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É no município que a vida acontece: as pessoas moram, estudam, trabalham, passeiam, se locomovem, tratam sua saúde, fazem compras. São as cidades que concentram a maior demanda de serviços da população: saúde, educação, lazer, transporte, cultura, segurança.

Ao mesmo tempo, os municípios brasileiros têm perdido recursos – os orçamentos estão cada vez mais engessados e, em muitos casos, menores do que há alguns anos. “Eu não tenho ingerência sobre 70% das receitas do município que administro, Duque de Caxias. No último ano houve perda de arrecadação do ICMS, do Fundeb, ISS e aumento dos gastos com os serviços básicos e com a folha de pagamento”, disse o prefeito de Duque de Caxias Alexandre Cardoso – um dos convidados do painel “Finanças públicas municipais e papel do Estado”.

Ele apresentou distorções relacionadas à folha de pagamento do município, incluindo aposentadorias altíssimas – enquanto 300 mil pessoas da cidade não têm acesso à água. “Então, qual a prioridade de investimentos? É uma escolha que o administrador precisa fazer e comunicar à população, o que é difícil pois a mídia não dá espaço a este tipo de pauta”, explica.

Para o técnico em Finanças e assessor da Câmara dos Deputados Flávio Tonelli, esta questão é derivada da conjuntura econômica, agravada com a guinada feita pelo governo interino e golpista de Michel Temer. “Estamos vivendo uma nova rodada de políticas de austeridade no Brasil e em cenários como este os gastos públicos, sobretudo quando destinados ao povo, são tratados como problema”, avalia.

Neste momento, segundo Flávio, princípios federativos são rompidos e o pressuposto é que o papel principal do Estado é manter a estabilidade, o valor da moeda – e todo o resto é resolvido pelo mercado. “É a hora certa para a implementação de agendas que não foram referendadas pelas urnas, como estamos vendo agora”, arremata. 

Nova agenda urbana 

“Chegamos às vésperas dos Jogos Olímpicos com um projeto de cidade ‘bem-sucedido’, se olharmos pela ótica do capital. Não quer dizer que tenha dado certo, mas não há dúvidas que o que foi planejado foi implementado com sucesso”,  provocou o professor da Uerj, Mário Brum. “Hoje o Rio de Janeiro é uma cidade privatizada, que deixou de lado os seus cidadãos”.

Segundo Brum, o processo de desindustrialização fez com que a cidade entrasse em uma profunda crise e a saída foi a transformação do Rio de Janeiro como cidade de eventos e negócios.

As favelas foram apartadas deste processo e ações voltadas para estes territórios foram feitas para institucionalizar o mercado já existente: em 2013 as favelas movimentaram 8 bilhões de reais, segundo dados citados pelo professor. “A implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) serviu prioritariamente para tirar serviços da informalidade e cobrar deveres, sem garantir os direitos desta população”.

E um destes direitos fundamentais diz respeito à mobilidade urbana, já que de quatro viagens feitas de forma motorizada no Rio de Janeiro, três são em transporte coletivo. “A lógica vigente hoje é baseada em veículos e não em pessoas, quando deveria ser o contrário”, destacou o professor da Coppe/UFRJ Rômulo Orrico.

Para ele, um transporte coletivo deficiente impacta em perda econômica – o que por si só já justificaria esta inversão de lógica. No entanto, a mobilidade urbana é um fator que pode influenciar decisivamente em políticas de inclusão social e desenvolvimento econômico de uma cidade, ao garantir o direito de circulação com qualidade, rapidez e eficiência. 

“É preciso dar prioridade absoluta ao transporte público, não tem jeito.  Separar o fluxo entre transporte coletivo e individual, dar prioridade de uso de faixas, em estacionamentos, semáforos, sinalização… Todas as grandes cidades do mundo estão fazendo isso, por que não aqui?’, questiona.

Já a presidente da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), Bartíria Lima, destacou que os interesses do mercado e a especulação imobiliária vão de encontro às reivindicações dos setores populares pelo direito à moradia. 

“A cidade precisa cumprir a sua função social, garantir o acesso dos cidadãos aos seus direitos e à plena participação nas decisões”, enfatizou Bartíria. “Hoje as cidades estão crivadas de viadutos, ruas cercadas e muros cada vez mais altos. Neste contexto, onde está o convívio das pessoas?”, diz.