Às crianças, os privilégios das princesas.
Às crianças, a destreza
dos lavradores que cuidam dos tenros brotos.
Às crianças, colo carinhoso de mãe,
voz bondosa de avô.

 

Às crianças, os encantos da cultura
para que o talento vá se lapidando,
Às crianças, com a paciência da didática,
os primeiros passos da disciplina e do trabalho.

 

Às crianças, as maravilhas da ciência
para que a insaciável curiosidade,
as infindáveis perguntas
sejam transformadas em alavancas
da formação dos novos construtores do mundo.

 

Às crianças, sobretudo,
o direito supremo às gargalhadas
e às travessuras
e, depois, de exaustas de tanto brincar:
um grande copo de leite,
um gigante prato de sopa
uma cesta cheia de frutas
e uma cama macia e acolhedora.

Sei que isto soa
como um sonho antigo e ingênuo.
Porque, hoje,
“a ordem e o progresso” decretam:
às crianças, o alimento podre das lixeiras,
As algemas da lei,
O pesadelo das drogas.
Às crianças, viver?
Só se em bandos feito chacais.
Às crianças, prostituição aos dez,
homicídio e morte a qualquer hora.

Os sonhos e os séculos
Adalberto Monteiro
Editora Círculo Azul Livros – edição 1991