O conflito árabe-israelense tem raízes na pregação, pelo movimento sionista, da criação de um Estado judeu na Palestina, e na imigração de judeus para lá, fomentada por financistas britânicos no começo do século XX, com o apoio do governo inglês.

Esse movimento levou, em 1947 e depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, à criação pela ONU do lar judeu, com a partilha da Palestina em dois Estados, um judeu e outro palestino. A proposta foi rejeitada pelo mundo árabe, marcando mais um passo no conflito cujo derradeiro episódio, sangrento e desproporcional, foi a agressão militar contra a Faixa de Gaza, entre o final de 2008 e o início de 2009. A pretexto de liquidar a resistência do Hamas – o grupo político que dirige a Faixa de Gaza –, Israel fez violento uso da força militar contra a população palestina, alegando o lançamento de foguetes contra seu território, e a não renovação do acordo de seis meses de não agressão (que terminou em dezembro). Um acordo que previa a abertura das passagens entre os territórios palestino e israelense e que foi violado sistematicamente pelos israelenses, que mantiveram o bloqueio de Gaza impedindo o trânsito de pessoas e a entrega da ajuda humanitária internacional, numa agressão contra todo o povo palestino, como diz seu embaixador no Brasil, contra seu território, e a não renovação do acordo de seis meses de não agressão (que terminou em dezembro). Um acordo que previa a abertura das passagens entre os territórios palestino e israelense e que foi violado sistematicamente pelos israelenIbrahim Al Zeben.

O resultado desta agressão foi devastador. Mais de 1.300 pessoas morreram, entre elas mais de 400 eram crianças, e cerca de 5.500 ficaram feridas. Estima-se que quatro mil casas foram destruídas e milhares danificadas, deixando cerca de 80 mil desabrigados. Universidades, escolas, hospitais, creches, mesquitas, prédios de instituições públicas foram destruídos. Comboios humanitários da ONU também foram bombardeados. Além da desproporção entre a agressão de Israel e as forças palestinas de resistência, foram usadas armas proibidas por convenções internacionais, como o fósforo branco, que provoca lesões gravíssimas.

Terra dividida – e ocupada

O drama vivido pelos palestinos já é antigo. Em 1880, dos 500 mil habitantes da Palestina, apenas 24 mil eram judeus. Ante o violento antissemitismo na Europa, o banqueiro inglês Rothschild passou a financiar a imigração de judeus para a Palestina, instalando colônias para fixar essa população que serviria de suporte para os interesses do imperialismo britânico na região.

A Organização Sionista Mundial, criada em 1897, apoiou aquela imigração defendendo a tese de seu líder e fundador, Theodor Hertz, de instalação de um Estado judeu na Palestina, justificando-a com o preconceituoso (contra árabes e palestinos) argumento de que ele seria uma muralha contra a Ásia e uma sentinela avançada contra a “barbárie”.

Após a Primeira Guerra Mundial, com a derrota e desagregação do Império Otomano, a Inglaterra ficou com Palestina, Iraque e Jordânia, e a França com Síria e Líbano.

Antes, em 1917, o secretário da Chancelaria britânica, Arthur Balfour, já havia confirmado para Rothschild o apoio britânico à criação, na Palestina, de um lar nacional judeu. E a imigração aumentou rapidamente o número de judeus no local onde, em 1931, havia um milhão de palestinos (o dobro de 50 anos antes). Entretanto, o número de judeus mais de sete vezes, chegando a 175 mil. Em 1936, quando houve violentos confrontos pela independência, o exército judeu Haganah deixou claro seu caráter de instrumento do imperialismo atuando junto com os britânicos na repressão aos patriotas palestinos – antecipando o que ocorreria mais tarde, depois da criação do Estado judeu.

Em 1948, época da fundação do Estado de Israel, os judeus já eram 500 mil, quase três vezes mais do que em 1931; hoje, após 60 anos, são sete milhões, e não há sinal de paz entre árabes e judeus no horizonte.

Até aquele ano, a Cisjordânia correspondia à Palestina. Posteriormente foi dividida em três partes: a Faixa de Gaza, a atual Cisjordânia e uma outra que passou a integrar o Estado de Israel. Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia foram ocupadas militarmente por Israel. Hoje, a Cisjordânia é governada pela Autoridade Nacional Palestina, laica e defensora da coexistência de dois Estados, o que joga por terra qualquer justificativa de não aceitação de seu Estado por parte de Israel.

