Introdução
No Brasil de 2015 enveredamos para menos de 9% na participação da indústria de transformação no PIB (Produto Interno Bruto). O setor de serviços já alcança cerca de 60% da mão de obra ocupada. A redução do crescimento médio anual do PIB per capita, de 4,1% entre 1950 e 1980 para 0,9% de 1981 a 2014 – inferior a 1% ao ano, comprova a desestruturação no período.
A indústria de transformação perde espaço significativo no PIB desde meados dos anos 1980, caindo dos 32,1% de 1986 para 19,7% do PIB em 1998. Essa tendência somente começou a ser revertida a partir de 1999 (câmbio flutuante e desvalorização cambial), atingindo 23,1% em 2004, já durante o governo Lula (interpretação do IEDI, 2005).
Olhando-se de 1980 para cá, a participação da indústria no PIB caiu de 28% para 9%; a participação das exportações de manufaturados na exportação total caiu de 62% em 1990 para 35% em 2014.
Em 2014, as exportações representaram 11,5% do PIB. Foi o sexto menor percentual entre 150 países analisados, segundo dados do Banco Mundial. O Brasil só ficou à frente de Afeganistão, Burundi, Sudão, República Centro-Africana e Kiribati. E bem abaixo da média global, de 29,8% do PIB.
Na verdade, observo que esfumaçou-se a ideia – difundida por setores acadêmicos importantes – de que o ciclo concentrado em 2003-2007 (possibilitador no Brasil de volumosa exportação de commodities, expansão do crédito e crescimento do consumo, junto à descoberta do pré-sal) era sustentável e teria dado “adeus” aos velhos nexos desiguais centro-periferia. E, como veremos, o pêndulo resolutivo da questão, mais uma vez (e similarmente à passagem dos 1970 aos 1980), oscila sob o terremoto geopolítico-geoeconômico volta a abalar a condição do projeto ao desenvolvimento (Barroso)
Por conseguinte, o grande desafio da reversão dos processos que levaram à desindustrialização relativa no Brasil, ao declínio industrial precoce e ao desemprego que hoje volta a crescer, está na urgência da ordem do dia.

Traços fundamentais da experiência brasileira
Relembrando, de 1947 a 1980 – contendo as fases consideradas como sendo “restringida” e “pesada” da industrialização” -, o Brasil obteve taxas anuais de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) iguais a 7,1%; onde o produto industrial atingiu 8,5% médios; a renda per capita alcançou taxas anuais de 4,2%, enquanto a população multiplicou-se por três.
Tomando-se trinta anos (1950-80), verifica-se que o PIB cresceu 6% a.a., reconhecidamente um desempenho econômico somente conquistado por um número muito restrito de países. A elevação do Brasil à invejável posição de 8ª economia capitalista, comparativamente aos países mais industrializados do mundo, não era fantasia.
Entre 1970 e 1974 o ritmo de expansão do emprego industrial atingiu o seu máximo na história, computando o índice de 8,4% ao ano, no país, e 8,6% no estado de São Paulo. Mesmo sofrendo a crise do “milagre” econômico do regime militar (desaceleração, 1974-78), observando-se o período de 1971-78, ainda assim a taxa de crescimento do emprego industrial foi de 5,4%. Mas resulta daí, como se sabe, uma brutal concentração de renda característica do padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil.
Observe-se então uma (espantosa) particularidade nacional no interior do movimento da industrialização e do próprio padrão de desenvolvimento: Segundo o IEDI (6/2003), o Brasil foi o país capitalista que obteve maior taxa de crescimento econômico do mundo entre 1900-1973: 4,9% ao ano.
Ora, de acordo com as teorias do desenvolvimento no capitalismo, o desenvolvimento pode ser entendido como: a) o resultado de um prolongado processo de crescimento econômico; b) junto a elevado aumento da produtividade média e dos salários reais; c) com aceleração a taxa de investimento para diversificar a estrutura produtiva e o emprego. É isso que intensifica a industrialização e a urbanização, e exige mudanças progressistas das estruturas sociais e políticas do país.
