“Nos últimos anos, a maioria dos brasileiros, sem
desertar de suas convicções democráticas, mas,
mesmo em razão delas, já construiu amplamente
um diagnóstico crítico do modo de funcionamento
do atual sistema político no Brasil e anseia por
reformas políticas. Há muitas evidências de que já
se está firmando em um número cada vez maior
de brasileiros a consciência de que também o
sistema de comunicações de massas, privatizado,
altamente concentrado e oligopolizado, não serve
à democracia do país e precisa ser regulado a
partir de princípios republicanos e pluralistas.”
(Em Defesa de uma Opinião Pública Democrática –
Conceitos, Entraves e Desafios.
Venício A. de Lima, Juarez Guimarães e
Ana Paola Amorim (orgs.). São Paulo:
Paulus, 2014. p. 9.)

Golpes midiáticos na América Latina não constituem novidade, especialmente depois que golpes militares entraram em desuso. O mais espetacular deles ocorreu na Venezuela em 11 de abril de 2002, encabeçado pela RCTV. Durou poucas horas, devido à impressionante revolta popular contra a deposição do presidente Hugo Chávez. Este, desde sua chegada ao poder, em 1998, enfrentou sempre a ferocidade dos principais meios de comunicação do país, entre os quais as outras emissoras privadas de televisão – Venevisión, Globovisión, Televen e CMT – e nove dos dez maiores jornais impressos do país, como El Universal, El Nacional, Tal Cual, El Impulso, El Nuevo País e El Mundo. Os monopólios privados venezuelanos contrários ao presidente Chávez detinham 95% da audiência.

Esses monopólios midiáticos substituíam, na prática, os partidos políticos de oposição tradicionais, cuja força era pequena, e qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência. Foi com base nesse poderio, e na liberdade de imprensa existente, que a RCTV sentiu-se à vontade para dar o golpe. Só não mediu a monumental reação popular, que frustrou a tentativa. Dia 13 de abril, Chávez estava de volta ao poder. A partir desse retorno no dia 13, cunhou-se uma expressão agora usual na Venezuela: “Cada 11 tem seu 13”. Os monopólios analisaram mal a correlação de forças, não mediram a popularidade, o carisma de Chávez, o enraizamento que seu programa político tinha entre as camadas exploradas da sociedade venezuelana. Golpes midiáticos, assim, não são inéditos na América Latina. 

O “odiojornalismo” de Veja

Veja sempre foi adversária do projeto político vitorioso em 2002 no Brasil. Nunca escondeu isso. E seu jornalismo, vá lá, sempre se viu contaminado por essa visão. Sempre combateu ferozmente o PT, Lula, agora Dilma. Em todas as quatro eleições vencidas pelo PT e pelos partidos que apoiam o projeto político em curso, não poupou esforços para derrotar primeiro Lula, depois Dilma. O fato é que Veja tem um programa político, defende o projeto neoliberal, encampa as posições mais conservadoras do país. Faz um jornalismo obscenamente partidário, nunca teve o mínimo da isenção pensada pelo jornalismo liberal, distorce os fatos, inventa-os, se considerar necessário.

Na eleição de 2014, no entanto, se superou. Tentou, sem meios-termos, um golpe midiático, que fracassou. Não se desconheça, no entanto: a iniciativa de Veja retirou alguns milhões de votos da presidenta Dilma.  Se vitoriosa, teria fraudado uma eleição. O que fez está a anos-luz do jornalismo, ao menos de um jornalismo que se paute na boa apuração, na credibilidade e diversidade das fontes, no respeito aos fatos. Não estamos nos referindo ao conjunto da cobertura de Veja durante as eleições de 2014, toda ela voltada ao combate sistemático e feroz à presidenta Dilma e a sua reeleição.

Feroz, tão feroz, a ponto de levar a professora Ivana Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a classificar o jornalismo de Veja como “odiojornalismo”, próprio também da “tropa de choque” conservadora da imprensa brasileira, da qual fazem parte, entre outros, Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi, Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli. É uma coisa só, expressão exacerbada da demonização da política, prática cotidiana, persistente, recorrente de toda a mídia hegemônica. Vale a pena citar Ivana Bentes:

“Essa demonização da política tornada cultura do ódio se expressa por clichês e por uma retórica de anunciação de uma catástrofe iminente a cada semana nas colunas dos jornais e que retroalimentam, com medo, insegurança, ressentimento, uma subjetividade francamente conservadora de leitores e telespectadores”.

Tais opiniões foram expostas pela professora em entrevista à revista IHU On-Line, postada em 5 de novembro. Para Ivana Bentes, “essa pedagogia para os microfascismos e a educação para a intolerância podem ser resumidos na retórica que desqualifica e aniquila o outro como sujeito de pensamento e sujeito político, o que fica explícito na fala de alguns colunistas”.

“Um exemplo muito claro, inclusive no seu cinismo”, detalha a professora, “é este trecho de uma coluna do Arnaldo Jabor de 28/10/2014, pós-eleições. Com uma argumentação pueril e assujeitante que coloca eleitores, nordestinos e nortistas, pobres como ‘absolutamente ignorantes sobre os reais problemas brasileiros’ em um cenário pós-eleições em que ‘nosso futuro será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes. Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos’.”
Paremos aqui nossa breve e necessária digressão.

