Por que usar veneno na

produção de alimentos?

Diferentemente dos demais animais que apenas adaptando-se à natureza esta lhes proporciona tudo que eles necessitam para viver, o animal humano, se for deixado à mercê da natureza, perecerá. Por isso ele precisa fazer o contrário, ou seja, ele tem de agir sobre a natureza adaptando-a às suas necessidades. Nesse processo os membros da espécie humana foram distinguindo, entre os fenômenos naturais, os favoráveis e os desfavoráveis ao seu desenvolvimento vital. Dessa forma os homens foram aprendendo pela experiência, desde tempos imemoriais, a identificar e afastar as plantas venenosas, assimilando aquelas que serviam à sua alimentação. Não é, então, uma aberração constatar a introdução de venenos na produção de alimentos exatamente quando a humanidade atingiu altos níveis de desenvolvimento tecnológico? Só a busca de lucro a qualquer preço, tal como se manifesta na forma capitalista de sociedade, explica tal situação! Mas essa aberração atingiu proporções tão alarmantes que tornou necessária a definição de uma data específica, em âmbito internacional, para alertar sobre a importância da luta contra o veneno nos alimentos. É essa a luta da CAMPANHA PERMANENTE CONTRA OS AGROTÓXICOS E PELA VIDA que tem como mote “AGROTÓXICO MATA”.
A referida campanha chama atenção para o fato de que o mercado de agrotóxicos segue em franco crescimento no Brasil tendo movimentado em 2014 US$ 12,2 bilhões de dólares. Além disso, em 2015 foram aprovadas 10 novas variedades transgênicas para uso comercial no Brasil, o que transforma a CTNBio, de agência de vigilância para controle da introdução de transgênicos, em agência incentivadora de seu uso no Brasil.
Nesse contexto a Campanha contra os agrotóxicos destaca os seguintes pontos:
1) Apoio à implementação imediata do PRONARA – Programa  Nacional de Redução de Agrotóxicos, já finalizado, mas que enfrenta resistência dos defensores do agronegócio tendo à frente o Ministério da Agricultura;
2) Intensa mobilização contra o Projeto de Lei 3200/2015 que pretende substituir a atual lei dos agrotóxicos instituindo uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários – CTNFito que, sob a máscara da regulação do uso dos recursos fitossanitários, buscará, como ocorre com a CTNBio em relação aos transgênicos, favorecer o uso dos agrotóxicos concentrando todas as decisões que deverão ser obrigatoriamente cumpridas  por todos os ministérios e pelas agências regulatórias como a Anvisa e o Ibama;
3) Proibição, como já ocorre na União Europeia, da prática criminosa da pulverização aérea;
4) Exclusão dos agrotóxicos já proibidos em outros países do mundo;
5) Fim das vergonhosas isenções fiscais concedidas aos agrotóxicos;
6) Criação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos para estimular o amplo desenvolvimento da agroecologia;
7) Enquanto não se consegue o banimento total, que sejam aperfeiçoados os mecanismos de controle para evitar a contaminação da água por agrotóxicos.
Esperemos, então, que essa luta ganhe maior visibilidade com a comemoração, em 3 de dezembro, do Dia Mundial da Luta contra os Agrotóxicos. E essa data não surgiu por acaso. Sua escolha decorreu da explosão, há 32 anos, de uma fábrica de agrotóxicos na Índia que provocou a morte de 20.000 pessoas, afetando outras 500.000.
Reforcemos, pois, essa luta! Mobilizemo-nos na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. Essa luta é necessária especialmente no Brasil que continua figurando como campeão no uso de agrotóxicos que mantém liberados aqui produtos já proibidos nos países desenvolvidos, que utilizou 914 mil toneladas de agrotóxicos em 2014 (dados do Sindveg) provocando 34 mil intoxicações entre 2007 e 2014 (Datasus), contaminando 64% de alimentos (Anvisa) e empregando 7,3 litros de agrotóxico por habitante em 2014, além das comprovações científicas indicando os agrotóxicos como os responsáveis pelo alarmante aumento da incidência de câncer no Brasil (dados do Instituto Nacional do Câncer).
Para mais informações e maior eficácia de nossa luta contra os agrotóxicos, recomendamos os filmes “O veneno está na mesa” I e II, do cineasta Silvio Tendler, ambos disponíveis no YouTube. O primeiro filme faz a denúncia das consequências nefastas do uso de agrotóxicos; e o segundo mostra as experiências promissoras em curso que se dedicam à agroecologia produzindo alimentos orgânicos, inteiramente livres de agrotóxicos.
Não procede, portanto, o argumento de que, para a produção em escala, seja necessário o recurso aos agrotóxicos. A agroecologia já é uma realidade no Brasil com milhares de camponeses produzindo alimentos em cooperativas agroindustriais e distribuindo sua produção em escolas, hospitais e em outras modalidades de comercialização solidária.

Dermeval Saviani,
Professor Emérito da UNICAMP e  Pesquisador Emérito do CNPq