Neste tempestuoso início de século, reter aspectos da contribuição original do pensador italiano Antônio Labriola (1843-1904) (1) é-nos instigante e tem grande pertinência. Não porque bastaria um julgamento definitivo (e quase desconhecido) do teórico revolucionário Franz Mehring: “Inteiramente independente deles, Labriola tivera o mesmo desenvolvimento intelectual de Marx e Engels” – recupera Valentino Gerratana.

Gerratana ressalta: especialmente no curso de profícua correspondência com Engels (1890-94), Labriola esmiuçou o método dialético: o qual exigia “salvar os fenômenos”, para “deixar intacta a natureza empírica de cada formação particular”; simultaneamente voltando o “pensamento dirigido no sentido de dar conexão e unidade à variedade da observação”.

Neste viés, numa narrativa teórica desenvolta e bem estruturada, Os marxismos do novo século, do argentino César Altamira surpreende. Propõe-se a, ambiciosamente: a) analisar a “Escola da Regulação” francesa, até a sua crise teórica; b) destrinchar signos do “Operaísmo Italiano”; c) configurar uma corrente denominada de “Open Marxism”; d) confrontar as correntes “Open Marxism” com o “Autonomismo” desdobrado do “operaísmo” italiano; e e) polemizar em torno e “para uma teoria do conhecimento materialista”.

A pesquisa – estribada numa interpretação de enorme gama de autores –, conforme Altamira nuclearia a ideia de qualquer renovação do marxismo na nossa época, enseja desafio particular que “exige dar conta da reestruturação em curso do capitalismo e do novo tipo de capitalismo emergente” (p. 52). Ou, ainda, essa empreitada “terá que dar conta dos sugestivos deslocamentos operados na composição dos grupos que constituíam o velho proletariado, assim que emergiu a chamada fase pós-fordista de acumulação” (p. 53).

Assim, o desenvolvimento de novas categorias analíticas é necessário para dar conta da “teoria e da prática dos novos sujeitos sociais, assim como da nova natureza do trabalho de acordo com a atual dinâmica do capitalismo” (idem, ibidem). Daí as referências (criteriosas e críticas) do rico painel de autores – em enfoques e momentos múltiplos –, principalmente de A. Negri, M. Tronti, C. Offe, D. Harvey, A. Lipietz, B. Coriat, R. Boyer, G. Bernis, N. Poulantzas, P. Boccara, S. Brunhoff, M. Aglietta, S. Clarke, J. Holloway. Entrecruzados sobre ideias de Marx, L. Althusser, G. Deleuze, F. Guattari, F. Nietzsche; algo de Hegel… mais de Keynes.

Pontos centrais de um “resumo”: 1) Altamira constrói uma interpretação crítica convincente da “Escola da Regulação”, subsumida numa mutação involucionista: de “uma teoria da transformação social a serviço do reformismo radical”, noutra, “convencionalista, simplesmente uma teoria acadêmica com relação ao existente” (p. 113). 2) Sua visível simpatia às concepções autonomistas do “operaísmo” italiano, desemboca no romantismo da tese de um protagonismo operário “pivô dessa cultura política”. (…) “E que não se limitou a propor reivindicações, mas que proporcionou uma metodologia de discussão e encontros coletivos: as assembleias nas fábricas” (p. 216). 3) Nas curvas da síntese entre “Open Marxism” x “Autonomia Operária”, a idealização filosófica ipsisverbis: o “autonomismo [teórico de Negri] (2) retomará o Lênin que tomou a matéria-prima da subjetividade espontânea dos trabalhadores de fábrica e a transformou em uma arma coerente e subversiva” (p. 348).
A obra de Altamira convida à controvérsia e à cultura marxista. Mas a dialética é “ciência do conjunto das conexões” (Engels) (3).

A. Sérgio Barroso é doutorando em Economia Social e do Trabalho e diretor de estudos e pesquisas da Fundação Maurício Grabois

Notas
(1) Sobre a originalidade em Labriola ver especialmente: “Antonio Labriola e a introdução do marxismo na Itália”, de V. Gerratana, in: HOBSBAWN, E. (org.). História do marxismo, v. 4, Paz e Terra, 1986. Também verbetes in: HUISMAN, Denis. Dicionário dos Filósofos, Martins Fontes, 2004; BOTTOMORE, T. (org.). Dicionário do pensamento marxista, Zahar, 1983.
(2) “O Manifesto” – escreveu Hobsbawn – “vê o desenvolvimento do proletariado como ‘a organização dos proletários em classe e consequentemente em um partido político’” (Sobre história, p. 308, Companhia das Letras, 1998).(3) Dialética da Natureza, p. 201, Paz e Terra, 1979, 2ª edição.

EDIÇÃO 100, MAR/ABR, 2009, PÁGINAS 129