Cabeça de ponte do golpe

Para além, no entanto, da cobertura semanal de Veja absolutamente coerente no combate ao projeto político em curso desde 2003, quero aqui concentrar esforços na análise da cabeça de ponte do golpe midiático tentado pelo Grupo Abril contra a reeleição de Dilma Rousseff, a edição 2397 da revista Veja, datada de 29 de outubro de 2014, cuja capa e trecho inicial da reportagem “Eles sabiam de tudo” – eles são Dilma e Lula – foram postados no site da revista no dia 23 de outubro, quinta-feira, às 20h19. Às 21 horas, a coluna de Ricardo Setti, Política & Cia, do site de Veja, também reproduz capa e texto que abre a reportagem, mesmo procedimento adotado pelo blog de Reinaldo Azevedo, às 21h10, e pelo programa Aqui entre Nós, da TVeja, às 22h19.

Não há equívoco em afirmar que o golpe iniciou-se na noite de quinta-feira, presumivelmente com a ideia de que, antecipando o lançamento da revista já na quinta, ao menos on-line, haveria tempo para reverter a vantagem de Dilma Rousseff, localizada pelas pesquisas daqueles últimos dias, e quem sabe possibilitar a vitória de Aécio Neves. Veja iria disparar a bala de prata da direita brasileira, e seria secundada pelo restante da mídia hegemônica, que ninguém se iluda quanto a isso nem queira tergiversar.

Esse mapeamento de postagens foi feito de modo meticuloso pela campanha da presidenta Dilma, logo que foram percebidos os primeiros movimentos da tentativa golpista. O levantamento foi denominado “Operação Abril”, e permitiu um monitoramento passo a passo. Esse passo a passo, devidamente sistematizado, serviu para os advogados da campanha pedirem providências à Procuradoria-Geral da República, de modo a que esta, considerando a propriedade das informações, pudesse produzir provas para a instauração de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). Isso ainda está em curso.

Na mesma quinta, às 21h49, a coligação da candidatura Dilma entra com ação no TSE contra a divulgação da capa de Veja no Facebook. O Ministério Público dá parecer favorável, mas o ministro-relator, Admar Gonzaga, não concede a liminar, e o processo é arquivado. Imediatamente é apresentada uma segunda ação “inibitória de publicidade”. O Ministério Público de novo se manifesta favoravelmente e o ministro-relator, então, concede a liminar, como concedeu liminarmente direito de resposta à coligação liderada por Dilma. Veja, por decisão do TSE, teria de suspender qualquer tipo de publicidade em torno da capa em outdoors, cartazes, banners e na internet, certamente uma das armas do golpe midiático.

A revista não cumpriu a decisão e, além disso, a campanha de Aécio, nos momentos seguintes, distribuiu milhares de reproduções da capa em manifestações, nas ruas, distribuição que o TSE não vetou. Os efeitos que o Grupo Abril pretendia estavam se fazendo sentir. O tanque midiático se colocou nas ruas, com toda a força que podia. O intenso esforço jurídico da campanha de Dilma resultou em algum constrangimento para a revista, mas obviamente teve poucos efeitos práticos, seja pelo desrespeito de Veja, seja porque a eleição se daria dali a poucas horas. Luis Nassif mostra como os sucessivos pedidos de direito de resposta da coligação liderada pela presidenta foi “arquivado pelas Cortes” (“Como o direito de resposta de Dilma na Veja foi esvaziado”, Luis Nassif Online). Um golpe deflagrado pela internet na quinta-feira, a revista posta nas ruas na sexta, a eleição marcada para domingo. A ofensiva era poderosa demais, e a guerrilha jurídica podia pouco naquelas circunstâncias, embora necessária.

Há quem afirme ter havido alguma relutância de parte da mídia hegemônica em entrar imediatamente na “Operação Abril”, por sua natureza fantasiosa, sem a devida comprovação, sem base em fatos. Faltava-lhe um pretexto sólido que fizesse com que toda ela embarcasse na canoa golpista, com gosto, na primeira hora. E o pretexto apareceu. Divulgada como articulação de jovens da União da Juventude Socialista (UJS), vinculada ao PCdoB, a manifestação defronte da sede da Editora Abril, em São Paulo, na sexta, forneceu o argumento para que toda a mídia hegemônica fizesse coro com Veja. Se é que de fato ela necessitava disso.

Entre os que conhecem bem as famílias dominantes da mídia, há os que asseguram que elas não ficariam de fora dessa ofensiva de modo nenhum – se relutaram na sexta, embarcariam no sábado de todo jeito, com ou sem pretexto. A relutância não decorreria, portanto, da busca de pretexto algum. As famílias teriam resolvido esperar o sábado apenas porque isso não daria tempo à campanha da presidenta para qualquer medida jurídica. Ao entrar o faziam como jogo da casadinha – fazer de conta que estavam simplesmente “repercutindo”. O argumento foi o ataque a um órgão de imprensa, que não podia deixar de ser noticiado, e, de complemento, vinha o mais importante, que era a repercussão da capa-matéria de Veja – “Eles sabiam de tudo”. Se houve acordo entre as famílias da mídia hegemônica, foi cumprido. Se não houve, a inegável convergência política garantiu a unidade, para além de quaisquer acordos prévios.

A Folha de S.Paulo, no sábado 25, estampa o título “Doleiro acusa Lula e Dilma, que fala em terror eleitoral”. Na linha de apoio, escreve “Ambos sabiam de desvios na Petrobras, diz delator; para Aécio, caso é ‘extremamente grave’”. Ou seja, assume o que Veja noticiara. Laconicamente, diz que “a afirmação foi publicada pela revista Veja e confirmada pela Folha”. Não oferece maiores explicações sobre como confirmou, com quem, nada. E cumpriu bem seu papel de se colocar sob a direção de Veja.

