Parte I
 
A vaca enquanto poço

      “Conheci certa feita uma vaca incumbida de poço. Era surpreendida em noite alta mergulhada em si mesma. Sofria de transbordo em madrugadas dadas a desolo, como esta. Junto ao seu rosto, encontrava-se outro, visto que era feita de espelhos fundos. Era voltada a infinitos numa tarde em que ouvia a si mesma, e com um canto da boca bebia o próprio peito, porque tinha sede – mas fôssemos prová-la, apenas doce nos pareceria (havia ocasiões em que deixava escorrer pro fundo do seu rosto a madrugada toda, úmida de escuridão, onde se escondida)”.
(Tarquino, o etrusco, 200 a.C)

       “Por meio de haver água, ela, a vaca, adquiria cardume por engano. Brotava no fundo do pátio, iluminada de manhãs, mas, enquanto névoa, nada a impedia e encobrir as casas, o que fazia com desmesurada desenvoltura. Fora forçada a falas numa tarde em que todas as palavras conheceram-na. Isso que nunca disse a cor dos paralelepípedos (úmidos das manhãs, a resvalavam). Há quem diga: a vaca tinha lembranças de poço na infância, antes de secar. Agora é difícil vertedouro de si mesma.

      – Mas nunca teve lágrimas?

      – Nunquinha

      – Mesmo havendo nuvens sobre os olhos?”

(Diálogo entre Licurgo e Licínio, na Lacedônia, há algum tempo).