Desenvolvimento: Kaldor e o “spillover” tecnológico
Na explicação conceitual concreta de Nicholas Kaldor (1966) acerca da relação entre mudança estrutural e desenvolvimento econômico, no longo prazo, o crescimento econômico de um país está fortemente associado ao tamanho relativo e à diversificação de sua indústria manufatureira. Esta indústria é o motor da produtividade da economia, porque pode gerar inovações e difundir os transbordamentos tecnológicos ao restante do sistema econômico.
Noutro ângulo, muitos pesquisadores consideram que, quando se atinge maturidade, a indústria de transformação diversifica sua estrutura, onde os bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações) atingem entre 30% e 40% de seu produto. Assim há indução e exigência de enorme crescimento e diversificação dos serviços no comércio, transportes, finanças, saúde, educação e outros.
Regressão neoliberal: lições de Celso Furtado
Furtado escrevera em Brasil: a construção interrompida: num país em formação como o Brasil, o domínio dos interesses da grande empresa transnacional na lógica do ordenamento econômico poderia apontar para a inviabilização do país como projeto nacional (Furtado, 1992). Seis anos depois sentenciava Furtado: “Sim. O processo de construção da economia brasileira foi interrompido, aparentemente porque se acreditou que a globalização exigia essa interrupção” (Furtado, 1998: 14). Aduziu a seguir que nos encontrávamos numa situação de “completa falta de percepção histórica. Nosso país estava em construção, e essa construção foi abandonada”, sublinhou (idem, 1998: 20)
Desindustrialização e especialização regressiva no Brasil.
O processo de desindustrialização é frequentemente assinalados como sendo parte integrante da “especialização regressiva”, notadamente nos anos 1990 (abertura comercial e financeira), derivando ainda da interpretação que: a) o Brasil construiu uma matriz industrial complexa: b) a trajetória da industrialização gerou uma balança comercial estruturalmente deficitária para bens de alto conteúdo tecnológico; c) o que teve como vetor essencial políticas de longo ciclos de valorização cambial, associados ao endividamento externo e aos déficits em conta corrente e baixo crescimento econômico.
Numa conclusão dramática de Tavares e Belluzzo, “Na verdade, a década de 90 caracteriza-se por uma desindustrialização, entendida como a redução do coeficiente de valor agregado interno sobre o Valor Bruto da Produção e como liquidação de postos de trabalho (mais de 1,5 milhão durante a década na indústria manufatureira)” (2001, p. 16).
A involução atual
Evidencia-se a reprimarização da pauta exportadora brasileira, processo marcado por perda de participação da indústria de transformação nas exportações em favor do aumento da participação da agricultura e da indústria extrativa. Em 2014, a participação das exportações da indústria de transformação foi de 61,6% das exportações totais, ao invés dos 78,2% registrados em 2006.
Houve avanço dos setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia na pauta exportadora da indústria de transformação. Tais setores corresponderam a 38,4% da pauta exportadora da indústria de transformação em 2014 (avanço de 9% na participação apresentada em 2006).
Os setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia foram responsáveis por 69,7% do aumento das exportações da indústria no período 2014-2007. Enquanto os demais setores viram suas exportações se manterem praticamente estagnadas neste período.
As atividades que concentraram as exportações em 2014 dos setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia foram: (i) Abate e fabricação de produtos de carne: 31,6%; (ii) Fabricação e refino de açúcar: 17,7%; (iii) Fabricação de óleos e gorduras vegetais e animais: 15,7%.
Esta reprimarização da pauta exportadora torna o país dependente dos preços externos das commodities e mais vulnerável aos chamados choques negativos externos.
Por outro lado, as importações da indústria de transformação, que aumentaram cerca de 4 vezes mais do que as exportações no período 2014-2007, se concentraram principalmente nos setores intensivos em Escala e de Média Alta Tecnologia. 


