No início dos anos 1990, em nome das chamadas políticas “estruturais” aconselhadas pelo Consenso de Washington, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram-se a pressionar os países da periferia vitimados pela crise da dívida externa da década de 1980. O propósito era obrigá-los, entre outras coisas, a eliminar os controles ou obstáculos à livre entrada e saída de capitais.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, a desregulamentação financeira rompia os diques de segurança erigidos por Roosevelt para enfrentar a crise dos anos 1930. Essas restrições à finança buscavam impedir que os bancos comerciais se envolvessem no financiamento de posições “especulativas” nos mercados de riqueza (ações e imóveis), com consequências indesejáveis para a solidez dos sistemas bancários.

As palavras de ordem do “novo consenso” eram abertura comercial, liberalização das contas de capital, desregulamentação e “descompressão” dos sistemas financeiros domésticos, reforma do Estado, incluída a privatização de empresas públicas e da seguridade social, abandono das políticas “intervencionistas” de fomento às exportações, à industria e à agricultura.

Um após o outro, os países de moeda não conversível promoveram a abertura financeira. Os ciclos de financiamento externo do fim do século XX e início do XXI foram curtos e de reversão muito rápida. As economias periféricas ficaram assim expostas às ondas de otimismo e pessimismo inerentes aos mercados “globalizados”.

Na América Latina dos anos 1990, as políticas de liberalização financeira e de ancoragem cambial afetaram negativamente o crescimento econômico. No Brasil e, sobretudo, na Argentina, a abertura financeira inflou os passivos externos e a dívida pública e facilitou as aquisições de empresas locais em todos os setores. O resultado foi a fragilização do balanço de pagamentos, a crescente imobilização da política fiscal e a subordinação da política monetária à alternância de otimismo e pessimismo nos mercados globais.

Alguns países tentaram escapar da coerção cambial, como o Brasil, adotando o câmbio flutuante. A âncora nominal, neste caso, fica por conta do regime de metas de inflação. A experiência recente demonstra, no entanto, que a dependência excessiva do financiamento externo engendra miniciclos de euforia, seguidos de forte instabilidade cambial.

O Banco Central não recuperou a liberdade de guiar a taxa de juros de modo a permitir que a economia nacional possa evoluir num ambiente favorável à expansão do crédito, ao investimento, ao endividamento das famílias e das empresas.

Nos dias de hoje, a abertura das contas de capital e a descompressão financeira inverteram as determinações do balanço de pagamentos. São os movimentos especulativos e de arbitragem das massas de capital monetário que, afetando a taxa de câmbio nominal, determinam os resultados em conta corrente. No imediato pós-Guerra, período da repressão financeira, a conta de capital era um resíduo que “fechava” os déficits na conta de mercadorias e serviços.

No admirável mundo novo, de ajustamentos rápidos e alta volatilidade de preços dos ativos, países dotados de moedas frágeis, com desprezível participação nas transações internacionais, encontram-se diante do risco de uma procissão de desgraças: valorização indesejada da moeda local, operações de esterilização dos efeitos monetários da expansão das reservas (explosão da dívida pública), déficits insustentáveis em conta corrente e finalmente crises cambiais e financeiras.

Em um sistema internacional “regulado”, como o desenhado em 1944, em Bretton Woods, as regras do jogo eram as seguintes: taxas fixas, mas ajustáveis, de câmbio, limitada mobilidade de capitais e cobertura de déficits em transações correntes atendida por uma instituição pública multilateral.

Em sua concepção original, o FMI deveria funcionar como um provedor de liquidez aos países com desequilíbrio de curto prazo no balanço de pagamentos. O artigo VII de seus estatutos, a chamada cláusula da “moeda escassa”, previa a adoção de controles cambiais em situações de agudo desequilíbrio do balanço de pagamentos.

Câmbio e juros, nesse sistema, eram preços-âncora, cujas relativas estabilidade e previsibilidade eram vistas como essenciais para a formação das expectativas dos possuidores de riqueza envolvidos nas decisões de produção e investimento.

Esse “modo de regulação” tinha um duplo objetivo: construir um sistema monetário realmente internacional, favorável à expansão do comércio entre as nações, e impedir que condicionantes ou choques externos passassem a comandar a política econômica doméstica e a definir a trajetória das economias nacionais.

Publicado em Carta Capital