O debate, promovido pela Sociedade Amigos do Lênin, coordenado pelo diretor da FMG, Aloísio Barroso, contou com a participação do Professor da Universidade Federal da Bahia e Pesquisador na área de História da Ciência Olival Freire Junior, e por João Quartim de Moraes que é professor colaborador na Unicamp e pesquisador em história do pensamento político, instituições brasileiras, materialismo antigo e moderno, e marxismo, ambos membros do Comitê Central do PCdoB.

O diretor da Fundação Maurício Grabois, Sérgio Barroso, abriu o debate contextualizando historicamente a elaboração de Materialismo e Empiriocriticismo e a importância de se recuperar o debate filosófico sobre o materialismo nos dias atuais.

Recordou as passagens escritas por Lênin, em 1920, sobre as difíceis circunstâncias da elaboração do livro: “Abatimento, desmoralização, cisões divergências, renegação, pornografia em vez de política”. É que o revolucionário russo falava do grande impacto da derrota da revolução de 1905 na fileiras do partido bolchevique.

Para emoldurar a discussão teórica apresentada no livro, Olival Freire fez um resgate de qual era o contexto do debate científico na época. “Lênin escreve isso em 1908, num momento em que a Ciência passava por um série de crises. Havia um embate sobre o que deveria ser o fundamento das ciências da natureza”. Até meados da segunda metade do século 19, o que prevalecia como modelo era a mecânica newtoniana. Olival destaca que a mecânica de Newton influenciou inclusive outros campos, como a ciência política norteamericana com seus sistemas de pesos e contrapesos. Da segunda metade do século 19 em diante aparecem novos ramos da ciência, como a eletricidade e magnetismo. Assim, a partir daí, “desenvolve-se uma disputa sobre qual a ciência seria a mais fundamental, a mecânica a termodinâmica ou o eletromagnetismo?”, ilustra Freire.

Todo esse cenário efervescente nas ciências fica ainda mais acirrado quando no final do século 19, entre 1895/1897, surgem novos fenômenos como a radioatividade, raio-X, o elétron. Neste último caso, suscitou a discussão sobre a existência da matéria, uma vez que naquele momento constatava-se que a massa do elétron era tão infinitamente pequena que era zero. “Estas novas descobertas levaram muitos filósofos e cientistas a declararem o desaparecimento da matéria. contextualiza Freire.

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O professor da UFBA disse que, apesar de Lênin tocar neste problema sem ir muito a fundo, quando ele criticou os anti-atomistas, sua obra teve o caráter de sustentar o materialismo. E, para fazê-lo, ressalta, “Lênin não escolheu os autores menores e mais fáceis de serem objeto de crítica, ele pegou os de mais fôlego e de maior projeção”.

“A visão materialista, o conceito de matéria do ponto de vista teórico é o mais forte deste livro. A crítica que ele desenvolve – que é uma reafirmação de princípios – não é uma visão idealista como a do Berkley e do Hegel, ele não faz a propaganda do primado do pensamento diante da matéria. Segue a visão de Marx e dele, que se basearam no ideia de que a ciência está em desenvolvimento, uma vez que o Universo está em desenvolvimento e tem uma história anterior a do próprio homem. Nessa perspectiva, a ideia do primado do pensamento sobre a matéria vai ficando enfraquecida, difícil de ser sustentada. E esse é o seu ponto de partida para fazer a crítica ao idealismo”, argumenta Olival.

No livro, reforça Freire, “Lênin coleciona argumentos para mostrar que a matéria antecede os seres humanos. Portanto, há uma realidade objetiva que existe fora da nossa consciência, que é a definição leninista da matéria, ou seja, aquilo que existe de maneira objetiva independente e fora da nossa consciência. Seu livro aprofunda o pensamento de Marx, ao concluir que a existência de uma verdade objetiva está ligada ao critério do verdade — a prática — e nunca pode ser uma adequação das ideias à realidade”. 

