Foi numa noite destas, que não se enxerga nem um palmo a frente do nariz, que Maria Graça desapareceu. Ela saiu furtiva, sorrateira do local onde dormia, era noite sem lua e sem luz, passou a porta, cruzou a rua e caiu no mundo.

      No outro dia o João da Graça, um velho senhor que dividia o mesmo pedaço de chão com a Maria Graça, e por este nome ficou conhecido, devido a seu apego para com a mesma, quase enlouqueceu. Ficou aos prantos, se encheu de álcool, não dormia, não comia, só bebia. Passou a perambular pelas ruas da sua pequena e pacata cidade de Miracema do Sul.

      Andava a esmo, quando se deu conta de que desta forma jamais encontraria Maria Graça.

      Tomado desta consciência, pôs as barbas de molho, buscou forças de onde parecia não mais existir, encheu o peito e gritou a frase que mobilizaria muita gente pelo país: Onde está Maria Graça?

      A partir daí o João da Graça não descansou mais. Foi a todas as delegacias, hospitais, necrotérios, pet shops, boates, orfanatos, não podia ver um aglomerado de pessoas que ele perguntava: Alguém viu Maria Graça?

      Fez faixas, bandeiras, foi à TV, à rádio, carros de som, distribuiu panfletos. Um certo dia invadiu uma conferência e, no meio de falações e discursos calorosos, conseguiu alguns minutos no púlpito e, com a calma dos doentes, disse:

      – Companheiros, estou aqui para, antes de qualquer coisa, dizer que nesta conferência está faltando uma pessoa, alguém que é indispensável, não só indispensável, é fundamental, esta pessoa é Maria Graaaaaaaça. Maria Graaaaaaaça, nada mais é que a primeira dama da honestidade, a presidente da honra e da bravura. Maria Graaaaaaaça devia ser a convidada de honra deste evento, mas ao invés disto, olho para todos os rostos aqui presentes e não a vejo. Por que não está aqui Maria Graaaaaaaça? Onde está Maria Graaaaaaaça?

      Todos no evento ficaram emocionados pelo discurso do João da Graça e resolveram aderir à sua campanha. Saíram às ruas empunhando faixas e cartazes que diziam: Onde está Maria Graça? Logo, uma imensidão de pessoas se juntou à passeata gritando palavras de ordem. “Maria Graça, cadê você, eu vim aqui só pra te ver!” “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, Maria Graça presidente do Brasil!’’

      Programas de rádio surgiram com o apelo: Onde está Maria Graça? Um jornal lançou um “zerooitocentos” em apoio à luta para encontrar Maria Graça. Milhares de pessoas ligaram para dar seu apoio ou participar da campanha que contagiou o país. Uma propaganda na TV mobilizava a população: Se você sabe onde encontrar, quer dar apoio ou montar um comitê de busca na sua cidade pela Maria Graça, ligue: 0800 70 70 70, se não der cê tenta de novo, se ainda assim não der, cê senta e deixa quieto. Vários comitês foram criados pelo país, muito dinheiro foi arrecadado, manifestações eram quase diárias. Uma comitiva foi recebida pelo prefeito, depois pelo governador e, enfim, pelo Presidente da República. Presidindo a comitiva estava o João da Graça. O presidente se comprometeu a criar um projeto em busca da Maria Graça. Semanas depois uma propaganda governamental na TV dizia: Se você sabe onde encontra-se Maria Graça, se você é a Maria Graça, procure o Ministério da Assistência Social. E assinava: “Maria Graça de volta. Desaparecidos Zero”.

      Com o passar do tempo a população se dividiu entre os que procuravam Maria Graça e os que eram contra a volta da Maria Graça. As manifestações agora vinham ladeadas pelos prós e os contra a volta da Maria Graça. Nos carros de som os oradores se alfinetavam: Maria Graça deve voltar e ocupar o lugar que a ela pertence, seu espaço, seu chão. O coração do João da Graça não merece este abandono. Os que eram contra diziam: Companheiros, companheiras, camarados e camaradas, onde está a liberdade neste caso, onde está o direito de ir e vir e também, o direito de ficar? A volta da Maria Graça significa a volta da submissão feminina, o tacão do macho sobre a fêmea, significa o absolutismo do império sobre suas colônias. Dizer não à volta da Maria Graça é dizer não à opressão, dizer não à exploração do homem sobre o homem e sobre a mulher. Marx, na segunda metade do século XIX, concebeu a mais-valia, e é inspirado em Marx que digo: Mais valia a Maria Graça nunca ter entrado na vida deste homem. Por fim companheiros e companheiras, dizer não à volta da Maria Graça é lutar pelo socialismo.

      As coisas foram se acirrando a cada passeata, partidos políticos serraram fileiras em torno do apoio e contra a luta pela volta da Maria Graça. Partidos também surgiram, primeiro o PPVMG – Partido pela volta da Maria Graça, depois o PCVMG – Partido contra a volta da Maria Graça.

      Com o tempo as coisas foram ficando mais acirradas, a briga das palavras passou para os empurrões, dos empurrões para os socos, dos socos aos tiros. Numa destas manifestações, em que acabou em guerra, o João da Graça foi atingido e enquanto agonizava, as duas correntes, que perceberam que lutavam, mas não sabiam de fato quem era Maria Graça, resolveram perguntar ao João da Graça, quem, afinal, era Maria Graça.

      O João da Graça, seriamente ferido, se esforçou, se esforçou e entre gemidos disse:

      – Maria Graça, Maria Graça, é, é, coff, coff, coff, é… E morreu deixando a pergunta no ar: Quem é Maria Graça?