O voto “antissistema” é o grande vencedor das eleições legislativas deste domingo (04/03) na Itália. Apesar de não serem aliados, o populista eurocético Movimento 5 Estrelas (M5S) e a ultranacionalista Liga Norte devem conquistar metade ou mais dos assentos no Parlamento.

Enquanto isso, o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, e, de certa forma, o Força Itália (FI), legenda de centro-direita presidida por Silvio Berlusconi, que teve um resultado abaixo do esperado, amargam duras derrotas.

Os partidos de esquerda tiveram desempenho modesto nas eleições legislativas italianas e somente o Livres e Iguais, uma dissidência do PD mais à esquerda, superou a cláusula de barreira de 3% dos votos e deve obter poucos assentos no Parlamento. Até o momento, a agremiação registrou 3,35% dos votos para a Câmara e 3,28% para o 3,26% para o Senado.

Além dele, o Partido Comunista tem 0,33% dos votos para o Senado e 0,32% para a Câmara, e não deve conseguir eleger nenhum parlamentar.

Às 9h20, com 98% das urnas apuradas, o M5S liderava para a Câmara, com 32,58% dos votos. Em seguida, aparecia a Liga Norte, com 17,57%; o PD com 18,75% e a FI com 14,07%. Neste caso, a coalizão de centro-direita (composta pela Liga, pela FI e pelos ultranacionalistas Irmãos da Itália) havia obtido 37% dos votos, no total, contra os cerca de 32% do 5 Estrelas e 22,93% da coalizão de centro-esquerda, liderada pelo PD.

Já para o Senado, que tem 98% apurados, a situação é semelhante. O M5S lidera, com 31,97%, seguido pelo PD, com 19,19%, pela Liga Norte, com 17,79%, e pela Forza Itália, com 14,46%. Dessa maneira, a coalizão de centro-direita obtém 37,49% dos votos, contra 32,10% do M5S e 23,09% da centro-esquerda.

Apesar de os resultados mostrarem o Partido Democrático aparecendo como o segundo mais votado, neste caso, o que conta é a coalizão – e os votos dados para a coalizão de centro-direita superam em muito a centro-esquerda e por pouco o M5S, que concorreu sozinho e anunciou que não se coligará com ninguém.

Segundo a lei eleitoral italiana, a coalizão que mais votos obtém ganha um número de cadeiras adicional proporcional a seu resultado. Em tese, isso ajudaria alguma delas a ter maioria política e estabilidade em um eventual governo.

Até agora, no entanto, nenhum partido ou coalizão tem maioria clara. Caso ninguém consiga formar governo, o presidente Sergio Mattarella pode convocar novas eleições.

Os resultados definitivos, com número de cadeiras em cada Casa, devem ser divulgados nas próximas horas.

Salvini

Com os atuais resultados, se Mattarella entender que cabe à coalizão conservadora formar um governo, será Matteo Salvini, líder do Liga Norte, o designado para a cadeira de primeiro-ministro, já que seu partido está obtendo maioria dentro da coalizão. Isso contraria as expectativas demonstradas pelas pesquisas de opinião, que dariam à Força Itália (capitaneada por Berlusconi) a liderança em um eventual governo. Berlusconi chegou a anunciar Antonio Tajani como seu eventual primeiro-ministro, já que está inelegível.

“É uma vitória extraordinária, que me enche de orgulho, felicidade e responsabilidade”, disse Salvini, na sede do partido Liga Norte, na via Bellerio, em Milão. Em seu discurso na manhã desta segunda (05/03), poucas horas depois do fechamento das urnas, Salvini disse estar pronto para governar e prometeu manter a ideia de uma coalizão de centro-direita, sem acordos “estranhos”. “O time com o qual quero pensar e governar é o de centro-direita”.

“Sou uma pessoa que mantém o compromisso com a coalizão de centro-direita, que venceu e pode governar”, exaltou Salvini, ressaltando que a coalizão costurada pela Liga está mais perto de superar a maioria absoluta. “Dentro da centro-direita, acredito que todos estejam contentes. A centro-direita venceu e posso governar”, afirmou.

‘Radicais-chiques’ os italianos não querem mais”, alfinetou, referindo-se ao ex-premiê italiano Matteo Renzi, do PD, que foi o grande perdedor destas eleições – dado que, atualmente, está no governo, com o primeiro-ministro Paolo Gentilioni. “A arrogância de Renzi e dos seus colegas foi punida”, criticou. “Eu vejo a nossa vitória como um voto de futuro. Os italianos premiaram o futuro”, disse. “Agora começamos um belíssimo percurso juntos”.