O jornalista Rodrigo Vianna (“O golpismo midiático segue em marcha: Veja e o JN”, postado em 25 de outubro) afirma que a Folha de S.Paulo, com tal matéria de endosso à Veja, deu base para que a Rede Globo entrasse de peito aberto no assunto: “virou fato jornalístico”. No mesmo sábado, às 13 horas, a emissora abre o Jornal Hoje com o episódio da manifestação contra a Veja do dia anterior. Depois, segue a matéria na linha sempre do “segundo a Veja” para também acusar Lula e Dilma de saberem de tudo o que ocorria na Petrobras. À noite, o Jornal Nacional praticamente repete a matéria. A casadinha cumpria sua trajetória rotineira.Na opinião do jornalista, a Rede Globo não entrou pra valer na sexta por uma razão simples: havia o debate à noite nos estúdios da emissora, e Dilma poderia denunciá-la no ar, acusá-la de golpista, como fez com Veja. Melhor esperar que alguém a ajudasse, e a Folha apressou-se em fazê-lo. Vianna, que trabalhou na Globo, diz ter recebido a informação segura de um jornalista amigo, com mais de trinta anos de experiência: o roteiro está pronto, jogo combinado, da Veja para a Globo, com endosso da Folha. Tudo acertado, tudo feito de acordo com o script traçado. Veja nunca ficou solitária no esforço golpista. Casadinha combinada, casadinha cumprida.

Parênteses para um mix de realidade e imaginação

Certamente, nas possíveis discussões realizadas pelo Grupo Abril para a consecução da tentativa de golpe, tudo isso foi devidamente dimensionado, os prós e os contras. Ao construirmos agora nosso raciocínio, esclarecemos que ele se desenvolve com base na realidade e que os buracos eventualmente são preenchidos com a imaginação. Esses buracos decorrem da ausência de fatos mais transparentes sobre o desencadeamento da “Operação Abril”, muitos deles ainda sob o manto da obscuridade, querendo-se clandestinos. Sabia-se da delicadeza da iniciativa, mas pressupunha-se com alguma razão que o adversário teria pouco tempo para reagir. O ataque levava o efeito-surpresa como seu maior trunfo.

É provável que alguém tenha dito ser muito arriscado fazer aquela tentativa golpista, a mais ousada até agora desfechada pelo conglomerado. Certo, houvera outras, mas mais amenas, menos fantasiosas. Um ou outro deve ter argumentado ser muito difícil tirar 8 ou 9 pontos de diferença em tão pouco tempo. Valia a pena correr todos os riscos implícitos na operação? – teria perguntado outro. Quem sabe um espírito jornalístico menos partidarizado tenha dito que o material em mãos era muito frágil para ser noticiado, quanto mais em se tratando de um ex-presidente e uma presidenta. Ainda há jornalistas em Veja. Retraídos, é verdade. Quase submersos na clandestinidade. De vez em quando, externam opiniões.

Não deverá ter faltado, no entanto, entre os defensores da iniciativa, quem dissesse ser aquela a única e última cartada para tentar evitar a quarta vitória do petismo. E não terão faltado lembranças sobre outras iniciativas fantasiosas que tiveram impacto – como aquela inimaginável matéria que acusava o PT de ter recebido US$ 3 milhões vindos de Cuba – e não repercutiram negativamente para a revista. Quase uma coisa na linha de o crime compensa.

No Brasil, para a imprensa tudo é permitido. Isso aqui não é a Inglaterra, teria refletido um dos interlocutores. Aqui Murdoch desfilaria impune e seus meios de comunicação sobreviveriam tranquilos, teria acrescentado aquele editor. A Inglaterra pegou a doença bolivariana, chegou a brincar um editor. No Brasil, acrescentou, não há esse negócio de regulação de mídia e de há muito que o direito de resposta não funciona, e nem tempo haverá para isso.

O Grupo Abril não podia era ficar de braços cruzados diante da ameaça real da quarta vitória petista, que punha seriamente em risco a sobrevivência do conglomerado e contrariava frontalmente seu programa político para o país. Afinal, o grupo tinha um candidato e tudo devia ser feito para evitar a vitória do petismo. Tudo era tudo. Não propriamente pelos caminhos estritos do jornalismo. E algum outro, do núcleo dirigente, pode ter alertado que o candidato Aécio estava inteiramente de acordo com a operação. Por isso, não podia haver vacilação.

“Às favas o jornalismo”, pode ter dito algum dos interlocutores da nossa história, parafraseando o então ministro Jarbas Passarinho, em dezembro de 1968, que diante da proposta do AI-5 dirigiu-se ao ditador Costa e Silva dizendo: “Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência”. Qualquer semelhança não será mera coincidência. Pode ter ocorrido toda essa discussão. Difícil acreditar que a mais ousada tentativa de golpe de um grupo de mídia contra uma candidatura no Brasil tenha se dado sem algum debate, por restrito fosse o núcleo dirigente. Como toda unanimidade é burra, não se acredita todos tenham concordado. Mas, em todo caso, pode-se admitir a ausência de discussão. Pode-se. Sempre é possível. Quem sabe possa ter vindo simplesmente uma ordem do céu, com um “cumpra-se”. E cumpriu-se. Afinal, o céu, por todas as razões, é bem informado. Quanto mais o céu da Abril. Um dia, e não deve demorar, tudo isso virá à tona, e a conta-gotas já está vindo. Contado como de fato se deu. Golpes não podem ficar à sombra, inclusive os midiáticos. Não devem. Para que não se repitam.

