Prosa@Poesia
Crioulo
Manuel Lopes Publicado em 20.01.2017
Fundador, com Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, da revista Claridade (desde 1936), o escritor integrou, por isso, a galeria dos fundadores da moderna literatura cabo-verdiana. Nalguns dos seus poemas estão patentes a típica inquietação claridosa, como neste Crioulo de 1964. A simbologia marítima, pelo que evoca de perturbadora, assim como a severidade da seca da ilha de São Vicente, também são uma base constante da poesia deste autor.

Há em ti a chama que arde com inquietação
e o lume íntimo, escondido, dos restolhos,
— que é o calor que tem mais duração.
A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que, nela
sofrendo, fosses mais humano.
Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,
e a humanidade que nasce do desengano...
E deu-te esta esperança desenganada
em cada um dos dias que virão
e esta alegria guardada
para a manhã esperada
em vão...
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Livro: Poesia Africana de Língua Portuguesa
Antologia
Organizadores: Maria Alexandre Dáskalos
Livia Apa
Arlindo Barbeitos
Editora: Lacerda Editores, 2003