Mudanças perturbadoras e contraditórias
Nos marcos regressivos ao desenvolvimento da globalização neoliberal-financeira, configuram-se simultaneamente megas mudanças tecnológicas propiciando atingir nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica, na inteligência artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos novos materiais, em novos processos de organização da produção. É certo, portanto, que esses novos processos e fenômenos (novas técnicas, novos conhecimentos, novos aportes científicos) impulsionarão as transformações produtivas, a concentração e centralização de capitais, a concorrência na esfera de monopólios e oligopólios, implicando necessariamente no impacto na renda e no emprego dos trabalhadores, em qualquer parte.
Para o IEDI, o Brasil não teria atentado ao movimento do cenário internacional, que fragmentou o sistema de produção e globalizou o comércio internacional, introduzindo nova lógica para a política de desenvolvimento econômico – a lógica das cadeias globais de valor (CGV). Tal dinâmica baseia-se na importação de bens intermediários (semimanufaturados, partes e componentes), e na agregação de valor por meio de serviços, tecnologia, concepção e logística para a manufatura e distribuição de forma global.
Portanto, no debate em torno da questão da desindustrialização no Brasil, existem importantes aspectos associados às mudanças observadas na economia mundial que ficaram de fora deste enfoque. A importância de melhor compreender essas mudanças reside no fato de que a sua profundidade as tornam elementos fundamentais e necessários para discutir uma estratégia mais ampla de desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira.
A intensificação da concorrência em nível global significou para as empresas líderes uma estrutura mais flexível e mais focada no domínio e controle sobre ativos intangíveis (softwares; licenças; marcas patentes, direitos autorais; direitos de exibição de filmes), ao mesmo tempo em que parte considerável das atividades produtivas mais commoditizadas foram segmentadas, externalizadas e transferidas para países em desenvolvimento, especialmente na região asiática.
A combinação dessas estratégias com políticas ativas de desenvolvimento por parte de alguns destes países, com destaque para a China, criou um ambiente onde surgiram novos competidores com capacitações produtivas e manufatureiras (produção com baixo custo em diversos setores e etapas das cadeias produtivas), ao mesmo tempo em que as empresas líderes globais dos países centrais acentuam seu esforço para desenvolver, adquirir e dominar os ativos chave, capazes de manter o comando sobre as cadeias de valor internacionais, reforçando barreiras à entrada dos países em desenvolvimento (ou subdesenvolvidos) nessa dimensão superior.
Coloca-se, portanto, a dificuldade de enfrentar a concorrência em custo bastante acirrada, liderada especialmente pela produção chinesa, mas que envolve outros produtores asiáticos, que combinam custos de mão-de-obra, escala, câmbio, e incentivos governamentais bastante potentes.
Obstáculos e respostas
De outra parte, a competição é reforçada pelas empresas líderes dos oligopólios globais que lançam mão de seu gigantismo mundial para reforçar ativos, em especial os intangíveis, como marcas, canais de comercialização e capacitações tecnológicas, capazes de comandar “cadeias de valores globais, com maior flexibilidade em seu comprometimento de recursos”. Esse ambiente de concorrência acirrada se tornou ainda mais feroz depois do início da crise global em 2007-2008.
➢ O lento/estagnado crescimento da demanda mundial a partir de então tem tornado a busca por mercados e a necessidade de ocupação de capacidade uma alavanca poderosa para estimular a competição e a mobilização de vários instrumentos para a conquista de mercados por parte de empresas e países.
➢ Além disso, uma das consequências da crise foi a crescente discussão dentro de diferentes países sobre a necessidade de retomar de maneira mais firme a capacidade de produção manufatureira e o avanço da inovação em áreas consideradas estratégicas.