O advogado falastrão

Na mesma quinta-feira, O Globo Online, às 22h13, como ocorre nos casos das “casadinhas”, produz repercussão relativamente longa da matéria de Veja. “Casadinhas”, insista-se, constituem uma espécie de acordo entre os meios de comunicação em que um pauta o outro, e Veja tem sido uma pauteira essencial dos outros meios, até porque a mídia hegemônica tem pontos de vista políticos absolutamente coincidentes. Os monopólios se entendem. A concorrência vai pro espaço. E em casos tão essenciais como esse, em que está em jogo o destino político do país, dane-se a concorrência. Toda a mídia hegemônica queria Aécio. Toda ela estava contra Dilma.

Só que O Globo Online deixa escapar uma primeira declaração do advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, que irá jogar lama na “Operação Abril”, pôr dúvidas sobre sua consistência, que é nenhuma, de fato. “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso (que Lula e Dilma soubessem do esquema de corrupção na Petrobras). Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso”, registrou O Globo Online. O advogado disse mais, de acordo com a matéria: “Conversei com todos da minha equipe e nenhum fala isso. Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo. É preciso ter muito cuidado porque está havendo muita especulação”.

Ao jornal Valor Econômico de 30 de outubro, passadas as eleições, portanto, Basto volta a negar participação no que chamou de “divulgação distorcida”. “Asseguro que eu e minha equipe não tivemos nenhuma participação nessa divulgação distorcida”. Certamente, ele já tinha conhecimento da abertura de inquérito para apurar “o acesso de terceiros” ao conteúdo do depoimento prestado por Alberto Youssef a delegados da PF e a procuradores da República, determinada pelo superintendente da Polícia Federal no Paraná, delegado Rosalvo Ferreira Franco. Basto disse querer uma “apuração rigorosa”. Ele já integrou o conselho da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) no início dos anos 2000, a convite do PSDB, mas negou qualquer tipo de envolvimento com partidos políticos atualmente, tendo se desligado daquele conselho em 2002, segundo informou ao Valor Econômico, na mesma matéria.

Veja, na matéria fantasiosa, afirma que a declaração de Youssef teria ocorrido no dia 22 de outubro. O advogado é taxativo nas declarações ao Valor Econômico: “Nesse dia não houve depoimento no âmbito da delação. Isso é mentira. Desafio qualquer um a provar que houve oitiva da delação premiada na quarta-feira”. Diz ser falsa a informação de que houvera depoimento na quarta-feira para que acontecesse um “aditamento” ou retificação sobre o que o doleiro afirmara no dia anterior, 21. “Não houve retificação alguma. Ou a fonte da matéria mentiu, ou isso é má-fé mesmo”.

Parece tudo muito claro, e nessa matéria não há hesitações do advogado. Ele só hesitará diante do site de Veja, na sexta-feira 24, às 13h16: “Eu acho que as minhas declarações estão sendo usadas politicamente. Não posso me manifestar sobre um fato que é sigiloso. Nunca desmenti a reportagem da revista. Eu não posso desmentir um fato sobre o qual não posso me manifestar”. Uma no cravo, outra na ferradura, talvez se vacinando com relação ao inquérito instaurado pela Polícia Federal, quem sabe. Parece, no entanto, muito mais consistente sua fala ao Valor Econômico, onde nega até a oitiva da quarta-feira 22, utilizada por Veja como “prova”.

Da verdade mesmo, nesse caso, não sabemos tudo ainda. Jânio de Freitas, no mesmo dia 30 de outubro, na Folha de S.Paulo, em artigo denominado “Um fato sem retificação”, informa que a Polícia Federal suspeita que Youssef foi induzido a acusar Dilma e Lula numa operação para influir na eleição deste ano. Jânio de Freitas, do alto de sua longa experiência e de seu olhar atilado, a par de registrar a competência crescente da Polícia Federal, não revela esperança em qualquer resultado efetivo em relação ao inquérito que pretende investigar o vazamento. Porque nunca houve resultado em casos anteriores de tentativas de influir em eleições. “Não se espere por exceção”, conclui o jornalista. A ver como os acontecimentos se desdobram.

No Masp, banner da capa da revista com 5 metros. A campanha de Aécio e a Veja uniam-se nas ruas

A capa-panfleto

O exemplar de Veja chegou às bancas na sexta, 24 de novembro, fora da rotina: sempre chega sábado. Não há dúvida de que a revista pretendia entregar munição ao candidato Aécio Neves e pautar o restante da mídia, cuja maior parte nunca regateou esforços para eleger o tucano. Era uma operação destinada a derrotar Dilma, pouco importando a veracidade da informação. E a publicação em si, como já demonstramos, era já um acréscimo, uma vez que a notícia estava devidamente divulgada, viralizada na internet, potencializando toda a carga de ódio e intolerância presente nas hostes aecistas. O Grupo Abril tinha absoluta consciência dos seus resultados. 

A capa, certamente pensada e repensada pelos editores, é um primor de criação golpista: criminaliza Dilma e Lula da forma mais abjeta possível. Quem lida com jornalismo sabe que cada momento da edição tem vida própria. A capa é essencial a qualquer revista, e fala por si. Esta, a do golpe, esticou a corda no limite em sua editorialização e tentou de todo modo investir em seu apelo estético-emocional. Foi preparada para servir de munição, para caminhar com as próprias pernas, servir à campanha adversária, como serviu.

