Gente, um homem passou por mim assoviando. Cheguei a me virar para vê-lo passar. La ia ele, mãos nos bolsos — assoviando! Deve ser um turista, pensei. Isso, um turista. Alguém que está aqui de passagem. Mas não, o homem não parecia ser estrangeiro. Era um brasileiro. Incrível, um brasileiro despreocupado. Um brasileiro assoviando.

Quase gritei “Pare de assoviar!”. Aquilo era quase um acinte, um desrespeito à gravidade da situação. Ele não sabia da crise política, econômica, ética, moral e cívica que o país atravessava? Não tinham lhe contado do PIB, dos preços, do desemprego, do Gilmar Mendes? Ele não se dava conta do que estava acontecendo? Ele via mais alguém assoviando como ele?

Pensei em reprimi-lo por estar caminhando daquele jeito, mãos nos bolsos e assoviando. A República prestes a ruir, as instituições em guerra, e ele assoviando? E não era só o Brasil. O Trump na Presidência dos Estados Unidos, o populismo de direita prosperando em todo o mundo, o terrorismo, a situação no Oriente Médio…

E então pensei: ele pode não estar assoviando porque não sabe de nada, mas assoviando porque sabe alguma coisa que ninguém mais sabe. Decidi segui-lo para descobrir o que só ele sabia. Ele talvez tivesse a solução para todos os nossos problemas. Talvez pertencesse a uma célula de otimistas só esperando a nação se autodestruir para assumir o poder, uma seita secreta de assoviadores esperando a hora de devolver nossa alegria. Eu precisava descobrir a razão daquele assovio.

Mas o homem desaparecera na multidão. Se ele passar por você, siga-o e não o perca de vista. Ele pode ser a salvação. Será fácil reconhecê-lo: só ele estará assoviando.

 

DESISTÊNCIA

(Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

É chato ser um poema

sempre atrás de métrica e rima.

Que sina!

Não quero mais isto.

Desisto!