Na conferência sobre Lênin, o imperialismo e as guerras, o filósofo destacou a Rússia e China como alvos dos EUA na disputa militar pela hegemonia econômica. Conforme explica ele, orientando-se pelo pensamento leninista, esta é a nova face do imperialismo e da colonização dos países dependentes pelas potências ocidentais.

Num evento promovido em parceria com a Sociedade Amigos de Lênin (SAL), a conferência procurou atualizar o debate sobre a teoria do imperialismo de Lênin, para a compreensão das disputas econômicas.

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, destacou o modo como este debate enriquece a teoria revolucionaria, atualiza-a, qualifica a prática transformadora e revolucionária que é, em última instancia, a essência do marxismo. O coordenador da SAL, Aloísio Sérgio Barroso, apontou o interesse e curiosidade que militantes de partidos comunistas europeus como o PC de Portugal e o PC da França demonstraram pela ideia do coletivo formado em torno do debate sobre o leninismo. “Eles consideraram uma ousadia sermos tão diretos nesse debate de ideias”.

Tomando posse do microfone, Losurdo partiu de um artigo de Tom Nichols, professor do Colégio Naval de Guerra dos EUA, na National Interest, afirmando a iminência de uma guerra nuclear entre seu país contra a Rússia e a China. Ele destaca as soluções nazifascista imaginadas no artigo para lidar com o suposto problema. “Porque prever essa guerra nuclear? Por acaso China e Rússia estão com suas bases se aproximando de Washington? Como se sabe é o contrário”, destacou ele.

Losurdo denuncia o modo como a historiografia atual trata a eclosão da Primeira Guerra Mundial como um acidente de percurso, omitindo o papel do capitalismo e do imperialismo. “Lênin define a primeira guerra como um conflito entre donos de escravos para consolidar e reforçar a escravidão. Era um exagero de Lênin essa definição?” questiona ele, citando diversos historiadores da época que descrevem um cenário de escravidão informal generalizada pelo mundo colonial. “Além da mão de obra, os povos coloniais nada mais eram que carne de canhão para as guerras entre as potencias colonizadoras”, acrescenta.

Ele pontua que Lênin talvez fosse o único que tivesse percebido a duplicidade do papel daquela guerra, como um conflito entre potenciais para conquistar colônias, assim como um conflito travado contra os colonizados para que servissem como carne de canhão. “A originalidade dessa situação é que o destino das colônias era decidido no território dos colonizadores”. Comentando uma intervenção da plateia, Losurdo afirmou que os “contractors”, mercenários contratados pela Otan e EUA para os conflitos atuais, são uma base social crescente das massas que se interessam pela guerra. “Agora, os interessados nas guerras, as companhias de contractors, estão ficando riquíssimas desde o Iraque. As guerras são organizadas por campanhas colossais de relações públicas”, explica ele.

Após a revolução russa, aquele enorme país eslavo passa a ser considerado como parte dos povos “de cor”, que podem ser colonizados, cujo destino deve ser o extermínio e a escravidão. “Desta forma, os dirigentes comunistas eram considerados instigadores das raças inferiores. Hoje em dia, os historiadores não têm duvida de que a guerra de Hitler foi a maior guerra colonial da história”, resume. Losurdo também coloca a tentativa de escravização de chineses e coreanos por japoneses num patamar similar.

Na primeira guerra, ele considera que os povos coloniais não desempenharam um papel tão proeminente. Já na segunda, a tentativa de escravizar os povos soviético e chinês desempenham um papel fundamental de resistência dando inicio as revoluções anticoloniais.

Losurdo ressalta a força teórica de Lênin, ao distinguir entre colonialismo e neocolonialismo. O colonialismo clássico é caracterizado pela anexação territorial e econômica, enquanto o neocolonialismo pela anexação econômica, como ocorreu com a dependência argentina da Inglaterra, para citar um exemplo latinoamericano. “O revolucionário chinês Mao Tse Tung entende que sem dependência econômica, a independência politica é meramente formal, assim como Che Guevara diz que, depois da agressão militar, temos que responder a agressão econômica”. Do mesmo modo, em resposta à intervenção de Pedro Oliveira, sobre a contribuição de Ho Chi Min para este debate, Losurdo observa que o vietnamita percebeu muito rápido a questão nacional como uma questão de classe. “São revolucionários que se tornaram comunistas quando entenderam esse movimento político como a força mais intransigente contra o colonialismo”.

