A frase de Carmela permanece atual. O Brasil atravessa uma crise política de grandes proporções que coloca na arena o debate sobre democracia, direitos sociais, etc. A presidente eleita, Dilma Roussef, ex-guerrilheira presa e torturada pela ditadura militar, encontra-se afastada por um golpe a a pretexto de combate à corrupção. Forças pró e contra o impeachment buscam argumentos para consolidar suas posições. Há inclusive grupos que vieram a público invocar o retorno do regime militar.

O debate, portanto, permanece em aberto: ainda há controvérsias sobre qual é o real legado da ditadura. Nas concepções que norteiam as diferentes posições nessas controvérsias, existe uma disputa ética e política pela memória histórica desse período. Este livro, além de contribuir para esse debate, trata também da questão de gênero.

Esse estudo tem uma dimensão política que merece ser destacada. Para viver o presente e planejar o futuro, é preciso conhecer o passado. É preciso reconstituí-lo e interpretá-lo, pois é através desse eterno retorno à história, dessa indagação atual e constantemente renovada que vamos emprestando sentido ao presente e semeando o que está por vir.

Diversas correntes da historiografia e da sociologia empenharam-se neste resgate a partir de posicionamentos e hipóteses distintos. O objetivo deste trabalho foi, como diz Walter Benjamim, não permitir que o inimigo – representado pela história oficial, escrita pelas classes dominantes – vença mais uma vez sobre os mortos.

Este trabalho pretende resgatar parte de um período da história do Brasil, a ditadura militar (1964-1985), sob a ótica dos oprimidos, em particular as múltiplas e criativas formas de participação feminina na resistência ao regime militar, tornando visível, com entrevistas e pesquisa bibliográfica, sua trajetória e sua contribuição à conquista da democracia.

Busca construir uma outra versão desse período de nossa história, reconstituindo a trajetória coletiva e individual de um grupo de mulheres, em permanente interação com essas duas instâncias. Dessa forma, dando voz a essas mulheres, pretende contribuir para o resgate de seu desempenho como sujeito e agente desse momento da história social brasileira.

Os relatos de vida foram apontado para algo mais que vivências excepcionais num momento histórico hostil e violento. Havia, naquelas diferentes formas de se colocar frente ao opressor, tivessem elas consciência disso ou não, a construção de uma concepção de mundo e das relações entre os seres humanos que era a base de uma postura ética, libertária, calcada em valores tais quais a solidariedade, o respeito ao outro, a cidadania e a igualdade. Isso não estava presente apenas nos grandes gestos, como, por exemplo, pegar em armas, pondo em risco a própria vida, ou resistir bravamente à tortura, mas também nas atitudes aparentemente pequenas do cotidiano, como oferecer abrigo a pessoas perseguidas pelo regime, contribuir financeiramente com a resistência, cuidar da infra-estrutura dos militantes e tantas outras.

Mais do que isso, o próprio resgate dessa participação constitui, por si mesmo, um ato moral, no sentido de inserir essa atuação feminina dentro de uma visão de mundo, um conjunto de valores sociais que recupera plenamente o sentido de sua luta. Seguramente, essa visão não será, nem pretende ser, unânime. Mas a diversidade de interpretações desse período histórico, longe de reduzir, reforça a importância e legitima o resgate da história, da perspectiva de gênero, trazendo à tona a importância do desempenho das mulheres na teia de relações sociais, na resistência à ditadura e na luta pela conquista da democracia.

*Mãe de Ângelo e Murilo Pezzuti, ambos militantes do Colina. Começou a participar da resistência pela mão dos filhos e foi presa com eles, sendo também submetida a torturas. Exilou-se em Paris. Os dois filhos de Carmela morreram. Ângelo, em acidente em Paris. Murilo suicidou-se, já no Brasil, no Vale do Guaporé, numa crise de depressão decorrente das sequelas das torturas sofridas.

Serviço: 

Livro:

Esperança equilibrista — resistência feminina à ditadura militar no Brasil

Autora: Olivia Rangel Joffily

Editora Insular – Florianópolis, SC

Janeiro de 2016

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