Operação Barbarossa: assim foi denominada a primeira fase do ataque alemão à União Soviética na Segunda Guerra, desencadeada em junho de 1941. E de início tudo correu de acordo com os planos dos líderes da maior e mais perfeita máquina militar até então montada no mundo. A ação das tropas nazistas foi arrasadora; a blitzkrieg funcionou perfeitamente na Rússia. Precedidos por uma intensa barragem de artilharia pesada e de um sistemático bombardeio aéreo de saturação que pulverizaria fortificações, entroncamentos ferroviários, bases aéreas e navais, centros de concentração de tropas, depósitos de material bélico e combustível, três poderosos exércitos alemães, antecedidos por grandes formações blindadas invadiam a União Soviética, com o apoio de forças finlandesas, húngaras e romenas.

Privado de comando competente, comunicações rápidas e perdendo a iniciativa da luta em todos os setores, o Exército Vermelho foi facilmente dividido em grandes grupos pelas vanguardas blindadas alemãs, que operavam como cunhas. Posteriormente, os grupos isolados eram cercados e submetidos a bombardeios de saturação.

Para os soviéticos, a invasão foi uma dupla e dolorosa surpresa. A primeira surpresa foi tática, pois os comandos soviéticos responsáveis pela defesa das fronteiras ocidentais estavam com as mãos amarradas, em vista das ordens expressas de Stalin de evitar qualquer medida que pudesse ser interpretada como “provocação” aos alemães. Assim, a despeito da surpresa, da desorganização inicial do Exército Vermelho, da perda de importantes bases, centros de comunicações e indústrias vitais, os russos revelavam-se dispostos a lutar, contrariando os prognósticos dos alemães.

As ordens de Hitler eram que todos os judeus e militantes comunistas que lhes caíssem nas mãos deveriam ser sumariamente liquidados, além de considerar toda a população como refém para execução como represália a qualquer ato de sabotagem ou guerrilha. Blumentritt, um dos generais responsáveis, observaria: “A conduta dos russos, mesmo nos primeiros choques, é completamente diferente dos poloneses e dos ocidentais quando são batidos. Mesmo quando estão cercados, os russos resistem e lutam, quase sempre até a morte…”

Os exércitos que invadiram o Norte da Rússia eram comandados por Van Leeb e tinham Leningrado, cuja frota marítima dominava o Báltico, como alvo principal. Foi o agrupamento armado, que mais blindados possuía e que mais rapidamente avançou (realizou cerca de 300 km em quatro dias!).
No global a operação nazista no curto período de 90 dias ocupou uma área em que vivia 40% da população soviética, de onde provinham 65% do carvão, 60% do ferro, do aço e do alumínio, 40% dos cereais e 90% do açúcar. Os agrupamentos nazistas da Frente Sul ameaçavam o Cáucaso, os do Norte estavam a ponto de tomar Leningrado e os do Centro continuavam rapidamente a caminhada na direção de Moscou. Enquanto isso, o número de soviéticos aprisionados nas grandes batalhas de envolvimento chegava a centenas de milhares, enquanto o de mortos — civis e militares — ultrapassava em três meses o primeiro milhão.

Restava aos soviéticos apegarem-se desesperadamente nos trunfos que lhes restavam: ao espírito da Revolução de 1917, ao sentimento patriota do povo, e, também, aos tanques T-34, que se revelariam os mais eficientes da Segunda Guerra Mundial. Possuíam ainda a unidade de comando especial, a Stavka, que funcionando sob a orientação direta de Stalin, desferia golpes certeiros e mortais no inimigo; unidades guerrilheiras que, rapidamente formadas, destruíam linhas de comunicação dos invasores. E, finalmente, um punhado de oficiais altamente capacitados e que se encarregariam de transformar o Exército Vermelho, que se retirava em todas as frentes, numa formidável máquina de guerra, à altura da alemã. Entre esses oficiais sobre os quais recairia o peso da missão de transformar a sucessão de derrotas na vitória final estava o gênio de Jukov.

