QUEBRANTO

 

às vezes sou o policial que me suspeito
me peço documentos
e mesmo de posse deles
me prendo
e me dou porrada



às vezes sou o porteiro
não me deixando entrar em  mim  mesmo
a não ser
pela porta de serviço



às vezes sou o meu próprio delito
o corpo de jurados
a punição que vem com o veredicto



às vezes sou o amor que me viro o rosto
o quebranto
o encosto
a solidão primitiva
que me envolvo com o vazio



às vezes as migalhas do que sonhei e não comi
outras o bem-te-vi com olhos vidrados
trinando tristezas



um dia fui abolição que me lancei de supetão no
espanto
depois um imperador deposto
a república de conchavos no coração
e em seguida uma constituição
que me promulgo a cada instante



também a violência dum impulso
que me ponho do avesso
com acessos de cal e gesso
chego a ser às vezes faço questão de não me ver
e entupido com a visão deles
sinto-me a miséria concebida como um eterno
começo



fecho-me o cerco
sendo o gesto que me nego
a pinga que me bebo e me embebedo
o dedo que me aponto
e denuncio
o ponto em que me entrego.



às vezes!…

 

 

 

Cuti – Negroesia – antologia poética