Reproduzida amplamente – milhões de exemplares chegaram a diferentes pontos do país como resultado de uma produção centralizada –, a capa tornou-se um eficiente instrumento em mãos de militantes aecistas. Produção centralizada sem que se identifique onde era esse núcleo central. Ainda há de ser revelado, que a verdade tarda, mas não falha. E o jornalismo, façamos uma pausa para dizer isso, tem o condão de fazer acreditar que lida com a verdade. Parece verdade. Mesmo quando seja a mais deslavada mentira, mesmo quando mistificação. Não é fácil à sociedade distinguir o quanto de real existe em cada matéria, em cada reportagem, em cada texto, e às vezes, quando se dá conta, os resultados pretendidos já foram alcançados.

A capa passava de mão em mão como verdadeira, vinda de um ente poderoso, um órgão de comunicação, não era (não?) proveniente da direção da campanha de Aécio. Não aparecia como tal. Podia, e creio foi, ser recolhida como expressão da verdade – e influir decisivamente no resultado eleitoral, em especial no contingente dos indecisos. Inocência, aqui, não cabe. Sabe nada, inocente. Tudo foi meticulosamente pensado e organizado pelo Grupo Abril, numa operação político-midiático-golpista, não custa insistir.

Há um lado gráfico tenebroso, apelativo. Há o fundo negro, em meio ao qual surgem as fotos tensas, de Dilma e de Lula, escolhidas a dedo, pouco mais da metade dos rostos de cada um, como se surgissem das trevas. Ao preenchermos buracos, nossa imaginação vê o editor dando ordens: “Pegue aí as piores fotos que temos no arquivo”. A foto de Dilma, parece, foi repaginada, para bem pior. O “selo”, acima da chamada, é “Petrolão”. E a chamada, caprichada para a incriminação: “O doleiro Alberto Youssef, caixa do esquema de corrupção na Petrobras, revelou à Polícia Federal e ao Ministério Público, na terça passada, que Lula e Dilma Rousseff tinham conhecimento das tenebrosas transações na estatal”. E logo abaixo a manchete propriamente dita, em vermelho: “Eles sabiam de tudo”.

Veja caprichou. A capa era o principal instrumento a ser colocado nas ruas, sabia disso. A melhor peça publicitária da campanha de Aécio. De graça. Nem em nossos exercícios de imaginação dá pra especular se Aécio chegou a ver a capa antes de ser disparada. Os dirigentes da campanha do tucano não podiam querer algo melhor, isso é possível dizer com segurança. Senão nos detalhes, com certeza tinham conhecimento do que viria. Uma operação dessas não surge assim como uma tempestade em dia de céu azul, sem uma concertação. Afinal, tinha o objetivo político de ajudar uma candidatura, que precisava ser avisada para tomar as providências, sobretudo a providência da distribuição da capa. Que poderia ser oferecida pelos próprios organizadores do golpe midiático, mas isso não se pode afirmar porque não confirmado. A imaginação, nesse caso, se contém.

Mais que o texto interno, importava a capa, a manchete “Eles sabiam de tudo” e a composição, vá lá, artística, incriminatória de Lula e de Dilma, de modo, insista-se, a interferir numa eleição em que as pesquisas davam a presidenta com coisa de 8, 9 pontos à frente. A operação golpista pretendia, já se disse, tirar essa diferença e dar a vitória a Aécio, candidato da revista e de toda a mídia hegemônica. O jornal O Globo do sábado 25 dá título esclarecedor, revelador da importância da capa como instrumento publicitário da campanha tucana. “PSDB distribui panfletos com capa de revista em todo o país” é o título da matéria de Cristiane Jungblut, enviada especial a Belo Horizonte para acompanhar manifestação tucana. Um subtítulo esclarece: “Campanha de Aécio aposta que reportagem de Veja vai desgastar Dilma”. 

Atos semelhantes, organizados pelos tucanos, com distribuição massiva da capa de Veja, foram realizados também em São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. No vão do Masp, em São Paulo, é colocado um banner da capa da revista com cerca de 5 metros de altura. Milhões de exemplares da capa espalharam-se pelo país. O golpe caminhava. A campanha de Aécio e a revista Veja uniam-se nas ruas, numa ousadia sem limites. E sem nenhuma preocupação de dissimular a unidade político-midiática: Veja e o restante da mídia hegemônica na luta para derrotar a candidata Dilma Rousseff.

Golpismo e vacinas

Antes de seguir adiante, convém dar uma olhadinha no restante do material de ataque a Dilma e Lula, Veja 2397. Na Carta ao Leitor (“Choque de realidade”), seu editorial, Veja, sem ter demonstrado nada, sem ter nada à mão, salvo sua especulação, dá como certo que o material que incrimina Dilma e Lula “logo estará nas mãos do juiz Sérgio Moro, responsável pelo caso, em que passam a contar como suspeitos um ex e uma atual e, quem sabe, futura presidente da República”. Já sentenciou, já decidiu que “eles” serão arrolados como suspeitos, vejam só. Acentua, numa linguagem conhecida, que diante do que vem sendo revelado “as consequências do escândalo são difíceis de mensurar”. Que consequências? Golpe? Impeachment? Deixa no ar, claro. A jornalista Tereza Cruvinel, no artigo “Oposição perde a segunda arma do impeachment”, no Brasil 247, é explícita. Fala do golpe da revista Veja – usa a palavra golpe, não faz rodeios –, mostra que não aconteceram os resultados eleitorais nem os desdobramentos institucionais pretendidos, mas “serviu para colocar a palavra ‘impeachment’ em circulação”, no que tem razão.