Ao Norte, estava Leningrado quase totalmente sitiada. Hitler tinha planos especiais para a cidade que havia sido o berço da Revolução de Outubro. De início, estava disposto simplesmente a ocupá-la. Mas a obstinada resistência oferecida pelo Exército e pela Marinha em defesa da cidade o exasperaria a tal ponto que ele ordenou que as eventuais ofertas de rendição das forças que defendiam Leningrado fossem ignoradas. A cidade deveria ser inteiramente destruída, com tudo o que representava e todos os seus habitantes, civis e militares, exterminados sem contemplação. Depois de concluída tal missão, as forças do general Von Leeb deveriam convergir sobre Moscou, desfechando contra a capital soviética um ataque coordenado com as forças do Grupo de Exércitos Centro, comandados por Von Bock.

A queda de Leningrado era precisamente o que o comando soviético mais temia. Além de constituir um importantíssimo centro industrial, constituía um símbolo tão precioso para os soviéticos como Moscou, e sua perda teria um efeito psicológico catastrófico. Além disso, a rápida junção das forças de Von Leeb com as de Von Bock, antes que novas reservas soviéticas pudessem ser mobilizadas, tornaria a ofensiva alemã rumo a Moscou realmente irresistível.

O moral da população civil de Leningrado, onde Zhdanov atuava como principal comissário era excelente. Entretanto, o mesmo não sucedia em relação às forças de defesa. Eram frequentes os recuos, os abandonos não autorizados de posições, as deserções. A disciplina deteriorava-se rapidamente, ordens importantes deixavam de ser cumpridas e os alemães estavam a ponto de completar seu cerco. Foi para garantir a defesa da cidade ameaçada que Stalin chamou Jukov a Moscou, no dia 8 de setembro. Vinte e quatro horas depois, investido de poderes quase absolutos, Jukov voava para Leningrado. E no dia 9 de setembro, Jukov, com os oficiais de seu estado-maior, que selecionara cuidadosamente, chegava a Leningrado para defrontar-se com a mais difícil missão de sua carreira.

Dispensando protocolo e cerimonial de recepção, Jukov dirigiu-se diretamente da pista do aeroporto de Leningrado para o Smolny, de onde Lênin desfechara e comandara a Revolução de Outubro e que agora servia de sede ao quartel-general de Leningrado. Já no dia 13, Jukov foi informado pelo seu estado-maior de que os alemães se preparavam para lançar um ataque frontal e final contra a cidade.
Analisando suas linhas de defesa, Jukov  tomou um primeiro susto. Foi informado que os grupos de tanques encarregados da defesa de determinado setor vital não existiam mais — tinham sido substituídos por simulacros de madeira, construídos num teatro local. Era sobre esses falsos tanques que a artilharia alemã concentrava seu fogo naquele momento. O Marechal ordenou que providenciasse naquela mesma noite mais cem falsos tanques, para dispô-los em outros dois setores ameaçados. Bychevsky, seu assessor, respondeu que o teatro não tinha condições para produzi-los naquela noite. “Como se chama seu comissário, camarada coronel?” perguntou Jukov. “Coronel Mukha.”, respondeu-lhe. “Pois diga a esse coronel Mukha que se até amanhã de manhã os tanques não estiverem nos pontos que escolhi, vocês dois serão submetidos a um conselho de guerra. Fui claro? Amanhã, eu mesmo farei a verificação”.

Os falsos tanques foram providenciados a tempo e a determinação inabalável de Jukov logo se tornou conhecida de toda a guarnição. Quem não cumpria as suas ordens era imediatamente punido. Para pôr fim à indisciplina, Jukov mandou fuzilar sumariamente oficiais, comissários e soldados que tinham abandonado sem ordens expressas suas posições. Determinadas unidades em que se tinham registrado casos de insubordinação — tanto do Exército como da Marinha — foram dissolvidas e seus integrantes incorporados a outras. Em todos os níveis e todos os setores, a ordem era sempre a mesma, fossem quais fossem as condições — atacar, atacar, atacar!