Mas o governo de Tel Aviv continua a espoliação territorial e promove a instalação de colônias (condenadas pela ONU e pela comunidade internacional), para subtrair mais fatias do território palestino. Segundo o Movimento Pacifista “Paz Agora”, em 2008 as colônias judaicas cresceram 57% em relação a 2007. Na campanha eleitoral deste ano em Israel, o Likud, partido de direita, e outros partidos fundamentalistas propuseram a ampliação desses assentamentos. Além disso, cerca de 700 barreiras militares na fronteira transformam o cotidiano palestino em um drama permanente. Como se já não bastasse, o “muro do apartheid”, com 700 km de extensão em terras palestinas, segue pouco a pouco acrescentando a Israel territórios que antes da guerra de 1967 eram palestinos. Muitas vezes, áreas ricas em água. A CIA (Central Intelligence Agency) norte-americana diz que há 364 mil israelenses nos assentamentos no meio de 2,5 milhões de palestinos.

O jornalista Gustavo Chacra (O Estado de S. Paulo, 01.02.2009) constatou que “a ocupação militar israelense paralisa a Cisjordânia”. Isto é, seja com o governo do radical Hamas, que não aceita o Estado de Israel, ou com a moderada Autoridade Palestina Al Fatah, que o aceita, a ofensiva de Israel contra a Palestina é violenta e desproporcional, seja em Gaza ou na Cisjordânia. A resistência árabe-palestina

A resistência árabe e palestina contra a decisão da ONU nasceu junto com a criação do Estado de Israel. Na década de 1950 surgiu o Movimento Nacionalista Árabe, formado por estudantes: a Resistência Palestina estava se organizando. Foi neste contexto que surgiu em 1964 a Al Fatah, em Gaza, onde vivia seu líder Yasser Arafat, um palestino de Jerusalém. Desde o início ela havia decidido seguir o caminho da Argélia que, através da revolução, se libertou da colonização da França. Neste mesmo ano foi criada, em uma conferência dos países árabes, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), uma frente política nacionalista. Inicialmente ela era dirigida por lideranças mais próxima dos governantes árabes mas, após a derrota na guerra de 1967, Yasser Arafat assumiu sua direção, mantendo-se como líder da OLP até sua morte em 2004.

A propaganda pró-Israel e pró-imperialista criou a falsa imagem do caráter religioso da luta, opondo judeus a islamitas. Dela resulta uma visão distorcida do conflito, que é movido, desde seus primeiros tempos, pelo nacionalismo palestino e pela determinação de expulsar os colonizadores e o imperialismo cujo principal instrumento, hoje, é o Estado de Israel.

Aliás, lembra o jornalista Bernardo Kucinski, que é membro da comunidade judaica brasileira, foi entre os “árabes que os judeus gozaram da maior liberdade religiosa” (artigo publicado no portal Carta Maior). E também de “acesso irrestrito ao saber, às artes e à ciência”. Ele faz um breve retrospecto da história e afirma que “o período de ouro da diáspora judaica se dá nos domínios do império árabe. Sua desgraça começa exatamente com a queda de Granada para os cristãos em 1492 e a expulsão dos judeus da Espanha e Portugal. Surge a inquisição que queimava judeus na fogueira, depois os pogroms (na Rússia czarista) que os abatia sem suas aldeias, e finalmente o Holocausto”, na Alemanha nazista.

A determinação contra a ocupação estrangeira está na base da árdua luta pela afirmação da OLP como única e legitima representante do povo palestino, e explica a forte repressão que sofreu ao longo da história. Como em 1970, quando a ofensiva conhecida como “setembro negro”, comandada pelo rei Hussein (Jordânia) com ajuda dos EUA matou quatro mil palestinos e feriu onze mil. Os israelenses, por sua vez, também reagiram mal à fundação da OLP, à qual acusavam de terrorista. Alegavam que só era possível negociar com representantes árabes como o rei da Jordânia, que se negava a representar os palestinos.

Em 1974, em um discurso histórico na ONU, Arafat propôs aos israelenses que saíssem do isolamento moral aceitando o estabelecimento na Palestina de um Estado democrático no qual cristãos, judeus e muçulmanos vivessem em justiça, igualdade e fraternidade. A partir daí a OLP passou a ser a representante do povo palestino nos fóruns internacionais e conquistou o posto de observador na ONU. Em 1988 o Conselho Nacional Palestino reconheceu o Estado de Israel e defendeu a formação de um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia, com capital em Jerusalém. Seu território teria apenas 22% do original.

Passados mais de vinte anos esta proposta não se viabilizou. As forças dominantes em Israel não aceitam o Estado palestino. Mesmo por que em Israel as forças democráticas e progressistas e que apoiam a paz e o Estado palestino são minoritárias. Sua situação é bem ilustrada pelo caso do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, que acertou uma negociação de Paz com Arafat e foi assassinado por um jovem israelense de ultradireita.

