As eleições de 2014 em Pernambuco foram marcadas por fatos bastante significativos. O então governador Eduardo Campos decide concorrer à Presidência da República, rompendo uma aliança histórica com o PT, e indica como candidato do PSB, ao governo do estado, um secretário sem nenhuma experiência em eleições. Ocorre, em seguida, o acidente aéreo que o vitimou e toda a comoção que se seguiu e, ao fim, um resultado eleitoral, no primeiro turno, que surpreendeu até os institutos de pesquisa. O PSB consegue eleger governador Paulo Câmara e senador Fernando Bezerra Coelho e garante, no estado, o primeiro lugar para a candidata a presidente Marina Silva.

Além da derrota para o Senado, o PT não conseguiu eleger nenhum deputado federal, perdendo seus três mandatos atuais, e para deputado estadual conseguiu apenas renovar três dos atuais quatro mandatos. No segundo turno, nova reviravolta: a candidata Dilma (PT) alcança mais de 70% dos votos válidos no estado, superando em muito os 44,2% obtidos no primeiro turno, quando ficou na segunda colocação.

Este artigo apresenta dados de um estudo com base nos resultados das últimas eleições em Pernambuco, tendo como ponto de partida a eleição de 2012 para a Prefeitura do Recife. A partir desse trabalho foi possível prever o resultado eleitoral de 2014, no estado. A súbita saída de Eduardo Campos do cenário político e seus desdobramentos em nada alteraram a hipótese formulada, revelando seu grau de consistência, como se pretende demonstrar em sua derradeira parte. O objetivo é oferecer aos leitores uma abordagem pouco convencional da política, centrada no comportamento dos resultados eleitorais, que fundamenta as reflexões apresentadas. É uma pequena contribuição na qual se procura decifrar a brilhante e vitoriosa estratégia elaborada e executada sob a liderança do ex-governador.

Análise das eleições em Pernambuco 2002-2012

Em 2012, o PSB chamou atenção do mundo político quando conseguiu em apenas cem dias eleger para prefeito de Recife, no primeiro turno, um dos secretários do governo do estado que jamais havia disputado um cargo eletivo. O partido havia posto em prática uma estratégia exitosa, encerrando um período de doze anos no qual a cidade vinha sendo governada por representantes do Partido dos Trabalhadores.

Eram públicas as dificuldades enfrentadas pelo PT, ao longo da gestão que se encerrava naquele ano. Divergências entre suas principais lideranças sendo tratadas através dos jornais, o então prefeito com baixa avaliação nas pesquisas, um processo complicado de escolha do candidato do partido, deixando o prefeito fora da disputa, com a indicação dos candidatos Humberto Costa para prefeito e João Paulo para vice.

Mesmo com esse quadro tão desarrumado, muitos avaliavam que o candidato do PT estaria na disputa. Adriano Oliveira, cientista político, professor universitário e integrante da direção do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau, ligado à faculdade em que leciona, a menos de 80 dias do pleito havia divulgado na imprensa uma análise das eleições em Recife em que, nos três prováveis cenários, figurava o candidato petista.

Definidas as coligações e as chapas proporcionais apoiadoras de cada candidatura majoritária, constatou-se que a chapa de proporcionais do candidato do PSB contava com 334 candidatos a vereador. Era a maior chapa daquela eleição, resultado de uma ampla coligação articulada por Eduardo Campos. Uma conta simples desse potencial permitia intuir que, se cada um desses candidatos conquistasse mil votos para o candidato majoritário, considerando o colégio eleitoral de Recife, Geraldo Júlio (PSB) estaria, no mínimo, no segundo turno. A estratégia seria para alcançar essa meta.

Faltando pouco mais de um mês para as eleições, as pesquisas revelaram um dado surpreendente. O candidato do PSB, que em julho de 2012 tinha apenas 5% das intenções de voto, sobe para 15% em meados de agosto e, em dezoito dias, uma aceleração vertiginosa o levou a conquistar 18 pontos percentuais, assumindo a liderança do pleito com 33%. Conquistar 1 ponto percentual por dia em Recife, ou 12 mil eleitores, para um candidato pouco conhecido era um feito extraordinário. O único fato relevante ocorrido nesse período foi o início da campanha no rádio e na TV, no dia 21. Portanto, no final de agosto deviam ter ocorrido quatro ou cinco programas eleitorais dos majoritários, muito pouco para alavancar de forma tão surpreendente o candidato do governador.