Veja, no número golpista, faz uma espécie de “vacina” ao final da Carta ao Leitor, tendo consciência da operação que está realizando, consciência da tentativa de interferir claramente no processo eleitoral: “Veja publica essa reportagem às vésperas do turno decisivo das eleições presidenciais” – começa assim o parágrafo final, mas anotem a observação final, tão criteriosa – “obedecendo unicamente ao dever jornalístico de informar imediatamente os fatos relevantes a que seus repórteres têm acesso”. E termina solene: “Basta imaginar a temeridade que seria não trazê-los à luz para avaliar a gravidade e a necessidade do cumprimento desse dever”. Trata-se de um texto claro, quase uma confissão de culpa, envergonhada. Quase dizendo aos leitores “é, tivemos de fazer isso, mas, vejam bem, o fizemos em nome do bom jornalismo”. Ora, ora. Uma boa parte da consciência crítica brasileira sabe o modus operandi de Veja. Não precisava se explicar. Está tudo revelado. Os fatos em sequência revelaram o golpe midiático, felizmente frustrado.

Na abertura da “matéria-bomba”, na página 58, outra vacina reportando-se novamente à Carta ao Leitor. “Veja não publica reportagens com a intenção de diminuir ou aumentar as chances desse ou daquele candidato” – quase uma confissão enviesada da tentativa golpista. “Veja publica fatos com o objetivo de aumentar o grau de informação de seus leitores sobre eventos relevantes, que, como se sabe, não escolhem o momento para acontecer” – vejam, os fatos não escolhem momento para acontecer, podem acontecer a poucas horas de uma eleição presidencial, quer Veja explicar, candidamente. 

O material interno da revista é muito pobre, porque fantasioso. O núcleo do escândalo montado resume-se a escassas cinco linhas, essenciais para a tentativa do golpe midiático, na página 61, em que o doleiro teria declarado que Lula e Dilma sabiam de tudo o que ocorria na Petrobras, sem que até agora a revista tenha apresentado uma única, escassa prova de que, de fato, Youssef tenha declarado o que a revista revela, sem que uma única fonte tenha falado para comprovar. Não respeita sequer alguns critérios do jornalismo meramente declaratório, sabidamente um recurso que sempre reclama complemento, confirmação, checagem.

Só para argumentar, ainda que o tal doleiro tivesse afirmado o que Veja diz, poderia um órgão de imprensa, que levasse a sério a profissão, aceitar manchetar isso sem nenhuma busca criteriosa da verdade? Lembro-me dos meus tempos de Estadão: a orientação era tomar furo se não confirmássemos seriamente o que tínhamos em mão. Estou me referindo ao Estadão, reconhecidamente um jornal secularmente conservador. Para Veja, o que importa são seus objetivos. E, nesse caso, não há sequer a comprovação de que o “jornalismo declaratório” de Veja tivesse respaldo.

E, convenhamos, algo envolvendo um ex-presidente da República e a atual presidenta da República não mereceria cuidados bem maiores do que simplesmente confiar num delator, e isso, lembrando, na hipótese, ainda não comprovada, de ele ter de fato dito o que a revista revela? Não caberia trabalhar mais, checar por todos os lados, ouvir outras fontes, como recomenda qualquer manual de redação, especialmente se naquelas horas se estava decidindo quem seria o próximo presidente da República?

Claro: Veja sabia bem o que fazia. Tinha consciência de que os critérios em que se assentava sua, vá lá, matéria estavam a anos-luz do que se conhece como jornalismo. Tanta consciência que lá pelas tantas, depois de ter soltado as cinco linhas de acusação gratuita que deu, vá lá, sustentação à sua capa, lá pelo meio, sem nenhum destaque, sem nenhum “olho”, ela diz, outra vacina:

“Obviamente, não se pode condenar Lula e Dilma com base apenas nessa narrativa”. É isso mesmo, Veja diz que não se pode condenar Lula e Dilma, mas é o que faz com sua capa espetacular e especular. Quase inacreditável, só possível numa operação golpista. Antes, na matéria, já havia admitido que “o doleiro não apresentou – e nem lhe foram pedidas – provas do que disse”. O jornalismo admite isso? Evidente que não. Jornalismo quer provas, fatos, dados consistentes.

Uma leitura atenta do texto evidencia a possibilidade de desconstrução do exercício cheio de imaginação de Veja, todo ele voltado à tentativa de incriminar Lula e Dilma, não importando a inexistência de bases reais para tal incriminação, como ela própria acaba dizendo. Qualquer estagiário de jornalismo daria zero à matéria. Por inconsistente. Por fantasiosa. Por não respeitar os mínimos critérios éticos do jornalismo.

Há um certo quê de ironia involuntária no fato de Veja, no mesmo número, em “Datas”, na página 44, registrar a morte, aos 93 anos, de Ben Bradlee, ex-editor executivo do Washington Post, o jornalista que coordenou a cobertura do caso Watergate. Essa cobertura ficou como um exemplo para o jornalismo mundial. Nada se publicava sem checagem segura, por todos os lados. Não bastavam as informações do “Garganta Profunda”, agora revelado como Mark Felt, ex-diretor assistente do FBI que contribuiu decisivamente para a deflagração em 1972 do escândalo que derrubou Nixon.