A situação ficou ainda pior nos oito anos do governo de George Bush. A prioridade estadunidense em atacar o Oriente Médio se impôs sob o pretexto de luta contra o terrorismo e Israel aderiu a esta agenda com grande interesse político. Israel e Bush tacharam a liderança de Arafat como terrorista e não negociavam com ele. A agenda do império americano girou em torno do combate ao chamado “terrorismo”, sem chance para a discussão da paz e da criação do Estado palestino.

No caminho entre o Ocidente e o Oriente, a maior reserva mundial de petróleo

Os ingleses já haviam proposto, na década de 1930, a criação de dois Estados, um judeu e outro palestino; ela corresponde ao interesse geopolítico das potências ocidentais nessa região estratégica que é o ponto de conexão entre Europa, Ásia e África.

No século XIX o comércio entre a Europa, principalmente o Império Britânico, e o Oriente foi enormemente facilitado pela construção do Canal de Suez, inaugurado em 1869 (nacionalizado pelo governo egípcio de Gamal Adbel Nasser em 1956). Ele reduziu à metade o tempo de viagem entre Europa e Índia, e o trajeto de 18 mil km foi encurtado para 10 mil. Os interesses em torno do Canal foram, e são, gigantescos.

A existência de grandes reservas de petróleo na região reforça sua importância estratégica. É por ela que passam oleodutos e gasodutos que ligam os centros produtores aos mercados consumidores da Europa. Desde 1859 quando o primeiro poço de petróleo jorrou na Pensilvânia, EUA, o petróleo tornou-se a principal fonte de energia. Mas os EUA, principais consumidores de produtos industrializados e de combustível fóssil do mundo, têm reserva de petróleo apenas por poucos anos, e isso é motivo de dor de cabeça para seus dirigentes. Em outras palavras, os EUA são os maiores consumidores e dependem de petróleo importado. É ele que explica a presença dos EUA no Oriente Médio, e Israel, defendido forma incondicional, é a ponta de lança da ganância estadunidense na região. Este também foi o motivo pelo qual os EUA invadiram e ocuparam Iraque, e não a alegada implantação da democracia.

Duas organizações de orientação islâmica: Hamas e Jihad

Quando o partido Hamas venceu as eleições legislativas de 2005 na Faixa de Gaza e nomeou como primeiro-ministro Ismail Haniyeh, o conflito entre os palestinos cresceu. O Hamas expulsou de Gaza os membros da Autoridade Palestina (Al Fatah) de Mahmud Abbas e esta fez o mesmo com o primeiro-ministro do Hamas. A quebra da unidade do povo enfraqueceu a luta e trouxe consequências graves, pois facilitou a ocupação por Israel. Principalmente numa situação em que, tal como fizeram com Yasser Arafat (que ficou preso na sede do governo palestino, em Ramallah, por três anos, só saindo para morrer em um hospital em Paris), Israel não aceita negociar com o Hamas, preferindo apostar na violência e na ocupação dos territórios.

O governo israelense alega que a guerra do fim de 2008 foi uma resposta aos foguetes disparados pelo Hamas. Por outro lado, os palestinos argumentam que, há dois anos, o bloqueio a Gaza (com apoio da União Europeia e dos EUA), como represália à eleição do Hamas, tornou insuportável e dramática a vida de 1,5 milhão de habitantes.

As palavras do professor Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos (Folha de S. Paulo, 06-01-2009), descrevem esta situação: “Israel, ao fechar os acessos da fronteira de Gaza, descumpre suas obrigações como potência ocupante e pune coletivamente a população civil”, sendo equivocado “o não reconhecimento das eleições legítimas” que levaram ao poder o Hamas “e sua classificação como movimento terrorista”.

Horror condenado

Há várias hipóteses para explicar a agressão de dezembro de 2008, e não se excluem. Uma delas é a aproximação das eleições em Israel, com apoio maior para as posições pró-guerra. Outra é o apoio incondicional a Israel do governo de George Bush nos EUA, já que se espera maior moderação do novo presidente Barack Obama, mesmo apoiando Israel.

O horror da agressão israelense foi tamanho que a opinião pública se levantou condenando a carnificina e exigindo um “BASTA”. Manifestações públicas contra ela se espalharam pelas capitais e grandes cidades do mundo, demonstrando o respeito que a resistência palestina merece. E apoio, para cumprir seus objetivos fundamentais que são a conquista de seu Estado nacional palestino, soberano, independente, viável economicamente, convivendo democraticamente com todos os países do mundo, inclusive com o Estado de Israel. As nações, a ONU, os amantes da paz, da justiça e do progresso precisam se envolver na busca da justiça para este sofrido povo palestino. E justiça é garantir-lhe sua pátria, o Estado palestino soberano, com capital em Jerusalém.
Jamil Murad é vereador pelo PCdoB/SP.

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EDIÇÃO 100, MAR/ABR, 2009, PÁGINAS 118, 119, 120, 121