Preparando-se para o pior, Jukov convocou Bychevsky e ordenou-lhe que minasse sistematicamente todos os principais setores do centro de Leningrado, a começar pelas pontes. Destacamentos especiais da polícia secreta foram encarregados de organizar a defesa interna, mobilizando não apenas prisioneiros políticos, mas a própria população civil de Leningrado não empenhada nas indústrias e serviços vitais, mais de 100 mil pessoas, na construção de fortificações internas. Se os alemães chegassem à cidade, teriam de lutar rua por rua e casa por casa para ocupá-la. Até mesmo crianças e mulheres foram mobilizadas para a defesa.

Havia uma grande falta de armas para equipar os batalhões organizados às pressas e Jukov ordenou que se recorresse às velhas armas dos museus militares. Canhões antitanque foram montados em velhos bondes, caminhões e ônibus; dezenas de milhares de coquetel Molotov e de granadas eram diariamente fabricadas pelas indústrias civis convertidas em pequenas oficinas improvisadas. Estacas com pontas de aço foram cravadas e ninhos de metralhadoras montados em todos os espaços abertos da cidade e nos seus arredores, para prevenir lançamentos de paraquedistas alemães.

Menos de uma semana após a chegada de Jukov, Leningrado havia perdido seu aspecto normal — todas as ruas e avenidas da grande cidade estavam bloqueadas por treliças de trilhos de aço, casamatas de concreto, embasamentos de artilharia e ninhos de metralhadora. Nas praças e sobre os edifícios mais altos estavam concentrados os canhões antitanque e antiaéreos. Todos os navios da Marinha ancorados estavam empenhados no bombardeio incessante das posições alemãs.

Nesse meio tempo, Jukov tudo inspecionava. Verificava pessoalmente o cumprimento estrito do racionamento de gêneros alimentícios, o estado das defesas internas, as posições avançadas do perímetro externo de defesa. Ante a opção inexorável- obedecer sem vacilar ou ser fuzilado, ninguém vacilava. E foi com esse espírito que se conteve os alemães nos subúrbios de Leningrado!

A noite de 17 de setembro de 1941 foi crucial para a defesa da cidade. As defesas externas, a despeito de todos os esforços, pareciam a ponto de ruir ante as maciças investidas alemãs e Jukov ordenou que se completassem os últimos preparativos para a destruição da cidade. O porto, os navios fundeados, os grandes armazéns, os entroncamentos ferroviários e todos os principais edifícios estavam minados e tudo deveria voar pelos ares a uma palavra de Jukov, no preciso momento em que os alemães penetrassem no perímetro interno de Leningrado!

Naquela mesma noite, lançando à luta todas as suas reservas, e entre essas reservas havia batalhões de civis, adolescentes, trabalhadores que tinham cumprido seu turno diário de doze horas nas fábricas, presos políticos, milicianos, marinheiros, intendentes e almoxarifes, escriturários e ferradores, Jukov e o heroísmo do povo soviético conseguiram conter os alemães.

Todos os esforços desenvolvidos pelo nazista Von Leeb, com ajuda da aviação, artilharia e infantaria motorizada para cortar a derradeira via de suprimento que ainda ligava Leningrado ao resto da URSS, as linhas estabelecidas através do lago Ladoga, falharam. Seus ataques encontravam sempre a obstinada resistência dos contra-ataques de Jukov, apoiados por uma arma até então desconhecida pelos alemães e que produzia terríveis efeitos sobre seus blindados e infantaria motorizada: os foguetes terra-terra do tipo Katyusha, lançados de baterias múltiplas montadas sobre caminhões.

E foram a vontade de ferro de Jukov e do povo de Leningrado, o comando dos comissários comunistas que acabaram prevalecendo sobre uma guarnição desmoralizada e carente de recursos, sobre a população civil faminta e privada de tudo, na cidade incessantemente submetida a duro bombardeio, levando-a a resistir com as forças do desespero ao inimigo mais forte, durante a noite crucial de 17 de setembro.

Na noite de 18, os ataques alemães começaram a perder o ímpeto e em determinados setores dos subúrbios, apoiados por barragens dos navios de guerra e concentrações de lançadores de foguetes, os defensores de Leningrado conseguiram recuperar algumas das posições perdidas nos dias e semanas anteriores.

