O filme “O Sal da Terra” que conta a vida do fotógrafo Sebastião Salgado já pode ser visto no Brasil. Com direção de Wim Wenders e de Juliano Ribeiro Salgado, o longa-metragem já recebeu o Prêmio do Júri na seção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2014 e também o César como melhor documentário, além de ter sido indicado ao Oscar.

O documentário traz passagens da vida de Salgado narradas pelo próprio fotógrafo e também pelos diretores, seu filho Juliano e Wenders. Este acompanha o trabalho do brasileiro há mais de 30 anos quando comprou uma das imagens da série realizada em Serra Pelada.

O grande êxito do filme está em apresentar os bastidores do processo de realização de muitas das incríveis fotos de Salgado através de seu próprio relato, o que fornece uma aproximação a um método de trabalho muito preciso e apaixonado, desenvolvido ao longo das mais de quatro décadas a que ele se dedica a uma profissão que abraçou pela irresistível maré do acaso.

Sebastião Salgado nasceu em Aimorés (MG), 8 de fevereiro de 1944. Graduou-se em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo e fez pós-graduação na Universidade de São Paulo.

Era engajado no movimento de esquerda contra a ditadura militar. Depois de emigrar em 1969 para Paris, ele chegou a escrever uma tese em ciências econômicas e  trabalhou como secretário para a Organização Internacional do Café (OIC), em Londres. Em suas viagens de trabalho para a África, fez sua primeira sessão de fotos com a Leica da sua esposa Lélia Deluiz Wanick. Fotografar o inspirou tanto que decidiu se tornar fotógrafo independente em 1973.

Em 1979, depois de passagens pelas agências de fotografia Sygma e Gamma, entrou para a Magnum.  Fotografou os primeiros 100 dias de governo de Ronald Reagan, documentou o atentado a tiros cometido por John Hinckley, Jr. contra o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan no dia 30 de março de 1981.

Seu primeiro livro, Outras Américas,3 sobre os pobres na América Latina, foi publicado em 1986. Na sequência, publicou Sahel: O “Homem em Pânico” (também publicado em 1986), resultado de uma longa colaboração de doze meses com a ONG Médicos sem Fronteiras cobrindo a seca no Norte da África.

Entre 1986 e 1992, ele concentrou-se na documentação do trabalho manual em todo o mundo, publicada e exibida sob o nome “Trabalhadores rurais”. De 1993 a 1999, ele voltou sua atenção para o fenômeno global de desalojamento em massa de pessoas, que resultou em Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo, publicados em 2000 e aclamado internacionalmente.

Na introdução de Êxodos, escreveu: “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas…”.

Passando ao largo de uma preocupação estritamente biográfica, o documentário não detalha o período de consolidação da carreira de seu protagonista, nem sua passagem por agências com a Sygma e a Magnum. A preocupação é dar voz ao próprio Sebastião ou acompanhá-lo em algumas viagens, tarefa que é dividida entre Wenders e Juliano.

Até pelo parentesco próximo de Juliano com Sebastião, é diferente o material produzido pelos dois diretores, o que tornou mais trabalhosa a montagem, mas enriqueceu de visões e vozes um material que nunca corre o perigo da hagiografia.

Embarcar em uma expedição pela tribo Zo’e, no Pará, em 2009, parecia arriscado de mais para Juliano Ribeiro Salgado. Não porque ele se embrenharia na mata e entraria em contato com uma das tribos mais isoladas da Amazônia. O receio maior era de estar tão próximo de Sebastião Salgado, que, até então, conhecia mais como renomado fotógrafo do que como seu pai. Seria um momento importante. O que ninguém imaginava era que desse encontro nasceria ‘Sal da Terra’. O documentário conquistou não só a indicação ao Oscar, mas foi capaz de resgatar a relação que parecia perdida entre os dois.

“Acho que tinha muita raiva dele por causa de suas ausências”, revela o cineasta Juliano Salgado, que cresceu enquanto o pai passava longos períodos fora de casa — de meses e até anos —, se dedicando aos seus projetos. “Não conseguíamos terminar uma conversa sem brigar. Nossa relação não era boa. Por isso, achava bem perigoso entrar nessa viagem”, confessa.

“Contactei o Wim Wenders e me abri para ele. Em 2011, já tínhamos um arco dramático para filmar essa história. Ele entrou para ajudar a comunicação com Sebastião e fazer com que ele compartilhasse suas experiências”, explica o diretor. A sacada de Wenders não foi entrevistar o fotógrafo, mas fazer com que ele falasse naturalmente. “O Wim o colocou em um estúdio, com uma cortina preta que isolava o resto da equipe. Nesse momento, tínhamos uma câmera que ele não podia enxergar. Só o que via era um espelho que refletia suas fotografias, enquanto lembrava a história de cada uma”, descreve o codiretor do longa.

Por “tudo aquilo”, Juliano cita o entendimento a olhos nus que Sebastião teve sobre a humanidade, em especial de quão bárbaros e cruéis podem ser os homens, em especial com a natureza. Na busca por entendê-los, ele conta que o pai foi “longe demais”, “se quebrou psicologicamente” e se reinventou. “Em uma época tão pessimista como a que vivemos, Tião e Lélia, minha mãe, encontraram esperança no mundo. Isso faz a força do filme: em um momento em que a humanidade se comporta de forma tão bárbara, eles mostram que ainda é possível fazer ações positivas.”

Há uma serena gravidade e contenção acompanhando cada imagem de “O Sal da Terra”, sem esconder uma irresistível admiração por seu personagem, desvelando sua paixão pela vida, o ser humano em tantas situações-limite e também pelos animais e a natureza, objeto de séries mais recentes.