Duas características diferenciavam essa campanha das anteriores: uma farta divulgação do nome do candidato logo no início do período de propaganda, com forte presença em todos os lugares, e o intenso trabalho em comunidades, possivelmente todas. Os relatos daqueles acontecimentos, feitos por quem os havia vivenciado, revelavam a surpresa com a dinâmica da campanha do PSB. Dava a impressão de que procurava abafar, em todos os lugares, a presença das demais candidaturas.

Buscando respostas nos resultados eleitorais

Por esse quadro, a campanha eleitoral de 2012, em Recife, oferecia muitos elementos subjetivos tentando explicar seu resultado, porém nada determinante. O cenário das eleições de 2014 pedia um aprofundamento dessa análise.

Tomou-se como premissa partir da ideia da votação dos candidatos proporcionais puxando o majoritário. Foi iniciado um estudo com base nas pesquisas eleitorais e nos resultados colhidos do site do TSE e desenvolvido um método que possibilitasse identificar com razoável grau de certeza se essa ideia se prestaria como uma hipótese válida.

A definição do método

Suponha uma eleição ideal na qual cada eleitor escolhe um projeto político representado pelo candidato majoritário e pelos proporcionais da mesma coligação. O resultado mostrará que em cada seção, portanto em cada urna, as duas chapas terão percentuais iguais. Cada eleitor votou simultaneamente no majoritário e no proporcional daquele projeto político.

Para melhor visualizar esse resultado, foi montado um gráfico com os dados dessa chapa.(gráfico 1)

 

 

 

No eixo X foram marcados os valores, urna a urna, do percentual dos votos majoritários obtidos pela chapa estudada, traçando linhas verticais desses pontos, paralelas ao eixo Y. No eixo Y foram marcados os valores, urna a urna, do percentual de votos proporcionais obtidos pela coligação que apoia a chapa estudada, traçando linhas horizontais desses pontos, paralelas ao eixo X. Cada seção seria representada no gráfico por um ponto, resultante do encontro das respectivas linhas. A nuvem de pontos obtida por esse processo permite analisar o comportamento do eleitor, na relação entre os votos majoritário e proporcional, urna por urna.
 
Os eixos X e Y do gráfico se cruzam no valor 50%. Formam-se, então, quatro quadrantes. O primeiro, no canto direito superior do gráfico; o segundo, no canto esquerdo superior; o terceiro, no canto esquerdo inferior; e o quarto, no canto direito inferior.

Os pontos localizados no primeiro quadrante representam as urnas nas quais as chapas proporcional e majoritária obtiveram 50% ou mais de votos. Os pontos localizados no segundo quadrante, as urnas nas quais a chapa proporcional obteve 50% ou mais de votos e a chapa majoritária menos de 50%. Os pontos localizados no terceiro quadrante, as urnas em que as chapas proporcional e majoritária obtiveram menos de 50% dos votos. E, por fim, os pontos localizados no quarto quadrante, as urnas nas quais a chapa proporcional obteve menos de 50% dos votos e a chapa majoritária obteve 50% ou mais de votos.

Para a eleição ideal considerada, como os percentuais de votos majoritário e proporcional em cada urna são iguais, os pontos do gráfico estão alinhados sobre a diagonal aos quadrantes 1 e 3.

Da análise do gráfico, é possível concluir que é vitoriosa a chapa majoritária estudada cuja maioria dos pontos se situar no primeiro e quarto quadrantes. Para efeito de análise da relação dos votos majoritários com os proporcionais, nesse dois casos, o gráfico revela três situações distintas:

I – A maioria de pontos está no quarto quadrante. Significa que a chapa majoritária liderou a conquista do resultado, obtendo um percentual de votos igual ou superior a 50%, enquanto a chapa proporcional obteve menos de 50%.

