Osvaldão, o poema
 

Não me matarão.

 

Sou as gentes simples da Gameleira à Faveira, …
as mãos camponesas de Santa Cruz e São Geraldo,
e nos garimpos de Itamirim e Xambioá, antevejo
nos candeeiros dos meus iguais
a mineral resistência das noites.

 

Sou as pedras pontiagudas e esverdeadas
do caudaloso rio dos Karajás
e na metálica lua
forjo
entre irmãos de armas,
a insubmissa manhã
e a palavra libertada.

 

Não me matarão.

 

Sou a mais proletária de todas as raças,
tenho o dorso nu, negro,
e na rebeldia das ideias
desvendei os segredos da floresta, os caminhos do maracajá
e as profundezas da terra silenciosa.

 

Fui regatão e pratiquei preços justos.

 

Sou o batuque do terecô, o bailado que me fecha o corpo,
as rubras espingardas e a consciência da mata.

 

Dê-me Mãe Preta, o babassuê dos invisíveis,
o feitiço do medo,
os sonoros tambores e Xangô, o mais justo dos ancestrais,
meu pai dos raios e dos trovões.

 

Dê-me Mãe Preta, a proteção para o lobo,
o fogo para o amor, a água para a sede
e o vento que denuncia as camarilhas em fardas.

 

Dê-me Mãe Preta, o machado de duas faces,
que protege e pune,
a agitação das maracás, a vibração dos atabaques
e o transe das abatás, pois,
só assim serei cordel e motim,
e escreverei meus dias
como o mais brasileiro
entre os que arderam no combate.

 

Não me matarão.

 

Evoluo, ao pé dos Martírios,
como um vento dirigido
e tomo, nas lentidões dos invernos,
os igarapés onde decifro
as botas do tirano.

 

Durmo nas redes e me faço povo, povo da mata!

 

Teço, irmãos laborais,
as guerrilhas e as esperanças,
os versos e os romances da liberdade,
a plena vida que o coração do homem ilumina.

 

Não me matarão

 

 

Paulo Fonteles Filho