Houve, entretanto, outro fator que foi decisivo para a sobrevivência de Leningrado. O Grupo de Exércitos Centro, que reiniciara sua ofensiva em direção a Moscou, começava a esbarrar em resistência cada vez mais intensa. As chuvas de outono tinham começado e os veículos paravam, uma vez que as estradas de terra do interior da URSS se tinham convertido em atoleiros. Os grupos guerrilheiros, nessa situação nunca lhes davam trégua. Ante tal emergência, o Estado-Maior alemão foi compelido a recorrer às forças blindadas de Von Leeb. Von Leeb, que acreditava ter a vitória à vista, foi compelido a acatar as ordens recebidas de Berlim, deslocando o grosso de suas forças blindadas e infantaria motorizada, no dia 18 de setembro para a frente central, rumo a Moscou.

Leningrado estava salva, embora seus defensores ainda não soubessem disso. Sabiam apenas que a pressão constante exercida pelos alemães começara a decrescer. Jukov, porém, acolhia com grande ceticismo essas “impressões”. Não pretendia deixar-se surpreender. As ordens de fazer voar a cidade, caso os alemães ultrapassassem o perímetro externo, continuavam em vigor. Todas as notícias sobre a redução da pressão inimiga eram cuidadosamente verificadas. A produção de armas e munições era intensificada, enquanto o racionamento se tornava mais rigoroso. Simultaneamente, novos contingentes de fuzileiros navais, de marinheiros que faziam parte de serviços administrativos, de operários e de adolescentes aceitos como voluntários — eram equipados e enviados aos vários setores de defesa.

Com o correr do tempo, contudo, tornou-se público que a pressão alemã tendia a perder sua intensidade. Prisioneiros alemães, capturados durante contra-ataques, revelaram que as forças atacantes tinham sofrido baixas pesadíssimas e, desistindo finalmente de tomar a cidade de assalto, estavam construindo posições permanentes para sitiá-la. Somente então, Jukov autorizou a desconexão dos cabos elétricos que ligavam milhares de cargas de explosivos, espalhadas pelo centro da cidade, ao seu QG.

Entretanto, os dias de sofrimento impostos a Leningrado ainda estavam muito longe de seu fim. Não havia possibilidade de ampliar a brecha do lago Ladoga no círculo de aço imposto pêlos alemães aos defensores. Leningrado continuaria a ser submetida, durante quase três anos, a ataques quase incessantes da aviação e da artilharia — e no terrível inverno de 1941, a fome e o frio cobrariam da população um preço ainda mais elevado do que as balas e granadas alemãs: milhares de pessoas morreriam diariamente de fome e de frio, casos de canibalismo seriam registrados; papel de parede, cascas de árvore e couro de velhos cintos e sapatos seriam usados como alimento; faltaria água não contaminada até mesmo para intervenções cirúrgicas de urgência!

Era, entretanto, de generais como Jukov que o comando soviético precisava desesperadamente naquele momento no setor central, onde a situação era mais que crítica. E foi a Jukov que Stalin apelou mais uma vez. “Transfira o seu comando em Leningrado ao chefe do Estado-Maio” — ordenou Stalin — “e venha imediatamente para Moscou.”

Leningrado deveria arcar com sacrifícios indizíveis até o dia 27 de janeiro de 1944, quando o longo cerco alemão foi finalmente levantado. Em circunstâncias dificílimas, o Povo Soviético, Zukov e o Partido Comunista, contando com recursos precários, compelidos a improvisar, premidos pelo tempo e enfrentando uma atmosfera de derrotismo e quase pânico, lograram erguer o moral de Leningrado, impondo-lhe, a ferro e fogo, o “esprit de corps” que prevaleceria até a vitória final.

Em 1945, Leningrado recebeu o título de cidade heróica, junto de Stalingrado, Sebastopol e Odessa, pela resistência exemplar e tenacidade demonstrada por seus cidadãos.

Publicado no espaço literário marcel proust (blog)