Losurdo vai citando vários autoridades que explicitam o programa dos EUA para levar os países que resistem à colonização à fome e ao estrangulamento econômico. Mesmo com o “democrata” Kennedy, um alto funcionário da administração, Walt Rostow, se gabava de dizer que graças à política de cerco econômico, o desenvolvimento da China tinha se atrasado por décadas. A abertura do mercado chinês pelos EUA, com Deng Shiao Ping, conforme diz Neil Ferguson, se deu no espírito de transformar as zonas econômicas especiais na Ásia em colônias americanas. “A China se desenvolveu economicamente e tecnologicamente e os EUA tiveram que fazer sua política de pivô, deslocando forcas militares para a região”, explicou Losurdo.

São conhecidos os discursos de Bush Jr, presidente anterior a Obama, que fez sua campanha sob o dogma de que “nossa nação é eleita por Deus, e tem o mandado e a tarefa da história de estabelecer os EUA como modelo para o mundo.” Clinton era ainda mais enfático ao dizer que a América deve continuar guiando o mundo, numa missão atemporal e eterna. Em discurso recente, Obama diz que os EUA são a única nação indispensável. Já, Kissinger, era menos messiânico e mais realista ao dizer que a liderança mundial é própria do poder e dos valores dos norte-americanos. “É extraordinário como eles falam exatamente nos termos como Lênin rotulava os imperialistas”. Losurdo mostra que, mesmo analistas conservadores apontam o perigo da dominação dos EUA. Em resposta a comentário do historiador Augusto Buonicore sobre eventuais lutas nacionais da Europa, ele citou as bases militares dos EUA e da Otan na Itália, que num conflito com outras nações, certamente transformariam os italianos em “carne pra canhão”. Ele citou autores conservadores locais, como Georgio Romano, que alertam para o perigo de uma guerra nuclear envolver os italianos, ou ainda do “livre comércio” com a Itália não incluir China e Rússia.

A desigualdade das nações é a essência do imperialismo. Enquanto o imperialismo clássico falava em “white supremacy”, supremacia da cor da pele, hoje se fala de “western supremacy”, uma supremacia ocidental que não mudou muita coisa. As grandes guerras só são grande porque morriam as populações brancas dos países imperialistas. Os inúmeros conflitos imperialistas simultâneas que ocorrem hoje são tratadas como “pequenas guerras” porque só morrem “bárbaros”.

A Rússia sempre sofreu dominações e pode, perfeitamente tornar-se uma neocolônia, como foi após o fim da Primeira Guerra. Stalin tinha claro que os países ocidentais os consideravam como a África. “De fato, Hitler partilhava dessa ideia de transformar a Rússia numa África germânica”.

Após o fim da guerra fria, aconteceu a mesma coisa, com a Rússia se transformando em colônia. “As privatizações selvagens privaram a Rússia de toda a riqueza social produzida, mas também tiraram da Rússia os recursos energéticos nacionais que corriam o risco de cair nas mãos da Europa ocidental”, salientou Losurdo.
Com esse neocolonialismo tão claro, porque a resposta ainda é tão fraca? Esta pergunta foi feita pela historiadora Marly Vianna. Uma invasão militar revela com nitidez o agressor, mas um estrangulamento econômico é mais sutil. “Cuba respondeu com um trabalho econômico. Um trabalho obscuro, cansativo, dia após dia. As pessoas não conseguem enxergar o embate econômico”, analisou.

Após intervenção do filósofo João Quartim de Morais, de que não há contradição pura entre capital e trabalho, Losurdo ironizou que “certa esquerda, sem falar mal de trotskistas, acredita que a luta de classes se expressa de forma pura, do proletariado contra a burguesia”. Mas, a batalha de Stalingrado pode ser considerada como a maior luta de classes do século XX e da historia mundial, em sua opinião. O mesmo pode ser dito dos chineses contra o imperialismo japonês. Por outro lado, a dominação de Israel sobre as terras palestinas é um exemplo de colonialismo clássico. Quartim também lembrou, em seu comentário, que as revoluções socialistas que persistem no mundo atual são aqueles com fortíssimo conteúdo de libertação nacional, como Vietnã e China.
A geógrafa Rita Coitinho apontou a tendência acadêmica de substituição do termo imperialismo por hegemonia nos cursos de relações internacionais, por exemplo. Losurdo considera desnecessária essa troca, pois Marx foi um primeiro grande teórico da globalização e não se iludia sobre o caráter pacífico deste fenômeno.