II – A maioria dos pontos está no primeiro quadrante. Significa que as chapas majoritária e proporcional sagraram-se vitoriosas. Para identificar qual das duas chapas obteve a maioria dos votos, trabalha-se com duas possibilidades:

a) A maioria dos pontos está abaixo da diagonal. A chapa majoritária liderou a conquista do resultado, porque teve um percentual de votos, em cada uma das urnas representadas, superior ao dos votos na chapa proporcional;

b) A maioria dos pontos está acima da diagonal. A chapa proporcional liderou a conquista do resultado, porque teve um percentual de votos, em cada uma das urnas representadas, superior ao dos votos da chapa majoritária.

Aplicando o método aos resultados de 2012

No gráfico 2 estão representados os dados da eleição de 2012. Cada ponto do gráfico corresponde ao percentual de votos em uma seção eleitoral. Nesse caso, a maioria dos pontos está situada no primeiro quadrante, acima da diagonal, uma configuração que revela que a chapa proporcional, em grande parte das urnas, teve um percentual de votos maior que a majoritária. Isso sugere que essa chapa foi a grande “puxadora” de votos. Considerando as características do candidato vitorioso – pouco conhecido do eleitor e nunca disputou uma eleição –, pode-se inferir que em vez de se tratar do voto “andor”, como se especulou à época, ocorreu o voto “carruagem”: um exército de candidatos proporcionais “puxa” o voto majoritário, a partir de suas lideranças territorialmente localizadas.

 

Aplicando o modelo aos resultados eleitorais de 2004 e 2008 (Recife) e 2002, 2006 e 2010 (Pernambuco), observou-se, então, uma similaridade entre os gráficos das candidaturas vitoriosas de 2012 e de 2008, quando candidatos sem experiência eleitoral sagraram-se vitoriosos no primeiro turno.

Na eleição de 2010, embora liderando com folga as pesquisas de intenção de voto, o governador Eduardo Campos, ao experimentar essa estratégia, conseguiu obter o maior percentual de votos entre os candidatos a governador de todo o país.

A composição das chapas nas últimas eleições

Consolidados os dados na tabela 1, pode-se observar que a partir de 2008 mudaram algumas características nas eleições em Pernambuco, para a prefeitura da capital e para o governo estadual. As chapas proporcionais que apoiaram as majoritárias vencedoras passaram a contar com uma significativa quantidade de candidatos, muitos com grande potencial de votos, que agregaram expressivas votações às chapas. Naquele ano, o candidato do PT, com pouca experiência eleitoral, elegeu-se no primeiro turno, apoiado por uma chapa proporcional que agregou 62% de todos os candidatos a vereador e obteve 66% dos votos proporcionais. Dali para a frente, as chapas vitoriosas adotaram essa estratégia que ratificou a liderança do candidato Eduardo Campos (PSB) em 2010 e garantiu a vitória do PSB em 2012 em Recife.

 

Uma tentativa de síntese

A partir dessas análises, pode-se inferir que é grande a probabilidade de a estratégia adotada pelo PSB ter considerado três diretrizes básicas para obter sucesso:

I – A montagem da chapa proporcional deve observar não apenas a quantidade de candidatos, mas seu potencial de votos, e a distribuição desse potencial em cada recorte mínimo do território cujo governo está sendo disputado, de modo a que em cada um desses recortes a chapa disponha de candidatos competitivos, para ajudar na eleição do majoritário.

II – As dinâmicas das campanhas proporcional e majoritária devem estar fortemente articuladas, para que seja trabalhado o voto casado. As várias candidaturas proporcionais e a candidatura majoritária, assim, atuam em rede, integrando suas dinâmicas e fazendo a campanha acontecer simultaneamente em todo o território em disputa, todos os dias da semana.

III – O modelo sugere ainda a existência de uma estrutura de gestão para a campanha, que acompanhe a execução do planejamento tático e operacional pactuado e se as metas e resultados previstos em cada momento da campanha estão de acordo com o planejado, além de ser capaz de manter toda a “rede” mobilizada.

Como a possibilidade de vinculação do voto proporcional com o majoritário só existe na cabeça do eleitor, para que esse casamento ocorra de forma mecânica é preciso que o eleitor não esteja motivado a fazer a própria escolha no voto majoritário, assumindo o voto oferecido pelo proporcional. Num ambiente de desgaste das instituições políticas e numa campanha que não consiga tocar a emoção das pessoas, essa estratégia tende a um maior êxito.

