A crise mundial que abriu a semana e causou pânico nos mercados de todo o mundo atinge o Brasil “no pior tempo possível”. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 1,1% em 2019, abaixo do ano anterior (1,3%). Além do resultado, apontando para a possibilidade de retração, desde 2016 as reformas e políticas fiscais dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, como a do teto de gastos, “amarraram a própria capacidade do governo de reagir no curto prazo”. A observação é do economista Marco Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em sua avaliação, as dificuldades de reação dos governos brasileiros diante de crises não foram criadas recentemente, mas vêm se desenvolvendo historicamente. “Aos poucos, fomos cancelando a possibilidade de utilização de mecanismos importantes para a resolução de crises no curto prazo. Isso está inserido inclusive em reformas muito anteriores, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, do governo Fernando Henrique Cardoso. Essas reformas impedem as políticas anticíclicas”, diz Rocha.

A semana começou com o dólar comercial fechando em alta de 1,97%, cotado a R$ 4,726, o maior valor nominal desde a criação do Plano Real. O índice da Bolsa fechou com forte queda, de 12,17%, chegando a suspender as negociações pela manhã, e as ações da Petrobras despencaram quase 30%. A tendência do dólar, no curto prazo, é continuar em alta. A moeda norte-americana já vinha subindo significativamente nas últimas semanas.

Os mercados explodiram após a Arábia Saudita cortar os preços oficiais de venda de petróleo e sinalizar para o aumento da produção. O preço do petróleo nos Estados Unidos fechou em queda de 24,59%.

A crise mundial chega num momento muito difícil para a economia brasileira, com 12 milhões de desempregados, quase o mesmo número de subempregados, destaca Rocha. Além disso, o governo argumenta que a solução de uma crise estaria no prosseguimento das reformas, como a tributária e a administrativa.

Foi o que indicou também, nesta segunda-feira (9), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), segundo o qual “o Congresso está pronto para avançar com as reformas necessárias capazes de restabelecer a confiança” no país. Ele acrescentou que a economia brasileira “está sendo contaminada pelos dois motivos (petróleo e coronavírus) e também pelo baixo resultado (do PIB) do ano passado “.

Para Marco Antonio Rocha, mesmo que as reformas produzissem algum resultado, o que é improvável, esses resultados só viriam no médio e longo prazos, enquanto o impacto da crise se dá no curto prazo.

“Seria importante haver mecanismos de curto prazo para conter os efeitos da crise. O país vem de reformas sem nenhum resultado.” A Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, do governo Michel Temer, e as reformas trabalhista e da Previdência são exemplos emblemáticos.

De acordo com Rocha, enquanto  o governo acena com soluções de médio e longo prazo, o movimento do dólar pode trazer fortes impactos no país, repercutindo nos preços domésticos, provocando retração no consumo, e, consequentemente, dificultando ainda mais a retomada da economia brasileira, num contexto de desindustrialização que vem de longa data.

“Temos que lembrar que o dólar entra na formação do preço do trigo, na maior parte dos bens industriais produzidos no Brasil, na cesta de consumo, na composição do custo dos medicamentos etc.”, explica o professor da Unicamp. “A indústria já está esvaziada, e tem uma utilização de insumos importados muito grande.”

Paulo Guedes

Enquanto os mercados no mundo todo passaram o dia em pânico, o ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, adota uma posição fleumática. “Nós estamos absolutamente tranquilos, a equipe de economia está tranquila. É uma equipe serena, experiente. Já vivemos isso várias vezes. Conhecemos isso. Sabemos lidar com isso”, disse o ministro.

Na opinião do economista da Unicamp, trata-se de “uma declaração que não tem nenhuma dose de realismo”. “O Brasil faz parte de uma economia mundial. Num quadro de recessão, de crise na economia internacional, não tem como o Brasil ficar imune.” Ele lembra que o país já vem inclusive utilizando as reservas internacionais supostamente para conter a alta do dólar, sem sucesso.

A tendência é a situação brasileira se agravar, na opinião de Rocha. Num contexto de desaceleração mundial, as exportações se reduzirão. “Provavelmente haverá um choque de custos, pela taxa de câmbio, e para além disso, a epidemia do coronavírus já afeta as linhas de produção de certos insumos industriais muito concentradas regionalmente na China”, explica.

No limite, em sua opinião, o conjunto de todos os fatores pode provocar até a paralisação de algumas linhas de produção, sobretudo no complexo eletrônico.