A tragédia anunciada nas três grandes cidades da região serrana carioca provam o que há muito se sabe: o paraíso pode trazer perigos que não pode sonhar a nossa vã saciologia. Perigos que decorrem de eventos e movimentos da natureza, mas que deveriam receber mais atenção de governos, cientistas, institutos de pesquisa e população em geral. Sem querer fazer humor em cima de um desastre social e ambiental como este, digo: muito antes de acontecer a devastação de vida e natureza em Teresópolis e suas vizinhas, meu sonho de não ser consumido pela Goiânia vertiginosa e violenta era ir morar na Teresópolis vizinha à reserva ambiental Altamiro Moura Pacheco.

       Lá eu sonho ainda viver, anônimo e feliz, desfrutando da umidade benfazeja, propiciada pelo reservatório do João leite, e pelas matas e cachoeiras da Fazenda Santa Branca. Agora, que o perigo iminente resultou em catástrofe sem precedentes nos últimos quarenta anos de Brasil, vemos rosários de justificativas para a omissão das autoridades, que pouco ou nada fizeram, para minorar as conseqüências do aguaceiro anunciado em previsões do clima. Para a qual não se deu bola. De nada valeu termos tantos burocratas ganhando rios de grana em repartições públicas ou privadas – todos mal acostumados com a leniência oficializada do “empurrar com a barriga”, deixar como está, para ver como irá ficar.

       Todo ano, em São Paulo e Rio de Janeiro, quando caem como dilúvios as águas de verão, temos mais do mesmo. Só que, a cada ano, com mais perdas materiais e humanas. Intuição poética moveu o estro de Tom Jobim, quando ao conceber a letra da canção Águas de março, viu: “É pau/é pedra/é o fim do caminho/é um resto de povo/ é um povo sozinho”. Foi o que vimos, e a imprensa internacional mostrou ao mundo: florestas descendo sobre casas, levadas por bátegas diluviais, tudo abatendo-se sobre casas e prédios, levando tudo, vidas e bens em meio ao lamaceiro. E a cada ano o filme se repete, como um filme rebobinado, como inundações, deslizamentos e soterramentos em áreas de risco.

      No morro do Mumba, uma bomba relógio, formada pela ocupação humana sobre um lixão, foi assim. Após a tragédia em Angra dos Reis, mandaram fazer um estudo de avaliação de risco, que demorou seis meses para ficar pronto. Por incúria ou indiferença de governos dos três níveis, pessoas continuam a ocupar áreas de risco, devastando áreas de preservação, expondo-se aos perigos anunciados. Tudo é feito pelo ignorar as lições milenares que ensinam: a natureza é uma mãe amorosa, que também se zanga, e se vinga, quando é molestada em suas leis, e ferida na unidade sistêmica de suas partes, visíveis ou invisíveis.

       O tsunami interior que se abateu sobre a região serrana do Rio certamente não poderia ser evitado, mas seus efeitos catastróficos poderiam ser minorados. É o que dizem especialistas em sustentabilidade – e o que poderia afirmar qualquer pessoa comum, dotada de senso lógico. Cientistas advertem, há décadas: as conseqüências do aquecimento global já chegaram, em forma de secas nas regiões de florestas úmidas, ou como intensificação de tempestades e precipitações pluviais, com ênfase no sudeste e nordeste.

      Daqui para a frente teremos mais do mesmo, sempre em escala crescente. Com ou sem prevenção, contentando-nos apenas em nos alimentar da retórica de demagogos populistas, ou partindo para ações sérias e continuadas, viveremos sob os rigores do El Nino ou de La Nina, sem chance de poder escolher um dentre eles, ou de dispensar os dois, que estão por toda parte, inevitáveis e terríveis. Que os sinos dobrem pelas vítimas do desastre – e que a voz dos enterrados em vala comum comovam corações e mentes de todos, despertando-nos para as grandes tarefas que nos esperam. Assim deve ser, para que não deixemos apenas a terra devastada, às gerações que irão nascer.

Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.