Crônica de uma derrota anunciada

As conclusões do estudo apresentado no final de abril embasaram uma primeira análise das duas principais candidaturas ao governo do estado em 2014. A indicação de Paulo Câmara, candidato sem experiência eleitoral, para majoritário do PSB era a senha de que o ex-governador apostaria na estratégia vencedora de 2012. Teria um peso razoável no resultado eleitoral a quantidade de lideranças com voto de cada coligação das candidaturas majoritárias.

Divulgadas as coligações, buscou-se estabelecer um comparativo entre o potencial eleitoral das forças políticas que compunham cada uma delas. Nesses cálculos, foram considerados apenas os candidatos a deputado e prefeito que nas duas últimas eleições, respectivamente, obtiveram 3 mil votos ou mais. As respectivas votações foram agregadas por partido político e totalizadas segundo o conjunto de partidos que compunham as coligações. Os candidatos da coligação de Paulo Câmara somaram 8,6 milhões de votos (70%) e os da coligação de Armando Monteiro, 3,6 milhões (30%), desprezadas as defecções de parte a parte.

A partir da divulgação das chapas proporcionais, mais uma análise reforçava o voto “carruagem”. Apenas nos candidatos a deputado estadual de cada uma das chapas, por sua relação mais próxima com o candidato a governador, constatou-se que a coligação que apoiou Paulo Câmara registrou 372 candidatos e a que apoiou Armando Monteiro, 84. O gráfico 3 mostra a distribuição percentual por chapa majoritária, em que se nota a supremacia do candidato do PSB.

 

Tomando por base as três últimas eleições para o governo do estado – 2002, 2006 e 2010 –, a média dos votos dos candidatos das chapas a deputado estadual foi pouco mais de 10 mil. Se os candidatos das chapas coligadas a Paulo Câmara alcançassem esse patamar, a coligação obteria 3,7 milhões de votos. Preservado o casamento entre os votos proporcionais e o majoritário em torno de 60% dos casos, Paulo Câmara se elegeria no primeiro turno, uma situação confortável se considerarmos que, nas duas eleições para prefeito de Recife, candidatos com pouca ou nenhuma experiência eleitoral sagraram-se vitoriosos no primeiro turno, casando os votos com os proporcionais em torno de 80% dos casos.

A reunião dessas informações permitia antever que a candidatura de Paulo Câmara iniciava a campanha com condições objetivas para ganhar a eleição já no primeiro turno. Tudo dependeria da estratégia de campanha de cada uma das candidaturas propostas.

Naquele momento a candidatura de Armando Monteiro liderava com larga vantagem, em todas as pesquisas. A apresentação dessas informações às lideranças da coligação encontrou, naturalmente, um ambiente de ceticismo com relação à validade da hipótese formulada. Mesmo com um contingente de brancos, nulos e indecisos, que juntos chegavam a 50% em alguns levantamentos, muitos acreditavam que os percentuais de Armando Monteiro, que oscilavam entre 37% e 43%, contra os de Paulo Câmara, entre 10% e 11%, mesmo com algumas perdas seriam preservados. Era difícil convencer essas pessoas dos riscos de uma derrota.

O esforço, então, foi tomar emprestada a ideia do título da obra de Gabriel García Márquez para redigir um texto que pudesse, com essas informações, fazer refletir sobre esses riscos. O objetivo era funcionar muito mais como um alerta do que como uma aposta.

O gato subiu no telhado

Fim de agosto. Muita coisa aconteceu após a análise de julho. A mais marcante delas foi a trágica morte de Eduardo Campos. A dúvida que emergia era: com a súbita saída de cena do principal líder da chapa da situação, a estratégia subsistiria? Ao mesmo tempo era preciso considerar que sua ausência na campanha do estado já era um fato previsto em razão do novo desafio ao qual tinha se lançado, a eleição presidencial.

A dúvida foi dissipada com as últimas pesquisas de agosto. A exemplo do que ocorrera na eleição de 2012, nesse momento Paulo Câmara chega a 29% das intenções de voto e se aproxima perigosamente de Armando Monteiro, que perde parte da vantagem apurada nas pesquisas anteriores. O candidato do PSB ultrapassa um ponto de inflexão importante e necessário para manter sua tropa unida a pouco mais de um mês das eleições. Comparando os valores das pesquisas do DataFolha de 13/8 com as do Ibope de 23/8, verifica-se que Paulo Câmara teve nesse período um crescimento vertiginoso, conquistando, em dez dias 1,6 ponto percentual por dia, que em Pernambuco corresponde a 100 mil eleitores, repetindo o comportamento nas pesquisas do candidato do PSB em 2012. Com esse movimento ganha força a hipótese da estratégia eleitoral da “rede” de proporcionais vitoriosa em 2012, num ambiente, do ponto de vista de seus aspectos subjetivos, completamente distinto do atual.