Para Olival Freire, Materialismo e Empiriocriticismo é uma obra mais propriamente da Ontologia, que é o estudo da relação entre a natureza e a realidade, por ser social. Não é exatamente uma obra que se inscreve no campo da teoria do conhecimento, portanto exigida como a análise do conhecimento científico existente, no sentido estritamente epistemológico.

Quartim de Moraes discorreu sobre o que chamou de “desdobramento filosófico da posição materialista. Esta palavra não pronunciei por acaso – a posição materialista e filosófica. Nós não podemos mostrar por silogismo, a existência ou não de Deus. Não é objeto de demonstração. A tese oposta, de que o universo é matéria em movimento, essa conclusão também não é dedutiva, demonstrativa. São lutas de ideias. Daí a ênfase do Lênin de que a matéria não é um conceito da física – já que o descobrimento de suas estruturas estava em desenvolvimento. A posição filosófica materialista tal qual Lênin defende e ilustra denota o fundamento radical da matéria compreendida não no sentido físico, mas filosófico. Não que a matéria filosófica não tenha nada a ver com o seu sentido físico. Mas sua obra tem dimensão filosófica”, afirma.

Para o professor da Unicamp, “defender a posição materialista em filosofia, contra o idealismo filosófico em todas as suas dimensões” é a principal contribuição de Lênin. Implica desnudar as diferenças entre os que defendem que o fundamento é a matéria, e os outros que defendem que o fundamento é o espírito. “Para as religiões monoteístas essa dimensão enuncia que o fundamental é o logos (palavra, o espírito). Nós estamos em igualdade de condições com os idealistas na questão do fundamento? As teses o absoluto é a matéria ou o absoluto é o espírito não têm como ser comparadas. Quem diz que o absoluto é o espírito sai do fenômeno da matéria, dos acontecimentos, está fora do campo da existência. Essa posição que nos dá uma vantagem relativa”, defende.

Quartim destaca a coragem intelectual de Lênin ao produzir esta obra. “Nós sabemos positivamente que o homem surgiu bilhões de anos depois do planeta. Enfatizar e reconhecer que nós somos o produto da natureza é uma revolução teórica e uma postura por excelência anti-dogmática”.

E, fazer esse debate é importante porque, na visão de Quartim, não admitir a posição materialista leva à perplexidade em todo o momento de crise da ciência, como o que estamos vivendo atualmente. “A necessidade de se dizer que a realidade, o mundo e a natureza está aí e ela é anterior bilhões de anos a um sujeito cognescente, é uma ideia básica, Mas, as vezes é preciso ter coragem de ter uma posição simples! Dizem os idealistas: —Ah! Mas a coisa é mais complexa! Não, não é.”

A atualidade e importância desta obra de Lênin, se amplia em razão da ofensiva de intolerância e fanatismo religiosos. “Nestes tempos é importante estarmos armados para um debate como estes”, alertou.

Também na coordenação dos trabalhos do seminário, a professora Madalena Guasco ratificou a “grande importância da obra de Lênin”, e assinalou que ela serve como forte parâmetro de “crítica à persistência das ideias pó-modernas, como as de J-F. Lyotard e J. Baudrillard, que em última instância negam a realidade”.

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, salientou a importância do debate. “É muito difícil nos dias de hoje um partido político ou sua fundação se dedicar ao tema filosófico. Fica parecendo que a filosofia é uma questão da abstração pura, que não tem relação com a política. Mas implica em tudo. Não vejo como separar a filosofia de todo o conhecimento que nós temos de uma forma implícita ou explícita. Muita gente olha e diz, esse pessoal vai discutir um livro que tem muita coisa superada. Mas na realidade, a relação entre a Filosofia e a Ciência é muito importante para mim. Essa é a questão. Esse é o problema chave. Eu não poderia entender no marxismo a própria filosofia sem o desenvolvimento da ciência”.