“Celebrar o centenário da Revolução Russa e os 95 anos da fundação do Partido Comunista do Brasil é resgatar a memória de grandes conquistas dos trabalhadores e de sua luta por edificar a primeira experiência histórica de uma alternativa viável ao capitalismo. É pensar na contribuição dos comunistas para a formação do Brasil moderno, e para as lutas por soberania, desenvolvimento e progresso social.

Felicitamos a Fundação Mauricio Grabois, pela excepcional iniciativa deste seminário. Passados cem anos, ainda é profundamente fecundo o estudo do que foi a Revolução Russa e da experiência de construção do socialismo da URSS. Os debates que irão transcorrer ao longo do dia, vão explorar o legado e as lições da Revolução Russa, as tendências mundiais da crise do capitalismo e a nova luta pelo socialismo. A qualidade dos nossos convidados é um outro ponto alto deste seminário, o que enriquecerá sua contribuição.

Ao colocarmos nossas lentes sobre o centenário da Revolução Russa, buscamos retirar lições desta gigantesca experiência histórica. A epopeia da Revolução Russa produziu um impacto que se equivalem há muitos momentos de virada histórica, como foi a Revolução Francesa. Se a primeira colocou na ordem do dia a importância da Igualdade, da Fraternidade e da Liberdade, a segunda comprovou que tais ideais só podem efetivar-se em um regime de justiça social, igualdade de oportunidades e respeito a autodeterminação dos povos.

Com a Revolução Russa nasce um novo modelo de sociedade

Como afirma o dirigente comunista português, Álvaro Cunhal, o século XX é o século do nascimento do socialismo, um modelo alternativo que demonstrou possível de ser construído e que produziu inúmeras conquistas para a humanidade. Ele se dá nas mais variadas áreas do saber, dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, da política, seja na luta das mulheres, nos avanços científicos, econômicos, seja na educação, na saúde, na literatura, no cinema.

A experiência socialista na URSS, além de ter sido responsável pela maior distribuição de renda direta e indireta, é também uma das responsáveis pelo amplo processo de descolonização que se desenvolveu a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

Trata-se de uma conquista civilizacional de grande magnitude – o direito à soberania e à autodeterminação dos povos –, consagrada na Carta das Nações Unidas de 1945, em grande medida devido à ação diplomática da URSS. A orientação anti-imperialista e o princípio de solidariedade e cooperação entre os povos em luta foram o esteio para o apoio à luta anticolonial de inúmeros povos na África, Ásia e no Oriente Médio.

A questão social na Rússia e o problema da desigualdade não se limitam às transformações realizadas no interior do antigo império czarista. Ela incidiu inclusive na consolidação do estado de bem-estar dos países desenvolvidos. Seus impactos produziram a maior desconcentração de riquezas e renda da história da humanidade.

Ao longo desse processo a URSS consolidou-se como uma referência para o mundo. Um modelo que inspirava as lutas dos revolucionários de todo o planeta e permitia a esses afirmar que era possível construir uma sociedade sem a exploração do homem pelo homem e pleno desenvolvimento social e econômico da sociedade.

O respeito pela União Soviética era tanto que, mesmo o Brasil não tendo relações diplomáticas com a URSS, o cosmonauta Yuri Gagarin visitou o país, em junho de 1961, depois de três meses da realização de seu feito como o primeiro homem a ir à órbita do planeta. Se produziu uma imensa comoção nacional, milhares de pessoas nas ruas para o recepcionar. O fato repercutiu tanto que, em dezembro daquele mesmo ano foram restabelecidas as relações diplomáticas. Na ocasião, Gagarin foi condecorado pelo prefeito de São Paulo, Prestes Maia, e pelo presidente da República, Jânio Quadros.

A Revolução Russa e o Partido Comunista do Brasil

A Revolução Russa inspirou a fundação do Partido Comunista do Brasil, um acontecimento resultante de inúmeros fatores, entre eles as transformações que vinham se gestando na sociedade brasileira com o processo de industrialização. Nas primeiras décadas do século XX o Brasil sofria os impactos da Primeira Guerra Mundial, que limitava suas exportações e agravava a situação econômica. Haviam ocorrido iniciativas anteriores de organizar os trabalhadores. Todas restritas e frágeis, mas de grande significado. Entre elas, se destacam a Liga Operária, a Sociedade Operária de Santos (1877), a União Operária (1880) e os clubes socialistas.

Faltava- aos trabalhadores um instrumento político efetivo, um partido de classe. Sua fundação foi um salto imenso na consciência e na participação na vida política do país, além de incorporar a perspectiva de transformação revolucionária da sociedade. A influência era tão grande que, em 1919 – seguindo uma diretiva da III Internacional recém-criada –, as principais lideranças anarquistas fundaram um Partido Comunista no Brasil que, devido à predominância de suas concepções, não prosperou. No geral, as iniciativas organizativas eram de ajuda mútua, frágeis e minoritárias. E havia, entre seus promotores, intelectuais, profissionais progressistas.
A criação do partido – instrumento da luta política e de transformação

Os comunistas brasileiros se referenciaram nas experiências socialistas por décadas e chegam aos dias atuais com uma avaliação ponderada dos seus erros e acertos para fazer avançar o nosso pensamento programático. A contribuição inicial de Astrojildo Pereira foi enorme. Sintonizando com o que ocorria ao redor do mundo, conectado com os ideais de transformação social, ele teve papel central na busca de informações e na análise do que vinha ocorrendo na Rússia. Mas o caminho para o Partido se consolidar teve seu tempo.