A evolução dos dados das pesquisas só reforçava as projeções que haviam sido antecipadas. A estratégia da candidatura de oposição não estava conseguindo anular a vantagem de partida da candidatura do PSB. O título do texto reflete, embora retirado de uma antiga piada, a gravidade do momento. Setembro começava com uma leitura ainda mais difícil para a oposição: a vitória do candidato do PSB.

Uma preocupação adicional decorria desta constatação: como a eleição do majoritário na chapa da situação seria “puxada” pelos proporcionais, corria-se o risco de ver minguadas as representações proporcionais da chapa de oposição. Os cálculos preliminares nos levariam a uma expectativa de que a chapa da situação poderia alcançar 80% dos votos. Era grande o risco de uma derrota eleitoral em todos os níveis.

A derrota e o acerto

A trajetória ascendente da candidatura de Paulo Câmara, que começou em agosto, manteve-se. No gráfico 4 foram agregados os valores de todas as pesquisas eleitorais publicadas. Observa-se como a candidatura da situação acelera, assume a liderança e assim segue até a vitória.

As pesquisas qualitativas internas, feitas em setembro pela candidatura de Armando Monteiro, davam sinais da percepção do eleitor sobre as duas candidaturas, conforme registrado num dos relatórios: “Nas qualis é muito comum ouvirmos eleitores de ambos os candidatos dizerem que quem ganhar será uma boa opção de liderança para o estado”.

Ao mesmo tempo, as pesquisas quantitativas internas registravam um dado, no mínimo, curioso. O candidato que liderava as pesquisas de intenção de voto era, ao mesmo tempo, o que contava com os menores percentuais de conhecimento por parte do eleitor e do qual o eleitor mais “ouviu falar” (tabela 2).

Esse conjunto de informações – indiferença do eleitor com relação a quem ganharia as eleições para governador do estado; o grande desconhecimento quanto aos candidatos a governador, especialmente o líder nas pesquisas; o líder era o candidato que mais da metade do eleitorado tinha “ouvido falar” – era revelador de como estava em andamento a estratégia da “rede”, operando para conquistar o voto majoritário. Seriam esses os sinais de que a carruagem estava puxando um ilustre desconhecido para ocupar o posto político maior do estado?

O que disseram as urnas

Concluída a apuração, os dados da eleição no primeiro turno em Pernambuco foram os seguintes:

Os números da tabela 3 mostram a vitória dos candidatos majoritários do PSB, com o percentual da candidata a presidente, a mais votada no estado, sendo o menor deles e os percentuais de candidatos a governador e senador muito próximos;

No gráfico 5, que correlaciona os votos de governador e deputado estadual da coligação vencedora, pode-se observar a grande concentração de pontos no primeiro quadrante, a maior parte deles acima da diagonal, o que mais uma vez sugere o “voto carruagem” puxando o voto no candidato a governador, a exemplo do resultado eleitoral de 2012 em Recife.

 

A hipótese formulada no início deste artigo, com o acerto da previsão dos resultados eleitorais de 2014, adquiria um razoável grau de consistência. Em função do nível de acerto, esse estudo chegou a ser tratado, carinhosamente, de futurístico por alguns companheiros que assistiram a essa trajetória.

A distribuição territorial dos campeões de votos

No esforço de síntese da estratégia do PSB, uma das propostas de diretrizes abordava a necessidade de agregar, na chapa proporcional, candidatos com densidade eleitoral, por recorte do território. Para tentar verificar se tal diretriz é consistente, foi feita uma análise mais detalhada da votação dos candidatos a deputado estadual, buscando identificar como estavam distribuídos os campeões de votos, em cada município, por coligação.