Salvini também fez uma crítica ao euro, moeda oficial da União Europeia, dando a entender que apoiaria a saída da Itália do acordo monetário regional. “O euro é e será uma moeda errada e uma escolha errada”, disse. “O sistema de uma moeda única está destinado a acabar. Nós trabalharemos para mudar alguns tratados”, afirmou. 

Movimento 5 Estrelas

Individualmente, o Movimento 5 Estrelas se tornou o partido mais votado do país, justamente no momento em que ele parecia mais exposto: sem seu ideólogo, Gianroberto Casaleggio, morto em 2016, e sem seu fundador e rosto mais conhecido, Beppe Grillo, que pouco participou da campanha.

Comediante de carreira, Grillo abriu espaço para seu “pupilo” de 31 anos, o vice-presidente da Câmara dos Deputados Luigi Di Maio, que assumiu as rédeas do movimento e supera uma série de escândalos, inclusive um sobre reembolsos falsos feitos por seus parlamentares.

“Se os dados se confirmarem, será um triunfo do M5S, uma verdadeira apoteose, que demonstra a qualidade de nosso trabalho e que todos deverão falar conosco, e essa será a primeira vez”, afirmou o deputado Alessandro Di Battista, um dos expoentes do movimento. Di Maio assumiria o governo, caso o M5S obtenha uma eventual (e até o momento improvável) maioria.

Nascido de um blog e controlado por uma empresa privada, a consultoria de informática Casaleggio Associati, o M5S toma suas principais decisões por meio de votações online e ganhou força calcado no voto de protesto. Passados quase 10 anos de sua fundação, em 2009, agora vai se acostumando às instituições.

O partido, que diz ser um “não partido” – sequer tem uma sede física -, já governa a cidade mais importante do país, Roma, e outra capital de destaque, Turim, antigo bastião da esquerda. Como partido mais votado das eleições legislativas, exigirá o encargo de formar um novo governo.

A decisão caberá ao presidente da República e, se assim for, colocará à prova um dos maiores dogmas do M5S: a recusa em formar alianças. Se quiser governar, o movimento terá, necessariamente, de conquistar o apoio de antigos rivais, seja à direita, seja à esquerda, mas não parece disposto a ceder poder.

Antes mesmo das eleições, Di Maio enviou a Mattarella por email uma lista de ministros para seu “futuro governo”. Por um lado, eleitores do M5S interpretaram essa iniciativa como uma forma de transparência. Por outro, adversários o acusaram de tentar subverter as instituições, já que o governo precisa refletir a composição de forças no Senado e na Câmara e, em última instância, cabe ao presidente indicar o primeiro-ministro.

O movimento ainda não deu indícios de quem procurará para formar uma coalizão – e se realmente o fará – , mas fala-se na Liga Norte, uma opção que causa arrepios em Bruxelas. Não tanto por um eventual “Italexit”, já que os dois partidos agora defendem a permanência da Itália na União Europeia, mas pela possibilidade de ver um país historicamente pró-UE se tornando um obstáculo para as políticas comunitárias – principalmente no âmbito migratório.

Derrota

O grande derrotado das eleições, no entanto, é o PD, que governa o país desde 2013 e aparece com dificuldades para superar os 20% dos votos. Popular em seu período como primeiro-ministro, o líder da sigla, Matteo Renzi, pagou o preço do ano longe do poder. Na manhã desta segunda, ele renunciou à liderança do partido.

Embora tivesse quase a metade da aprovação do premiê Paolo Gentiloni, Renzi fez questão de assumir a linha de frente da campanha eleitoral e parece ter encontrado uma população já cansada de seu estilo agressivo e polarizador, capaz de levá-lo do céu ao inferno em pouco tempo – em menos de quatro anos, o ex-premiê saiu da maior vitória da história do PD, os 40% nas eleições europeias de 2014, para sua pior derrota.

“Se esse for o resultado final, nós passaremos à oposição”, reconheceu o líder do partido na Câmara, Ettore Rosato. A derrocada do Partido Democrático é mais um sintoma do mal enfrentado pela social-democracia em toda a UE, sem conseguir apresentar uma alternativa progressista e confiável para lidar com as crises econômica, migratória e de representatividade.

Renzi tentou conquistar o eleitorado com os resultados de seu governo – a retomada do crescimento, a queda, ainda lenta, do desemprego. Não deu certo. Depois apelou para o voto útil contra a extrema-direita. Também não funcionou.

Por fim, buscou mostrar que Gentiloni poderia ser o premier em seu lugar em caso de vitória do PD, mas o partido ficou excessivamente ligado à sua imagem, que, como mostram as urnas, se desgastou com a mesma velocidade com que se criara.

Com informações da Ansa