Bradlee exigia que seus notáveis repórteres, Bob Woodward e Carl Bernstein, buscassem outras fontes que as confirmassem, sem as quais não permitia que nada fosse publicado – sobre Felt, consulte-se livro de Bob Woodward, de 2005, O Homem Secreto, da Rocco, dedicado, aliás, a Ben Bradlee. Veja não separa sua vocação conservadora, sua posição política vinculada aos ideais neoliberais, do jornalismo. Sua atividade editorial – difícil chamá-la de jornalismo – é inteiramente permeada de ódio, e nessa visão tudo se justifica, tudo aquilo que o jornalismo liberal reclama se sacrifica, inclusive a verdade, ou, ao menos, a busca da verdade. Nunca, com esse olhar cheio de ódio, conseguirá seguir o conselho de Bradlee, publicado por ela mesma ao registrar a morte dele: “Faça o melhor e mais honesto jornal que você puder hoje. E um ainda melhor no dia seguinte”. Veja consegue sempre ser pior no dia seguinte.

E o número golpista não se restringe à “matéria-bomba”. Veja vai à sua cozinha, e requenta vários escândalos, com maior, menor ou nenhum grau de verdade, todos eles ligados ao “governo do PT”. A manchete: “A década dos escândalos”. Naturalmente, não houve escândalos sob Fernando Henrique Cardoso no olhar partidarizado de Veja. Em seguida, longa matéria também sobre “Os 10 ataques que envenenaram a campanha”, título destacado na página 68. A chamada, na mesma página, esclarece o objetivo: “O PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”.

Olhando-se com atenção de que ataques fala Veja, tem-se a impressão (impressão?) de que os textos foram redigidos a quatro mãos – redação da revista e assessoria do candidato tucano. É a tentativa de demonstrar, nos dez pontos levantados, que a campanha petista, e apenas ela, envenenou a disputa eleitoral, e distorceu e falseou fatos sobre o adversário e suas teses, e inventou teses a favor da presidenta Dilma. É como se houvesse, de um lado, um candidato cheio de veracidade e, além de tudo, um gentleman, e de outro uma candidata pronta para atacar ao rés do chão. Não tomou cuidado, em nenhum momento, de revelar ao menos alguns dos violentos ataques do candidato Aécio Neves, que chegaram ao nível do desrespeito pessoal à presidenta. A matéria é outra peça de campanha de Aécio, uma defesa apaixonada de seu programa, tentativa de desmontar tudo o que a campanha de Dilma e a própria presidenta diziam sobre a natureza neoliberal das propostas do adversário.

Dilma bate duro: foi crime

É provável que nas discussões em torno da tentativa de golpe midiático, e aqui voltamos a um certo grau de imaginação, tenha havido os que não considerassem a possibilidade do uso do horário eleitoral pela presidenta Dilma para responder à revista. Seria arriscado atacar um órgão de imprensa, poderia parecer um desrespeito à liberdade de expressão, como costuma raciocinar Veja – liberdade de expressão para ela é o direito de a revista dizer o que quiser e bem entender sem nenhuma obrigação para com a verdade.

Sabe-se que a campanha petista descobriu, ainda na quinta, que Veja preparava alguma coisa contra Dilma. Não sabia exatamente o quê. Depois, vazou a capa. Conhecendo como conhecia a revista e seus métodos, sabia que nas páginas internas haveria pouco além daquilo. No horário eleitoral do meio-dia, na sexta-feira 24, Dilma reagiu fortemente, com a consciência de que aquela deveria ser a única resposta, deixando o programa da noite, o último, para um término em alto estilo. Assim foi feito. E Dilma falou: 

“Todos os eleitores sabem da campanha sistemática que a revista move há anos contra mim. Mas, desta vez, Veja excedeu todos os limites. Desde que começaram as investigações sobre ações criminosas do senhor Paulo Roberto Costa eu tenho dado total respaldo à Polícia Federal e ao Ministério Público. Até a sua edição de hoje, às vésperas da eleição, em que todas as pesquisas apontam minha vantagem sobre o adversário, Veja tentou insinuar minha omissão diante dos fatos. Isso já era um absurdo, já era uma tremenda injustiça.

“Hoje, a revista excedeu todos os limites da decência e da falta de ética, pois insinua que eu teria conhecimento prévio dos malfeitos da Petrobras e que Lula seria um dos articuladores. A revista comete essa infâmia sem apresentar nenhuma prova. É um crime. É mais do que clara a intenção malévola de Veja de interferir de maneira desonesta e desleal nos resultados das eleições. A começar pela antecipação da edição semanal para hoje, sexta-feira, quando normalmente chega às bancas no domingo.

“Mas, como em outras vezes, em outras eleições, Veja vai fracassar em seu intento criminoso. A única diferença é que desta vez ela não ficará impune. A Justiça livre deste país seguramente vai condená-la por este crime. Ela e seus cúmplices tampouco conseguirão sucesso em seu intento de confundir o eleitor. O povo brasileiro tem maturidade para discernir entre mentira e verdade. O povo sabe que nunca compactuei com corrupção. Sou uma defensora intransigente da liberdade de imprensa, mas a consciência livre da Nação não pode aceitar que, mais uma vez, se divulguem falsas denúncias, em meio ao processo eleitoral. Os brasileiros darão respostas nas urnas. E eu darei minha resposta a eles na Justiça”.

O texto é claro: tratou-se de uma tentativa de golpe midiático, embora não seja exatamente essa a expressão utilizada por Dilma. Trata-se de um crime, ela diz, a intenção malévola de interferir de maneira desonesta e desleal nos resultados das eleições. Afirma que Veja já fez isso em outras eleições, e de fato exemplos não faltam. E que recorrerá à Justiça para que ela pague pelo crime cometido. Desta vez, Veja foi longe demais, embora nunca se possa prever qual será a posição do Judiciário face às iniciativas da presidenta para fazer com que a revista pague pelo crime.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, em 29 de outubro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticou duramente os vazamentos seletivos e mirou, sobretudo, o advogado de Alberto Youssef, Antonio Figueiredo Basto.