Dessa análise foi possível constatar que, dos 184 municípios do estado, em 132 deles (70%) os quinze candidatos mais votados estavam nas chapas que apoiaram Paulo Câmara. Em 38 desses municípios, o mais votado não se elegeu, sugerindo tratar-se, em muitos casos, de liderança com força eleitoral local, que mesmo não se elegendo, ao compor a chapa, ajudou a candidatura majoritária, naquele município. Quando se analisam os catorze maiores colégios eleitorais, que representam 50% do eleitorado do estado, considerando apenas os cinco candidatos mais votados, essa proporção aumenta. Em doze desses colégios (86%) os mais votados apoiavam Paulo Câmara. Esses dados acrescentam elementos para ratificar a proposta formulada para a diretriz.

Retomando a tabela 1, atualizada com as eleições de 2014, construiu-se a tabela 4. Nela foram acrescidas as informações sobre a média eleitoral das chapas vitoriosas e percentual de votos da majoritária em relação à chapa proporcional, conforme o caso.

 

Foi possível observar que:

  • A média da chapa de deputados estaduais que apoiaram Paulo Câmara ficou um pouco abaixo da média histórica dos 10 mil votos, considerando todas as chapas, não apenas as vencedoras, desde 2002;
  • Nas eleições em que o candidato majoritário era uma liderança consolidada, o percentual dos votos majoritários excedeu o percentual dos proporcionais. Exemplos: Jarbas Vasconcelos (PMDB), João Paulo (PT) e Eduardo Campos (PSB);
  • Nas eleições em que o candidato majoritário não detinha tal liderança, tendo de ser “puxado” pelos proporcionais que o apoiavam, seus percentuais de votos foram inferiores aos dos proporcionais. Exemplos: João da Costa (PT), Geraldo Júlio (PSB) e Paulo Câmara (PSB).


Conclusão

Com os resultados da eleição de Paulo Câmara, a hipótese formulada no início do artigo se confirmou. Dessa constatação pode-se inferir que a organização da campanha do PSB no estado reuniu aspectos objetivos muito relevantes, definidores da vitória eleitoral:

  • Forte enfoque territorial;
  • Chapa proporcional montada como parte da estratégia eleitoral;
  • Fator rede, num patamar superior, envolvendo candidatos proporcionais com densidade eleitoral, ocupando todo o território do estado, operando diariamente, bem articulada e estimulada a cumprir o plano pactuado, numa relação ganha-ganha;
  • Gestão cuidadosa da campanha, combinando, de forma exitosa, ações de logística, mobilização, infraestrutura e comunicação, aferindo e cobrando resultados de forma sistemática.

 

E onde fica a subjetividade da política?

Análises de algo tão subjetivo, como é a política, feita pelo viés objetivo, como o apresentado neste artigo, sem dúvida choca, a priori, muitos dos que as leem. Antecipar resultados eleitorais a partir de cálculos numéricos é extremamente reducionista. Os números, porém, mostraram tendências que os fatos confirmaram, e era isso que se pretendia demonstrar. Que outros estudos possam elucidar quais os fatores que fizeram com que o eleitorado reagisse dessa forma. Não se pode desprezar, contudo, a importância de duas variáveis que as análises sugerem como tendo influenciado, de forma decisiva, o resultado eleitoral: a “rede” e o “território”.

Embora surpreendendo muitos analistas, o resultado da eleição no segundo turno, quando Dilma conquistou mais de 70% dos votos, tendo a coligação de Paulo Câmara declarado apoio ao candidato Aécio Neves, era previsível para os que conheceram esse estudo, uma vez que a “rede” de proporcionais do primeiro turno estava desfeita, pois havia conquistado seu objetivo.
 
O acerto em antecipar a vitória no primeiro turno da coligação liderada pelo PSB no estado, tanto majoritário quanto proporcional, teve como corolário a derrota do PT e da coligação que ele apoiou.

No segundo turno foi muito bom ver como, sem saber de tantos números, gráficos e tabelas, milhares de militantes foram às ruas e às redes sociais, com um pouco de organização partidária e muito do coração, da vontade e da energia, defender a candidatura de Dilma e o projeto político que ela representa, resgatando o verdadeiro sentido e a subjetividade da política, fazendo a muitos reviver a campanha de 1989, o ano que marcou nossas vidas.

Hercílio Maciel é geógrafo, membro da Comissão Executiva Municipal do PT em Recife.