transcorre no século XXI em um contexto mundial de profundos desequilíbrios e tensões, transição de novos pólos de poder, desigualdades econômicas e sociais que se agigantam, e persistem as exigências atuais objetivas e subjetivas para uma nova luta que suplante o capitalismo. Por isso os partidos comunistas e revolucionários e todas as organizações amantes do progresso social são indispensáveis e têm vida longa.

Já vai longe, apesar do pouco tempo, o senso comum instalado pelos “profetas” do fim da história e da eternidade do capitalismo, após o fim da União Soviética. Fica mais evidente que – apesar da grande derrota estratégica do socialismo como sistema mundial, na sua primeira experiência – o comunismo na sua etapa socialista não morreu.

Ao contrário, o socialismo nasceu no século XX e continua em nova luta e em nova dimensão no século atual!

Em nossa compreensão buscamos neste conceito de “nova luta pelo socialismo”, interpretar o programa emancipador e o seu curso nas experiências socialistas contemporâneas, nas inúmeras lutas atuais nos países centrais do sistema capitalista, e nos países da periferia e semi-periferia desse sistema mundial, nas quais crescem de variados modos a orientação pela luta anticapitalista e antiimperialista.

Experiências contemporâneas do socialismo

Antes de tudo a construção do socialismo na União Soviética atravessou uma época caracterizada por uma realidade que resultou no dilema estrutural de ter de combinar a construção do socialismo em condições históricas singulares:

Ou seja, a superação acelerada do atraso herdado, em função da situação semiperiférica da Rússia e das condições excepcionais da época, de fim da primeira Guerra Mundial e preparação da segunda Guerra Mundial; e sequer esse primeiro grande feito revolucionário aconteceu nos países capitalistas mais desenvolvidos, como previa Marx; sequer a vitoria da revolução soviética impulsionou o avanço da revolução nos países capitalistas mais desenvolvidos da Europa, favorecendo a consolidação do novo Estado dos sovietes, como previa Lenin.

Esses dilemas estruturais, decisivo para edificação das sociedades socialistas têm hoje, nas experiências chinesa (desde 1978), vietnamita (desde 1986) e, mais adiante, a cubana (desde 2011), alternativas próprias que vêem conseguindo superar os impasses estruturais e dar materialidade ao socialismo na atual quadra histórica.

Essas experiências se distanciam portanto do “modelo soviético” de um período excepcional, abrindo o caminho na transição socialista atual e incorporando formas contemporâneas.

O início dessas experiências revolucionárias mencionadas teve como premissa durante o século XX, a constituição do Estado de caráter nacional, democrático e popular, hegemonizado pelas forças interessadas nessa transição à nova sociedade – os trabalhadores, camadas medias aliadas e forças patrióticas.

Em todas elas a questão nacional – independência e soberania – tem sido primordial tanto para a conquista do poder de Estado, quanto para a construção do socialismo, através da formação de um Estado nacional de democracia popular poderoso, com instituições políticas e jurídicas originárias do êxito revolucionário, que hoje dirigem essas experiências.

Duas questões que enriquecem o debate sobre o socialismo contemporâneo

O debate sobre a configuração do socialismo contemporâneo é enriquecido por duas questões:

Primeira questão: Quando se volta a Marx, na Crítica ao Programa de Gotha, ele delineia que o socialismo é um extenso período histórico da transição entre o capitalismo e o comunismo, cujo princípio distribuidor da riqueza no socialismo é “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo o seu trabalho”.

Assim, pode transcorrer nessa longa transição, a partir do início, a adoção de formas variadas de propriedade, persistência da economia de mercado, sob orientação do Estado socialista, sendo o trabalho a medida da distribuição da renda e da riqueza. É também de Marx a visão esboçada de que a nova sociedade nasce das “entranhas da velha sociedade”.

Como também, a mudança da infraestrutura econômica e social não reflete uma mudança automática na superestrutura e, sobretudo, na consciência social das pessoas, exigindo um processo mais longo e complexo.

A segunda questão que enriquece o debate é quando vem à superfície o contexto histórico: O socialismo irrompe desde o início do século 20 em sociedades capitalistas relativamente atrasadas ou pré-capitalistas, impondo às forças dirigentes como tarefa primária de criarem (desenvolverem) a riqueza material e não de socializarem a riqueza material (in)existente – por isso a centralidade do desenvolvimento das forças produtivas nas experiências socialistas.