Com erros e acertos, chegou ao final da década de 1920 como força política respeitável. Foi força ativa na Aliança Nacional Libertadora, que comandou o Levante de 1935. Estava em questão o combate ao nazi-fascismo, que influenciou o golpe do Estado Novo em 1937. Os comunistas estiveram na linha de frente daquele processo e emergiram novamente como força política respeitável quando os ventos da Segunda Guerra Mundial começaram a soprar a favor da democracia.

O Partido começou o processo efetivo de ligação com as massas. Foi quando a União Nacional dos Estudantes (UNE) ganhou força e a Liga de Defesa Nacional, fundada em 1918, ressurgiu com forte presença comunista; contribuiu para a unificação dos trabalhadores a partir da formação de uma central sindical. Uma das tarefas prioritárias seria a mobilização popular a favor da entrada do Brasil na guerra contra o Eixo nazi-fascista (Alemanha-Itália-Japão), a Segunda Guerra Mundial, especialmente com a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaria na Itália.

O rico debate sobre a experiência socialista e a evolução do pensamento programático

O PC do Brasil ao longo de seus quase 95 anos, elaborou cinco programas que expressam o esforço coletivo em torno dos caminhos e rumos da revolução brasileira. Paradoxalmente é com a debacle da União Soviética que o PCdoB, aprofunda sua análise sobre as experiências da construção do socialismo, que se reflete no programa debatido na 8 º Conferência Nacional, e logo atualizado em seu 12 º Congresso do PCdoB.

A evolução destes esforços se orientou ao entendimento adequado do processo de transição para esta nova sociedade; reconhecendo as experiências de construção vigentes em outros países, a partir da noção de que em cada localidade a luta pela nova sociedade ganha suas próprias formas. Por outro lado, apontamos para a necessidade de pensar histórica e dialeticamente sobre a formação do Brasil, sua classe operária, trabalhadora, e os seus dilemas e desafios como nação soberana e desenvolvida e com progresso social.

A gênesis do pensamento programático do PCdoB está em, dialeticamente fazer a junção destes dois fatores, extrair lições das experiências socialistas, e estabelecer uma visão abrangente e profunda sobre o Brasil e seu povo.

Ao mesmo tempo busca estabelecer uma visão abrangente, tratando de compreender a singularidade do momento; as características do capitalismo na atualidade, sua dimensão rentista, de suas crises; os conflitos e tensões decorrentes do processo de transformação e reconfiguração na ordem internacional, e da tendência a multipolaridade.

O esforço do PCdoB é estabelecer um programa tangível e factível. Nele, apontamos que nossa luta é rumo à transição ao socialismo. No centro do nosso programa está a questão nacional, o nosso caminho estratégico, é a construção e implementação de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Este é o caminho para avançarmos rumo à transição para o socialismo no Brasil.

O tempo futuro é do socialismo

O mundo é marcado por fortes tensões, instabilidade, ameaças à paz e aos povos. O Século XXI avança com uma prolongada crise do capitalismo que já chega aos seus dez anos, e busca com políticas de austeridade, colocar sobre os ombros dos trabalhadores os seus custos. As inovações cientificas e tecnológicas nos processos de produção, ao invés gerar crescimento e inclusão social, ampliam as distâncias entre os ganhos do capital e do trabalho. As guerras, realizadas em nome de uma suposta defesa da democracia e dos direitos humanos, provoca a destruição de Estados e Nações, gerando verdadeiros êxodos migratórios, mostrando uma das faces mais cruéis e desumanas do capitalismo.

É a incapacidade do capitalismo de resolver os problemas da humanidade, de responder a dilemas da civilização que torna o socialismo uma necessidade contemporânea.

A luta hoje pelo socialismo passa pela centralidade da questão nacional, pela defesa da soberania, elementos que dão densidade à luta anti-imperialista. Ela se desenvolve em condições complexas, onde se torna necessário atualizar e desenvolver as categorias, de dois pensadores essenciais de nossa época, Marx e Lenin, e assim colocando luz sobre novos dilemas que a realidade nos apresenta.

O lugar do Partido Comunista do Brasil na cena política é, em última instância, decorrência da interpretação da realidade à luz das orientações táticas e estratégicas existentes no programa partidário. Ter rumo e objetivos claros, visão e projeto de nação definidos, nos permitem navegar no turbulento e agitado mar da política brasileira.

Hoje, após um golpe de estado de novo tipo, com protagonistas que promoveram um processo de impedimento de uma presidenta eleita, sem a existência de crime de responsabilidade, com o único objetivo de barrar um projeto nacional e popular e impor uma agenda ultraliberal, de desmonte do Estado, da democracia, promovendo a retirada de direitos dos trabalhadores e do povo e adotando uma agenda de submissão aos interesses internacionais. Contra isto, lutam hoje os comunistas no Brasil.

Tratamos de pensar estas questões dialogando com o que existe de pensamento mais avançado na sociedade. É por isto que estes encontros, são de grande transcendência para o desenvolvimento do pensamento partidário, de sua reflexão estratégica e tática. Na base do respeito mútuo, construindo reflexões que enriquecem nossa análise. Este constante intercâmbio de ideias – com base no respeito mútuo -, é uma exigência da atualidade.

Os ideais da Revolução de Outubro de 1917, bem como os motivos que levaram bravos lutadores a fundar o Partido Comunista do Brasil há 95 anos, continuam a nos inspirar, pois continuam atuais. As forças que buscam a transformação social, não tenhamos dúvidas, conseguirão descortinar novos caminhos para lutas emancipacionistas. O tempo futuro é do socialismo.”