O livro, editado pela Editora Fundação Perseu Abramo, reúne depoimentos vívidos de Renée rememorando sua infância na França, sua formação comunista na família, passagens de atuação engajada na Resistência francesa durante a 2ª Guerra Mundial quando conheceu e iniciou seu longo relacionamento com Apolonio, a vinda para o Brasil com os filhos e a militância na clandestinidade no Partido Comunista até chegar na colaboração com a formação do PT.

Ao relembrar os episódios, Renée faz também uma leitura crítica dos acontecimentos vividos pela esquerda nas últimas décadas do século XX, da perspectiva de uma mulher militante. A historiadora Marly Vianna organizou todo o material com as participações de René Louis, um dos filhos de Renée e Apolonio, e do pesquisador Ramón Peña Castro.

Além dos relatos, o livro é ilustrado com fotos da Renée desde sua infância até os dias atuais, com a família e documentos referentes a sua atuação na Resistência. A ilustração da capa é uma obra do artista plástico e militante Sérgio Sister, cedida exclusivamente para este livro. Destaque para o prefácio, assinado pelo ex-presidente Lula.

A pedido do portal Vermelho, Marly Vianna selecionou trechos do livro. Confira:

Na Resistência francesa
Eu fazia vários trabalhos, nem tanto ações espetaculares, mas um trabalho cotidiano intenso. Por exemplo, seguir agentes da Gestapo ou da polícia francesa, para saber onde eles moravam, procurar saber os caminhos que eles faziam para ir trabalhar e voltar para casa, para preparar atentados aos alemães. Havia atividades de informação, atividades de levantamento de áreas, atividades de ligação, de transmissão de material, de ordens, etc. E era preciso transportar armas.

Eu, sobretudo, viajava muito, nunca viajei tanto na minha vida! As viagens eram complicadas porque às 10 horas da noite havia o toque de recolher, às 10 ou 11 horas, dependia dos períodos, e tínhamos que ir para a estação bem mais cedo. Se fôssemos viajar às 2 horas da manhã, havia que chegar à estação antes das 10 ou das 11 horas. E quando carregávamos armas ou outro material, ficávamos muito expostos na estação, porque por lá passava a polícia francesa, a gendarmerie, passavam os soldados alemães, passava a gestapo, passava uma quantidade de polícias.

A clandestinidade no Brasil
Por exemplo, essa fase – que nem durou tanto assim – em que o {João} Amazonas estava em nossa casa, ele dizia: “Por que vocês não vão a um cinema? Aproveitem que eu estou aqui, os meninos estão dormindo, eu tomo conta e vocês vão ao cinema”. Nós fomos três vezes. Eu poderia até dizer o nome dos filmes que vimos, porque a consciência ficava muito pesada por termos ido ao cinema!

Pensávamos: “Nós temos um companheiro de responsabilidade em nossa casa e o deixamos lá para ir ao cinema!” E nunca mais fomos. Um dos filmes que vimos foi O Idiota, um filme muito bonito, tirado do romance de Dostoieviski,com o Gerard Philippe. Lembro do filme não somente porque gostei, mas porque fiquei com a consciência pesada por tê-lo visto…

Repressão pós-1964
“Quando o Apolônio já estava respondendo ao inquérito, depois dos 72 dias de incomunicabilidade, eu fui visitá-lo e insisti que tinha direito a vê-lo. Havia um oficial – nem todos os oficiais eram umas bestas – que me deu meia hora de visita. Foi a segunda vez que o vi e passei a visitá-lo normalmente. Um dia, quando o Apolônio estava nesse quartel de São Cristóvão, eu levei para ele um pacote de lenços de papel, que eu tinha levado para um dos meninos e que não aceitaram no quartel. Risquei o nome e escrevi ao lado o nome do Apolônio, que recebendo esses lenços se deu conta de que os meninos estavam presos.

Os meninos apanharam muito, foi terrível! Meu Deus… Houve dias assim… vocês sabem o que é vontade de urrar? Eu pegava o travesseiro para abafar. Foram dias horríveis.