Na visão marxista, o socialismo tem como pressuposto elevada riqueza social – daí o previsto era surgir nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas – que lhe permita afirmar o socialismo como superior ao capitalismo. De forma direta não há socialismo na pobreza, cujo efeito seria generalizar a miséria.

O Socialismo no curso histórico contemporâneo

Compreender a construção do socialismo no curso histórico contemporâneo, tanto nas experiências atuais quanto nas passadas, reside no fato de o socialismo existir e operar dentro dos marcos de uma economia globalizada hegemonizada pelo capitalismo e seus monopólios produtivos e financeiros.

Em suma, as etapas iniciais do socialismo estão envoltas em condições objetivas e subjetivas herdadas do capitalismo e acontece em sociedades cuja base material ainda é de escassa riqueza social, cercada pelo capitalismo globalizado.

Portanto, a configuração do socialismo contemporâneo nas condições históricas atuais, segue caminhos baseados na teoria marxista-leninista e o seu desenvolvimento, conforme as peculiaridades de cada país.

A construção da sociedade pós-capitalista é um gigantesco processo de aprendizagem. Trata–se de construir uma sociedade totalmente nova, num curso inédito, que inevitavelmente implica tentativa e erros.

E as condições objetivas históricas – nacional e internacional – podem levar a diferentes alternativas de como viabilizar o empreendimento da construção da nova sociedade – a Rússia soviética nos primeiros 20 anos passou por três experimentos (modelos) postos em prática.

A República Popular da China foi quem deu os primeiros passos para configuração à transição ao socialismo, na época atual, a partir da alternativa consagrada de “Reforma e Abertura”, depois de trinta anos de busca e de alternativa. O Vietnã seguiu a alternativa intitulada de “Renovação” que abriu caminho para seu impetuoso desenvolvimento nacional das forças produtivas e avanço e modernização socialista. E Cuba, mais recentemente, a partir de sistemático debate em toda sociedade traçou os delineamentos da “Atualização Socialista”, que imprime novo impulso em sua economia e na sua modernização socialista.

Na República Popular da China os resultados das suas reformas iniciadas em 1978 têm sido impressionantes como vem acontecendo. Trata-se de trajetória prolongada e sustentada de desenvolvimento sem precedentes na história moderna. Marca a profunda transição atualmente em curso na ordem mundial – poder ascendente da China no sistema internacional.

O caminho seguido pela China vem estruturando um amplo e sólido sistema nacional de desenvolvimento tecnológico e de inovação, superando o monopólio das potencias capitalistas, para acelerar a disseminação do progresso técnico na sua economia. Hoje a China já é a primeira economia mundial medida pelo critério de paridade do poder de compra.

E agora, diante das resoluções do 19º Congresso do Partido Comunista da China, fato momentoso deste ano, é indicada uma “Nova era” no desenvolvimento histórico da República Popular, reunindo as condições de influir decisivamente nos rumos do atual e futuro período histórico deste século.

Acredito que o movimento comunista e revolucionário vive uma quadra que se segue ao aprofundamento dos dados empíricos, análise multilateral e desenvolvimento teórico que fornecem elementos para o debate acerca da compreensão do socialismo contemporâneo e a da sua perspectiva.

O PCdoB e sua Fundação Maurício Grabois têm procurado, dentro das nossas possibilidades, se dedicar ao estudo e pesquisa dessas experiências passadas e atuais, sendo uma questão decisiva para fundamentar e reavivar a perspectiva socialista e comunista.

As três grandes lutas atuais que estão na linha de uma nova luta pelo socialismo

Por fim, relacionando as três grandes lutas atuais que se desenvolvem de um modo ou de outro na linha de uma nova luta pelo socialismo:

1) Uma luta em meio ao movimento dos trabalhadores e forças avançadas nos países capitalistas mais desenvolvidos contra o desmantelamento do estado de bem estar social, e a retomada de uma estratégia que desvende o caminho para superação do capitalismo;

2) Uma luta crescente pelo avanço de um Projeto Nacional de desenvolvimento nos países na semi-periferia e periferia do sistema capitalista mundial. O mal estar gerado pela crise da globalização neoliberal evidenciam a emergência da questão nacional, do anti-imperialismo e das causas populares como tendência da luta dos povos.

3) Uma luta no âmbito mundial cuja vanguarda são os países que se empenham na construção socialista contemporânea, capazes de reduzir a desvantagem e o atraso em relação aos países capitalistas, sendo a China a experiência mais desenvolvida.

*Renato Rabelo é presidente da Fundação Maurício Grabois.