Secretariado do Comitê Central

Na tarde desta mesma terça-feira (15), a Fundação Maurício Grabois e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) receberam Losrudo em sua sede nacional, na cidade de São Paulo. Após entrevistas para os veículos de informação do Partido, teve uma rápida conversa com o secretariado do PCdoB, em que ele comentou a amizade de 15 anos com os comunistas brasileiros. Falando sobre a trajetória do Partido Comunista Italiano (PCI), Losurdo lamentou o que chamou de “suicídio”, em 1991, do histórico partido de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti.

A história dos comunistas italianos, de acordo com ele, não merecia esse fim. Afinal, foi o PCI que se levantou contra o nazifascismo, configurando-se em um autêntico partido popular, nacional e revolucionário, uma característica que perdurou durante a chamada “Guerra Fria”. Ao assumir a ideologia dominante, entre 1989 e 1991, comentou Losurdo, o PCI ingressou no caminho que o levaria ao seu “suicídio”. Segundo ele, não foram poucos os que acreditaram na conversa sobre o “fim da história”, uma demonstração de que com o Muro de Berlin caiu também a capacidade de muitos críticos italianos enxergarem aqueles acontecimentos por uma perspectiva histórica.

Enquanto isso, no Brasil, disse ele, o PCdoB deu mostras de que compreendeu bem a essência da crise do socialismo e soube se preparar para esses novos tempos. Por isso, comentou Losurdo, ele volta para a Itália com forças revigoradas e novas energias revolucionárias quando visita os comunistas do Brasil. Disse também que se sente muito feliz com a divulgação, pelo PCdoB, de suas obras e ideias.

Respondendo a perguntas de dirigentes do Partido, Losurdo disse que a construção do socialismo passa por um processo de aprendizado e comentou o papel da Europa como força subordinada ao imperialismo norte-americano. Segundo ele, um fato significativo dessa história, para citar exemplos recentes, foi a participação da França e da Inglaterra nos ataques dos Estados Unidos à Líbia e a ingerência na Ucrânia com a finalidade de cercar a Rússia. Losurdo comentou também o tratamento dado aos imigrantes que chegam à Europa, segundo ele vítimas das políticas das potências que destruíram seus países.

A presidenta do PCdoB, Luciana Santos, deu as boas-vindas a Losurdo e fez um breve resumo da situação brasileira, explicando que sua presença no país é motivo de orgulho para toda a esquerda. Ela também comentou que as obras do filósofo têm sido uma referência para os comunistas do Brasil. Ela disse a Losurdo que, nesse momento de defensiva estratégica, é preciso reafirmar, sempre, a perspectiva socialista, e sua produção teórica tem sido essencial para ajudar na compreensão da realidade sob a ótica do marxismo.

Luciana Santos também tem acompanhado suas formulações sobre a luta de classes como movimento da história, elogiando a abrangência que ele atribui a esse conceito, em especial a luta feminina e as ações imperialistas contra as soberanias dos povos. Para ela, são questões como essas que reforçam a ideia de que o Partido Comunista é uma necessidade histórica, um instrumento das lutas populares. Luciana Santos explicou que o PCdoB tem se dedicado ao reforço dessa ideia, citando a participação dos comunistas nos movimentos sociais e seus meios de formação teórica dos militantes comunistas, como a revista Princípios e a Escola Nacional de Formação João Amazonas. 

Ela também comentou o ciclo progressista no Brasil iniciado com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, um caminho que o PCdoB defende como perspectiva para um novo salto civilizacional na busca pelo socialismo. No entanto, de acordo com Luciana Santos, nos aspectos da democratização do Estado e da sociedade não houve avanços. Ela explicou que a elevação da consciência política do povo é um ponto essencial para o avanço desse ciclo, uma questão tem contribuído para o momento de instabilidade política no país.

Segundo a presidenta do PCdoB, a ofensiva da direita para isolar a presidenta Dilma Rousseff trouxe grandes desafios em um cenário econômico fortemente impactado pela crise mundial. Diante desse quadro, disse Luciana Santos, o PCdoB reafirma sua confiança na presidenta da República e sua relação fraterna com o Partido dos Trabalhadores (PT). Para ela, o contexto de radicalização da luta política no país trouxe à tona aspectos conservadores e autoritários, e reforça a necessidade de união dos setores democráticos e progressistas da sociedade.