➢ Os países capitalistas centrais, em especial, tentam estimular o desenvolvimento de novos setores, mercados e áreas tecnológicas. O desafio portanto, certamente ultrapassa o que se estabelece apenas a partir da constatação da desindustrialização no Brasil. Ademais, fatores apontados como solução por economistas conservadores ou neoliberais, como elevar a poupança interna, condicionar a elevação de salários ao aumento da produtividade e realizar maior abertura comercial, evidente que não dão conta do problema.
➢ Da mesma maneira, uma mudança da taxa de câmbio compatível com o equilíbrio industrial – questão crucial e sempre defendida por nós -, parece ser uma condição necessária, mas não suficiente, para enfrentar os desafios que acompanham as alterações advindas com a globalização neoliberal.
➢ Aumentar a atividade e investimento em inovação e elevar a participação de setores mais intensivos em tecnologia na estrutura industrial, é igualmente fundamental, mas a questão principal é como, que estratégia deve ser usada para atingir este objetivo, dada as mudanças que vem ocorrendo na estrutura produtiva do capitalismo global.
Considerações finais
Assim, nessas linhas gerais que enfatizam o novo cenário produtivo global, exige-se avaliação ajustada da posição relativa do país frente às transformações nos vários setores e cadeias produtivas mundiais, das capacitações existentes e potenciais no sistema produtivo nacional, assim como da adequação ou não dos instrumentos e da institucionalidade presente hoje dentro da política industrial, científica e tecnológica para fazer frente a este cenário de grandes obstáculos (externos e internos).
Noutras palavras, mudanças para uma política macroeconômica adequada (cambial pró-crescimento, monetária e fiscal), no curto prazo, seguidas de retomada de uma política industrial, científica e tecnológica de longo prazo, ainda assim terão que se defrontar com as mudanças no capitalismo global, de maneira similar às grandes mudanças ocorridas com àquelas da passagem dos anos 1970-80. Redefinir e reforçar ainda a ampliação dos horizontes de integração produtiva e de comércio exterior com a América do Sul (não apenas com o Mercosul). [este último é um dos raros ponto da pauta de reindustrialização da FIESP que não são entreguistas e extremamente lesivos aos direitos dos trabalhadores]
Como bem disse Luis Fernandes, no recente Seminário da FINEP (Desenvolvimento Produtivo e Inovativo – Oportunidades e Novas Políticas), no Brasil, “a industrialização avançou muito, mas o desenvolvimento científico tecnológico não acompanhou esse crescimento na mesma proporção”; houve uma desconexão sistêmica, com baixo nível de integração entre os dois processos”. Quem alertou ainda para a urgente recomposição da capacidade de financiamento do setor, particularmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Para o presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Mariano Laplane, é preciso reconhecer que o País avançou, mas é preciso ir além: “Não podemos parar no ponto a que chegamos. Existem novos desafios, novas restrições”.
Bibliografia consultada
Barroso, A. Sérgio. “Desenvolvimento e desindustrialização”, Princípios, edição 85, junho, 20006.
http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=195&id_indice=1624
Cano, Wilson. “A desindustrialização no Brasil”, Unicamp, Textos para a discussão, dezembro 2012.
FIESP, janeiro 2015, “Desempenho do saldo comercial brasileiro”, José Ricardo R. Coelho, vice-presidente da FIESP.
Furtado, Celso. “Brasil: a construção interrompida”. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. ____________. “Há um risco de ingovernabilidade crescente”. Entrevista de Celso Furtado, in: Visões da crise, Rio de Janeiro, Contraponto, 1998
Hiratuka, Célio / Sarti, Fernando. “Transformações na estrutura produtiva global, desindustrialização e desenvolvimento industrial no Brasil: uma contribuição ao debate” – Texto para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 255, jun. 2015) file:///C:/Users/aloi/Downloads/TD255%20
IEDI. “Manufaturas: O Brasil está se tornando um exportador marginal”, novembro de 2015.
Tavares, Maria da C. e Belluzzo, Luiz G. M. “Desenvolvimento no Brasil – Relembrando um velho tema”. Texto ao Convênio IPEA/CEPAL, São Paulo, 6/4/2001.