“Estava visível que queriam interferir no processo eleitoral. O advogado do Alberto Youssef operava para o PSDB do Paraná, foi indicado pelo (governador) Beto Richa para a coisa de saneamento (Conselho de Administração da Sanepar), tinha vinculação com partido. O advogado começou a vazar coisa seletivamente. Eu alertei que isso deveria parar porque a cláusula contratual diz que nem Youssef nem o advogado podem falar. Se isso seguisse, eu não teria compromisso de homologar a delação”.

Não bastasse a tentativa do golpe midiático de Veja, localizou-se ainda um episódio de nítida inspiração golpista – a exploração do internamento hospitalar do doleiro Alberto Youssef. Qual o centro da articulação que transformou tal internação em envenenamento, ninguém sabe ainda. Isso também teve natureza essencialmente midiática, só que centrada na rede mundial de computadores. A internet foi invadida pela notícia de que o doleiro estava internado em hospital de Curitiba, na UTI, envenenado por organofosforado. Uma queda de pressão arterial foi convertida em envenenamento, e o boato foi se transformando numa verdade indiscutível, que se prolongou até o meio do dia da própria votação, domingo, mesmo que a Polícia Federal já o tivesse desmentido.

O fato só foi devidamente esclarecido, ao menos oficialmente, na noite de sábado pela Polícia Federal. O doleiro havia passado mal no final da manhã, tivera uma forte queda de pressão em decorrência do uso de medicação contínua no tratamento de doença cardíaca crônica, e fora levado no início da tarde para a UTI do Hospital Santa Cruz por agentes da Polícia Federal. Até uma falsa página do G1 no Paraná foi inventada para sustentar a mentira, com o óbvio propósito de ligar o fato a uma “queima de arquivo” por parte do PT. A manchete da falsa página era categórica: “Doleiro Youssef é achado morto em hospital de Curitiba”, e foi ao ar às 10 horas de domingo de modo a que as especulações prosseguissem e pudessem influenciar o resultado eleitoral.

Não creio possa essa iniciativa de Veja ser retirada de um contexto mais amplo. A história nos ensina que não devemos. Que nos recordemos do Ipes, do Ibad, da preparação golpista contra Goulart. Que liguemos tudo isso ao Instituto Millenium, de hoje. Que entendamos que a mídia não age solitariamente. Que está vinculada a uma perspectiva política, que conforma o que Gramsci chamava, lá trás, de partido político em amplo sentido, e partido conservador. Que substitui e impulsiona o partido da direita no Brasil, não importa o nome que a ele se dê.

E não se deve ignorar que a mídia não parou de trabalhar depois da eleição da presidenta Dilma. Trabalhar incansavelmente para desestabilizar o governo dela e, no limite, se reunir forças, chegar ao impeachment. Está certa Tereza Cruvinel ao dizer que, para além da tentativa golpista naquele momento, Veja conseguiu colocar a palavra impeachment no mercado de ideias, palavra que foi abraçada pelos gatos pingados golpistas que foram às ruas até agora e pelos partidos de oposição, inclusive por alguns de seus principais líderes. O problema não está nas ruas. Está na tentativa ideológica, bem pensada, de naturalizar a ideia do impeachment, perigosamente.

Estamos a léguas da possibilidade de golpes militares nos dias de hoje na América Latina. Mas não de outro tipo de golpe. Paraguai e Costa Rica nos ensinam. Nossa realidade é outra. Dilma foi eleita com 51,64% dos votos dos brasileiros. Temos um movimento social capaz de se mobilizar, como se comprovou na campanha. Mas, para contrapor, o principal partido do país está sob um ataque virulento, demonizado, como se fosse um partido de bandidos, e o PT, por mais erros que tenha, e os tem, é a mais importante e ampla organização partidária que o Brasil já conheceu. Só não se sabe quais as consequências que o partido experimentará diante de fogo tão cerrado. As operações que correm no Judiciário, por mais verdadeiras que possam ser, têm uma natureza obviamente seletiva, visando ao PT e minimizando quaisquer impactos que atinjam os partidos de oposição, especialmente o blindado PSDB. E essa seletividade, essa criminalização do PT, é claramente dirigida pela mídia, incansável nesse objetivo.

Será possível seguir avançando na democratização da sociedade brasileira se a mídia não for submetida às determinações constitucionais, se não estiver sob o jugo da lei? Será possível possa continuar a mídia brasileira como um cavalo desembestado, sem freio, ciente de que pode tudo, ao arrepio da lei, inclusive tentar golpes, como o fez agora, nas eleições de 2014? Mais do que nunca, creio estar na ordem do dia a regulação da mídia, que assegure o pronto direito de resposta, que garanta o cumprimento dos dispositivos constitucionais, que não permita os monopólios, que fortaleça os meios de comunicação comunitários, que dê forças às empresas estatais de comunicação, às empresas da sociedade civil, que horizontalize a propriedade.

Sem regulação da mídia, viveremos o sobressalto permanente das tentativas de golpe, as tentativas de desrespeito às urnas, desrespeito às decisões soberanas das maiorias, destruição de reputações, irresponsabilidade no exercício do jornalismo. O jornalismo é uma atividade nobre, e não pode continuar nas mãos de quatro, cinco famílias que se acreditem capazes de fazer o que lhes der na telha para garantir o privilégio de uns poucos e que se dão ao direito de, sempre na nossa história, colocar-se partidariamente contra quaisquer governos progressistas em nosso país. 

Emiliano José é jornalista, deputado federal (PT-BA) e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate.

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